domingo, novembro 30, 2025

Ver antes

 

António Mota (1954-2025)


António Mota, que agora nos deixou, era um homem de emoções à flor da pele. Senti-lhe as lágrimas, ao telefone, quando um dia lhe confirmei a morte de Jorge Coelho. As mesmas lágrimas que às vezes lhe afloravam aos olhos, quando falava do seu pai. Sempre suspeitei que, na condução da empresa que conseguiu transformar na multinacional de prestígio que hoje é, ele sentiu sempre o peso da responsabilidade de dar sequência à genialidade do criador do grupo. Quem com ele convivia ouvia-o frequentemente citar frases ou ditos de Manuel António da Mota.

Tal como o seu pai, António Mota sabia ver antes. Ver as coisas antes dos outros, antecipar cenários, a consequência de decisões, é uma qualidade que só se apura com a inteligência e com a experiência, muitas vezes mais com aquilo que correu mal do que com os sucessos. António Mota tinha o sentido premonitório do risco, a par do prazer profissional de saber identificar e explorar oportunidades. Via antes dos outros, fosse na prudência ou na audácia. Quase sempre tinha a razão consigo.

António Mota nunca foi um homem frio na sua atitude como empresário. Pode parecer um cliché de estilo, mas senti que ele tratava a empresa como um prolongamento da sua família - e como ele gostava da família! Numa casa com dezenas de milhares de pessoas, via-se o genuíno gosto com que falava com os trabalhadores mais antigos, como sabia da vida de muitos, do seu percurso.

A lealdade era, para ele, a qualidade-chave do caráter. E ele praticava-a. Um dia, perante uma crise conjuntural de uma empresa estrangeira, que batia à porta da Mota-Engil a pedir cooperação técnica num tempo delicado, foi alertado para riscos que podiam decorrer desse gesto. Nunca esqueci a sua reação: "Há uns anos, escolheram-nos para colaborar com eles, quando não precisavam de o fazer. Era só o que faltava não os ajudarmos agora!"

Cruzei-me com António Mota em Angola, nos anos 80. Fomos-nos depois encontrando pelo mundo. Aproximou-nos sempre o Norte, o humor, a relação fácil, o gosto pela vida. Desse homem bom, sincero, com um extraordinário caráter, digo uma coisa simples: conhecer e ser amigo de António Mota foi um raro privilégio que tive na vida.

Hélder Macedo. 90 anos


Quem sou eu para falar do Hélder?! Não pertenço ao seu universo das letras, das academias ou das universidades. Em tese, os nossos percursos dificilmente se cruzariam: ele entre livros e seminários; eu noutros territórios mais prosaicos. Contudo, há bem mais de três décadas encontrámo-nos em Londres – cidade que ele tornou casa – e, desde então, construímos uma relação que dispensou quaisquer afinidades profissionais. E daí nasceu uma forte amizade.

Partilhamos um saudável ceticismo perante as verdades empacotadas, o pensamento preguiçoso e as certezas de almanaque, com uma dose teimosa de ironia afetiva sobre Portugal – o país a que regressamos sempre, mesmo à distância. Discutimos a democracia, o poder, as tensões do momento, a dificuldade de vislumbrar rumo no ruído global. Concordámos que Portugal continua a fazer as pazes consigo próprio através do esquecimento. Entre nós, houve sempre uma recusa partilhada: a do conformismo. Lembro-me que, nessas primeiras conversas em Londres, estavam às vezes o Rui Knopfli, o Eugénio Lisboa e, quase sempre, o Bartolomeu Cid dos Santos. Todos já se foram, como partiram o sorriso e a graça da Suzete. Mas nós vamos andando.

Há poucas semanas, no Britania, aqui em Lisboa, estivemos quatro horas sentados. Com chá, e creio que com scones, fizemos o nosso balanço irónico sobre o estado das coisas na pátria. Não saímos demasiado otimistas, e isto é um "understatement". O Hélder mantém uma lucidez única, um humor notável, uma curiosidade que não cede ao tempo. A memória dele é uma biblioteca onde nada foi arquivado por conveniência.

