Acabo de saber que morreu Antonio Costa Lobo. Foi um magnífico diplomata, um embaixador que cruzei várias vezes na minha vida profissional e de quem, no plano pessoal, me tornei amigo.
Era um homem suave, educado, com uma graça muito subtil e uma fina inteligência. Olhava o mundo de uma forma realista, quase "possibilista", sem deixar de manter uma postura ética muito apurada, onde não fazia cedências. Creio que a fama de hesitante que alguns lhe colavam tinha menos a ver com qualquer dificuldade nas escolhas e, muito mais, com o seu permanente esforço em obter compromissos e tentar que o interlocutor fosse conduzido pela razão e menos pela instrução hierárquica ou pela pressão negocial. Nunca o vi deixar de ser firme naquilo que era essencial.
Em Paris, nas vezes em que por lá passou já na sua reforma, contou-me histórias deliciosas da carreira, onde chegaria a secretário-geral do MNE e a embaixador em Pequim, Moscovo e Londres, o que qualifica um percurso profissional. Depois de reformado, faria ainda uma carreira académica de mérito na Universidade Católica, atenta a sua particular qualificação na área do Direito Internacional Público, onde o multilateralismo o apaixonava.
Nunca tive coragem para lhe perguntar, ponderando a sua proverbial discrição, se era verdadeira a história, que sempre correu nos corredores das Necessidades, de que o "Lobinho" - como carinhosamente era referido entre muitos colegas -, quando encarregado de negócios em Havana, havia roubado uma namorada a Fidel de Castro. É pena, se não for verídica, porque era uma bela "medalha"...
Tive muita pena de não poder aceitar o convite que António Costa Lobo me fez, em 1989, para ser seu "número dois" em Genebra, onde então chefiava a nossa missão junto dos organismos internacionais. O convite terá surgido por virtude da experiência de trabalho em comum que havíamos tido, dois anos antes, aquando da Unctad VII - uma bela aventura, de algumas semanas, com o Frederico Alcântara de Melo, o Rui Felix Alves e o João Niza Pinheiro.
Posso revelar que Costa Lobo, com Leonardo Matias e Paulouro das Neves, era um dos embaixadores com quem sempre lamentei não ter trabalhado em posto no estrangeiro.
Foi em 1976 que conheci pessoalmente António Costa Lobo, em Nova Iorque, onde ele era encarregado de negócios, quando José Manuel Galvão deixou de ser representante português junto da ONU. Anos mais tarde, em Lisboa, tive o gosto de o acompanhar na criação da Associação para Cooperação com as Nações Unidas em Portugal - sob o impulso do Carlos Eurico da Costa, com Rui Machete, dom José Policarpo e João Palmeiro, entre alguns outros.
Em 1994, aceitei o convite de Costa Lobo para membro do concurso para Conselheiros de Embaixada e do concurso de acesso à carreira diplomática, neste último onde estavam também Marcelo Rebelo de Sousa e Miguel Beleza.
É do processo deste último concurso que quero deixar uma história, verdadeiramente edificante, que nos atesta o caráter impoluto de António Costa Lobo.
Como secretário-geral, o embaixador Costa Lobo presidia ao júri. Como sempre acontece nestas ocasiões, as dúvidas dos examinadores sobre os candidatos a selecionar concentram-se, na parte final, num grupo muito pequeno de nomes. Havíamos hesitado muito, mas, finalmente, acordámos na lista dos excluídos, encabeçada por um determinado nome.
Costa Lobo em nenhum momento utilizou a sua posição de secretário-geral para impor a sua vontade nas escolhas do juri - e podia tê-lo feito sem o menor problema. Recordo-me muito bem de que, quando, finalmente, as listas dos aprovados e dos excluídos foram finalizadas e assinadas, ele nos comentou, com a voz baixa e serena que era a sua: "É curioso, mas eu, praticamente, não conhecia nenhum dos candidatos a este concurso. Ou melhor, com uma exceção: conhecia o candidato que encabeça a lista dos excluídos".
É assim que se comportam os homens de bem, como era o embaixador António Costa Lobo, que agora nos deixa.