Hoje, no dia dos seus 90 anos, deixo-lhe um abraço muito forte. A nossa conversa não se esgota, caro Hélder.

sábado, novembro 29, 2025

A minha rotina


Nesta vida de reformado, gabo-me de não ter rotinas. Mas minto. Tenho uma: ir aos sábados almoçar um bacalhau à minhota à Imperial de Campo de Ourique. Quando repito a falta à mesa, o João telefona a saber de mim. 

A Imperial tem, invariavelmente, vinho da casa, em jarro. Tem havido de tudo. Por muito tempo, andou pela região de Alenquer. Há uns anos, anunciou-me: "Este é de uma prima da Ermelinda de Freitas!". Não me convenceu. Hoje, tinha um belo tinto de Santa Marta de Penaguião. Aproveitem.

sexta-feira, novembro 28, 2025

Ora bem!


Filipe II tinha tudo, tudo, mas o que ele não tinha era um fecho éclair, dizia-nos Gedeão. 

O paranóico da Casa Branca pode ter todo o poder do mundo, mas a nossa vingança é que ele não acorda com a luz de Lisboa, essa é que é essa!

À escolha do freguês


Estejam atentos. A demissão de Andrii Yermak, o braço direito de Zelensky, vai ser lida de duas maneiras: (1) a revelação de que a corrupção está entranhada no DNA do regime ou (2) a prova provada da determinação implacável de Zelensky na luta contra a corrupção. Os fãs escolham.

Ucrânia


Esta semana, no "A Arte da Guerra", o podcast que, desde 2021, António Freitas de Sousa e eu elaboramos para o "Jornal Económico" sobre questões internacionais, procuramos escalpelizar, num programa monotemático, o errático processo negocial conduzido pelos Estados Unidos para o conflito na Ucrânia.

Ver aqui.

Onde é que eu já ouvi isto?

 



quinta-feira, novembro 27, 2025

Pois é!



Até parece que os dias de sol com algum frio acabam por ter mais graça do que sob uma caloraça de Verão.

Porquê?

Valerá a pena perceber a razão pela qual a nossa comunicação social se "acanha" em perguntar aos líderes da empresas que necessitam de imigrantes se estão de acordo com o discurso de certos partidos que diabolizam a imigração, a começar pelos que estão no governo.

Será?

Dizem que o golpe de Estado na Guiné-Bissau pode não ter passado de um "faz-de-conta", talvez em conluio com o presidente. Com as eleições a apontarem para a vitória de um opositor, as forças armadas saíram a terreiro para evitar a mudança de orientação política. Será mesmo assim?

quarta-feira, novembro 26, 2025

"Países estrangeiros"


O país habituou-se, desde há muito, a admirar o excelente poeta que é Luís Filipe Castro Mendes. Prestigiado e premiado, o poeta assegurou um justo reconhecimento nacional. Contudo, a sua escrita em prosa, se bem que já antes publicada, era menos conhecida. Com o surgimento como colunista regular no "Diário de Notícias", muitos acordaram para o excelente prosador que ele também é. Dessas crónicas, saiu já há tempos uma recolha. Agora, pela mão da Guerra & Paz, foi lançado um conjunto de textos memorialísticos de extrema qualidade, creio que todos ou quase todos inéditos. São apontamentos, muitas vezes datados, de episódios ocorridos em tempos evocados pelo autor, bem como reflexões suscitadas por ocasiões que atravessou. Diplomata desde há meio século, hoje jubilado da carreira mas vivendo com júbilo o sereno conforto da família e das amizades, Luís Castro Mendes nunca deixou de ser um político "engajado" (detesto a palavra, mas dá-me jeito), menos no rotineiro alinhamento partidário, bastante mais nas ideias e valores que decantou de uma vida bem vivida, com forte pegada cívica. Isso ressalta deste "Países estrangeiros - memórias e viagens", que quiçá recuperará o clássico dito de L. P. Hartley (de quem nunca li mais do que a frase, confesso), segundo o qual “o passado é um país estrangeiro: lá faziam-se as coisas de forma diferente”. O livro do Luís - que ainda não são as memórias que estão em débito - foi uma prenda antecipada de Natal para os amigos. Faça como ele: ofereça este livro aos seus próximos, no tempo que aí vem. E compre outro para si, claro. Afinal, como o outro diz, a generosidade começa em casa...

segunda-feira, novembro 24, 2025

It was Ukraine

Two draft compromise proposals to end the war in Ukraine are on the negotiating table.

In both, there is something unsaid that no one dares to write: by giving up control of territories, whether “de facto” or “de jure”, Ukraine has already lost this war. Anyone who says the opposite, no matter what mental gymnastics they use, is only fooling themselves. And wishful thinking is not a sensible strategy.

What is left now is to negotiate the exact limits of Russia’s victory. Moscow would like to turn Ukraine into a new Belarus. It will not succeed: the core of Ukrainian sovereignty based in Kiev will remain independent. In a tactical retreat, Russia will try to impose neutrality. The Europeans, who still want to make the remaining Ukraine their first line of defence, will do everything they can to stop that neutrality.

They will do this in two main ways. The first is through law: they will try to avoid the Ukrainian Constitution being locked, like Austria’s in 1955, by permanently banning NATO membership. Trump is temporary. From a Western point of view, it is better not to close the door, in legal terms, to a possible future change of course by the United States. This will be one of the main points of friction with Moscow.

The second point of friction will be the presence of European troops on Ukrainian territory after the war. It is likely that this will be a Russian red line. And it is also likely that Trump will be quite sensitive to that objection. Russia has already accepted that it will not absorb the whole of Ukraine, but it will not give up trying to ensure that the part it does not control cannot later become militarily stronger against it.

Trump’s 28‑point proposal is, basically, a list of concessions to Russian interests. The reason is simple: Washington believes that Russia is winning the war and has decided it will not invest enough to help Kiev regain the 1991 borders. The American calculation is that arming Ukraine to the point where it could pose an existential threat to Russia would, sooner or later, force the United States to intervene directly, with the risk of an unpredictable escalation. Arguing about whether this fear is exaggerated or not does not matter. This seems to be what is guiding the White House.

On top of that, Trump’s America wants to get significant economic benefits from this outcome. The 28‑point document clearly shows an American deal‑making ambition, which may include advantages in Donbass, in the Arctic, or in other areas. Putin, for his part, desperately needs a political victory that justifies the economic and human cost since 2022. Trump can offer him a return to the G8, the closing of the ICC case, the easing or lifting of sanctions, maybe even a return to SWIFT. Trump is Putin’s lifeline. Without him, Russia may be winning the war, but it will not be in a position to secure peace.

In the past, at the Portuguese Ministry of Foreign Affairs, some internal notes were sent “for higher consideration” with this line: “Your Excellency, however, in your superior judgment, will decide better.” Trump hopes that European and Ukrainian submission will lead them to accept, resignedly, that he, in his “superior judgment”, will better decide the fate of a country that, in his view, has already lost the war. This is Ukraine’s tragedy, and Zelensky has already understood it.

Era a Ucrânia

Estão em cima da mesa negocial dois esboços de compomisso para o fim da guerra na Ucrânia.

Em ambos há um não dito que ninguém ousa escrever: a Ucrânia, ao ceder ("de facto" ou "de jure") o controlo de territórios, já perdeu esta guerra. Quem sustente o contrário, por mais acrobacias conceptuais que mobilize, apenas se ilude. E o "wishful thinking" não é uma estratégia sensata.

Resta assim negociar o perímetro concreto da vitória russa. Moscovo sonharia com uma Ucrânia transformada numa nova Bielorrússia. Não o conseguirá: o núcleo de soberania assente em Kiev manter-se-á independente. Em recuo tático, a Rússia procurará impor uma neutralidade. Os europeus, que persistem em querer fazer da Ucrânia remanescente a sua primeira linha de contenção, farão tudo para que tal neutralidade não se concretize.

Por duas vias principais. A primeira passa pelo papel: evitar que a Constituição ucraniana fique blindada como a austríaca de 1955, interditando para sempre a adesão à NATO. Trump é transitório. Na ótica ocidental, convém não fechar institucionalmente a porta a um eventual regresso futuro a uma política diferente por parte dos EUA. Um dos principais pontos de fricção com Moscovo será este.

O segundo ponto de fricção será a presença de tropas europeias em solo ucraniano no pós-guerra. É previsível que isso constitua uma linha vermelha russa. E é igualmente previsível que Trump seja bastante sensível a essa objeção. A Rússia já interiorizou que não engolirá a Ucrânia inteira, mas não abdicará de tentar garantir que o que lhe escapar não possa vir a reforçar-se militarmente contra ela.

A proposta de 28 pontos que Trump fez circular é, no essencial, um lista de concessões aos interesses russos. A razão é simples: Washington considera que a Rússia está a ganhar a guerra e decidiu que não investirá de forma a ajudar Kiev a recuperar as fronteiras de 1991. O cálculo americano é que armar a Ucrânia até ao ponto de poder ameaçar existencialmente a Rússia obrigaria, mais cedo ou mais tarde, os EUA a intervir diretamente, com o risco de uma escalada imprevisível. Discutir se esse receio é ou não exagerado é irrelevante. É o que parece orientar a Casa Branca.

Para além disso, a América de Trump quer extrair um proveito económico substancial deste desfecho. Do documento dos 28 pontos transparece, explícita ou veladamente, uma ambição negocial americana, que pode incluir vantagens no Donbass, no Ártico ou em outros tabuleiros. Putin, por seu lado, necessita desesperadamente de uma vitória política que justifique o custo económico e humano que investiu desde 2022. Trump pode oferecer-lhe o regresso ao G8, o arquivamento do mandato do TPI, o alívio ou levantamento de sanções, talvez até a reintegração no SWIFT. Trump é a boia de salvação de Putin. Sem ele, pode estar a ganhar a guerra, mas não terá condições de conquistar a paz.

Em tempos idos, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, algumas informações de serviço "subiam à consideração superior" com a seguinte nota: "V. Exa., porém, no seu alto critério, melhor decidirá". Trump espera que a vassalagem europeia e ucraniana faça com que aceitem, resignados, que ele, no seu alto critério, melhor decidirá o destino de um país que, para ele, já perdeu a guerra. Esta é a tragédia da Ucrânia e Zelensky já percebeu isso.

domingo, novembro 23, 2025

Arábia Saudita - a chave do puzzle americano


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Ucrânia - o estado da arte


Programa gravado antes do surgimento do programa do 28 pontos.

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Reino Unido . Uma liderança em crise?


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Kerry


Na passada sexta-feira, no "Summit" da CNN Portugal, em Alcobaça, o jantar foi antecedido por uma entrevista a John Kerry, conduzida por Isa Soares, da CNN Internacional. 

O antigo candidato presidencial derrotado por Bush filho, e que mais tarde chefiou a diplomacia americana sob Obama, quando substituiu Hillary Clinton, deu um show de competência, sensatez e conhecimento dos grandes dossiês. 

Ao ouvi-lo, dei razão a Mónica Sintra: afinal havia outra ... América!

Eu já nem me zango ...


... pelo facto de algum ignorante poder achar que eu disse isto sem estar a ser profundamente irónico. Mas sei lá!  

Ucrânia


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sábado, novembro 22, 2025

Tresler

Um tweet tem um máximo de 280 carateres. Às vezes, é dificil, nesse espaço limitado, colocar as coisas de uma forma clara, sem ambiguidade. Escrevi um texto sobre as condições colocadas à Ucrânia no documento americano. A forma como o disse suscitou, no campo dos defensores da causa ucraniana, reações fortíssimas. Confesso que esse é para o lado para o qual durmo melhor. Mas decidi perguntar à Inteligência Artificial o que pensava. E, sem surpresas, ela foi inteligente...

Ukraine: notes as brief as possible

Essentially, the plan now reportedly presented by the United States for Ukraine does not stray from what was suspected from the outset to be the philosophy of the new American administration for the region: forcing the Ukrainians to cede part of their territory, which would fall under Russian administration, whether through a model of effective sovereignty recognition or a "lease" formula. Both possibilities had already been discussed.

It is now the latter formula that is being talked about. Under it, Russia would obtain a "de facto" occupation, internally able to claim the new republics as its own under its Constitution. Kiev’s Ukraine (let us call it that) would remain the holder of "de jure" sovereignty, which gives no indication it would ever recover in the future. The world, beginning with the U.S., would continue to recognize Ukraine’s 1991 borders under international law but would accept Russian occupation of that part of the territory. It would be a "make-believe" scenario intended to suspend the conflict.

From the perspective of Ukraine’s future limited sovereignty, amputated of a significant part of its territory, the plan envisions non-entry into NATO (something Washington never wanted), an inscription of this in the Ukrainian constitution (perhaps in the Austrian model, recalling 1945), and quantitative and qualitative limitations on Kiev’s future armed forces, including a ban on long-range missiles.

These neutralizing restrictions would mark the end of Kiev Ukraine’s dream of becoming a powerful military country. This dream, in fact, was not only Ukrainian: Europe to its West hoped Ukraine would function as a frontline of its own defense.

The truth is that both Europe and Ukraine were, in the past, led to nurture this illusion by the U.S. itself, which suggested Ukraine’s (and Georgia’s) vocation as future NATO members. The fact that the agreement could include a provision that NATO would not expand further east would be a huge Russian victory. Georgia would be left out of NATO. And what about Moldova? Moscow would not get the desired "reset" in the plan but would secure a freeze on future expansions. It would also see a resumption of arms control treaties (though much important detail is still missing).

One unclear aspect of this plan is the question of security guarantees for Ukraine. There will be no Western troops on its territory and apparently no "no-fly zone." How troop placements will be monitored on both sides of the future "buffer zone" remains uncertain. Will there be a kind of Article 5 offered by the U.S., with operational responsibility resting with Europeans?

Measures such as Russia’s return to the G8 or the lifting of sanctions that do not depend on Washington can only be implemented after a change in the attitude of U.S. allies, which remains far from secured. Similarly, it is at least strange that the agreement interferes with Ukraine’s relationship with the European Union. And what about ICC measures against Putin? Do they fall with a kind of "amnesty"?

The plan contains a business dimension, very interesting to the U.S., as part of the complex package Washington wants to put an end to the conflict. Whether in Arctic exploration or how Russia can mobilize significant frozen foreign funds, the advantages for the U.S. are well present.

It remains to be seen what Russia will "give" the U.S. economically in Donbass, adding to concessions Ukraine agreed to months ago. Ukraine would thus be, in a way, under American tutelage. The fact that elections are foreseen there within 100 days, with the return of the Russian language and prohibition of "Nazi ideology," could signify the political end of Zelensky is near. Recent corruption scandals surely did not help him.

The most revealing point in the plan, echoing the Gaza case, is: "This agreement will be legally binding. Its implementation will be monitored and guaranteed by the Peace Council, headed by President Donald J. Trump." One might say: "The Empire strikes back."

A aventura CNN Portugal


Ontem, em Alcobaça, estive na grande festa que foi o 4° aniversário da CNN Portugal. Desta vez, fui em representação de uma das empresas que "sponsorizavam" o evento, mas devo confessar que tive um imenso gosto em reencontrar por ali muita gente com quem partilhei, em novembro de 2021, o privilégio de integrar, como comentador internacional, o grupo inicial de colaboradores do novo canal.

Entre 2020 e 2021, por sugestão de Luís Tomé, tinha mantido com ele e com Carlos Gaspar, na TVI 24, um programa de debate semanal sobre temas internacionais chamado "Observare" - nome do centro de investigação sobre relações internacionais a que pertencíamos, existente na Universidade Autónoma de Lisboa, que os três continuamos a integrar. Por parte da TVI 24, os nossos interlocutores foram sucessivamente Pedro Pinto, Filipe Caetano e Pedro Bello Moraes. Deu-me muito prazer fazer esse programa. 

A certa altura de 2021, foi anunciado que a TVI 24 ia ser substituída pela CNN Portugal. Interrogámo-nos sobre se o nosso programa ia continuar no novo canal. Isso, contudo, não iria acontecer. Essa nossa aventura de um ano acabou, como não podia deixar de ser, com uma almoçarada conjunta em minha casa. O Pedro, o Filipe e o Pedro tiveram, depois, seu percurso profissional próprio, mas ficaram nossos amigos para sempre.

Um dia, o diretor da CNN Portugal, Nuno Santos, convidou-me para comentador internacional do novo canal. Seria uma tarefa bastante mais exigente, em termos de ocupação de tempo. Por essa época, o mundo já não estava muito "quieto", mas a Rússia ainda não tinha invadido a Ucrânia, o Médio Oriente estava a viver um dos seus ciclos de "paz podre". Comparados com os dias de hoje, eram tempos de "business as usual".

Fiz então as contas às minhas horas disponíveis e decidi aceitar. E por ali estive 33 meses consecutivos. Foi um período empolgante em que as guerras revelaram imensos novos comentadores, desde militares a especialistas de ciência política, alguns com uma excelente qualidade. 

Pude então constatar, por parte da CNN Portugal, duas coisas notórias: um imenso e rigoroso profissionalismo e uma atenção e delicadeza para quem, como eu, tinha de adaptar as aparições em antena às exigências de uma vida profissional complicada, que frequentemente me levavam fora de Lisboa. 

Um dia, até porque já "não vou para novo", cansei-me. Cansei- me das deslocações regulares a Queluz de Baixo, dos diretos dos estúdios do Porto, da intervenções à distância do Rio de Janeiro, do Algarve, de Varsóvia, do Gerês, de Bogotá, de Vila Real, de Luanda, de Viana do Castelo e sei lá bem de quantos quartos de hotel por aí fora. Apeteceu-me então, de forma irresistível, não ter de abandonar a meio jantares e concertos na Gulbenkian, poder passar fins de semana sem ter de ler sites e jornais, sem a obrigatoriedade de me atualizar a todo o instante. E saí.

Saí da CNN Portugal "a bem", deixei lá muitos amigos, excelentes profissionais, alguns que ontem voltei a encontrar em Alcobaça, na festa onde se comemoraram os quatro anos de uma casa que continuo a olhar como sendo ainda um pouco minha. E onde às vezes regresso, com grande gosto, como hoje à noite irá acontecer.

Debate entre quatro candidatos presidenciais em Alcobaça


 Nada de novo.

sexta-feira, novembro 21, 2025

A tragédia da História

A Ucrânia vai provavelmente ter de aceitar um acordo altamente desfavorável, pelo facto de, em 2022, não ter querido aceitar um compromisso menos gravoso, que lhe teria evitado a perda de centenas de milhares de pessoas e a destruição de parte do país. A História não se adivinha.

Ucrânia. Notas tão breves quanto possível

No essencial, o plano que agora terá sido apresentado pelos Estados Unidos para a Ucrânia não se afasta daquela que, desde o início, se suspeitava que era a filosofia da nova administração americana para a região: forçar os ucranianos a cederem parte do seu território, que ficaria sob administração russa, fosse isso num modelo de reconhecimento efetivo de soberania, fosse numa fórmula de "lease". De ambas as hipóteses já se tinha falado. 

É agora a última fórmula aquela de que se fala. Nela, a Rússia obteria uma ocupação "de facto", podendo internamente dizer que as novas repúblicas eram suas, à luz da sua própria Constituição. A Ucrânia de Kiev (chamemos-lhe assim) manter-se-ia como titular de uma soberania "de jure", que nada indica que alguma vez pudesse vir a recuperar no futuro. O mundo, a começar pelos EUA, continuariam a reconhecer as fronteiras ucranianas de 1991, nos termos do direito internacional, mas aceitariam a ocupação russa nessa parte do território. Seria um "faz-de-conta" destinado a suspender o conflito.

Sob o ponto de vista da futura soberania limitada da Ucrânia, amputada de uma parte significativa de território, o plano prevê a não entrada para a NATO (que sempre se soube ser algo que Washington não queria), a ficar inscrita na Constituição ucraniana (talvez no modelo austríaco, a relembrar 1945) e a limitação quantitativa e qualitativa das futuras forças armadas de Kiev, nomeadamente a proibição de posse de mísseis de longo alcance.

Essas restrições neutralizantes configurariam o fim do sonho da Ucrânia de Kiev de se constituir como um país poderoso, em termos militares. Esse sonho, aliás, não era apenas ucraniano: a Europa que está a seu ocidente contava poder ter a Ucrânia a funcionar como uma frente da sua própria defesa. 

Verdade seja que quer a Europa quer a Ucrânia foram, no passado, levadas a alimentar esta ilusão pelos próprios EUA, que foram quem sugeriu a vocação da Ucrânia (e da Geórgia) para ser futuro membro da NATO. O facto de poder ficar no acordo uma previsão de que a NATO não se alargará mais a Leste representaria uma imensa vitória russa. A Geórgia ficaria fora da NATO. E a Moldova? Moscovo não obteria no plano o desejado "reset", mas conseguiria o congelamento de futuros alargamentos. Obteria também um retomar dos tratados de controlo de armamento (embora falte ali muita coisa importante).

Um dos aspetos pouco claros deste plano é a questão das garantias de segurança para a Ucrânia. Não haverá tropas ocidentais no seu território e, aparentemente, não haverá "no fly zone". Como se processará a monitorização da colocação das tropas, para ambos os lados da futura "buffer zone", é ainda uma dúvida. Haverá uma espécie de Artigo 5° oferecido pelos EUA, com a responsabilidade operacional a cargo dos europeus? 

Medidas como o regresso da Rússia ao G8 ou o levantamento de sanções que não dependem de Washington só podem ser implementadas depois de uma mudança da atitude dos aliados dos EUA. Esta está longe de adquirida. Do mesmo modo, é no mínimo estranho que o acordo se imiscua na questão da relação da Ucrânia com a União Europeia. E as medidas do TPI face a Putin? Caem com uma espécie de "amnistia"?

Há no plano uma dimensão de negócios, muito interessante para os EUA, que faz parte do complexo pacote com que Washington quer pôr termo ao conflito. Quer na exploração do Ártico quer nas modalidades em que a Rússia pode mobilizar parte significativa dos fundos que estavam arrestados no estrangeiro, as vantagens para os EUA estão bem presentes. 

Resta saber ainda o que a Rússia "dará" aos EUA em termos de oportunidades económicas no Donbass, que se somarão às concessões ucranianas já há meses acordadas. A Ucrânia ficaria, assim, de certo modo, sob uma tutela americana. O facto de para ali se preverem eleições no prazo de 100 dias, com o regresso da língua russa e a proibição de "ideologia nazi", poderia significar que estaria próximo o fim político de Zelensky. Os fumos recentes de corrupção não devem tê-lo ajudado.

O mais revelador no plano é este ponto, que ecoa muito o caso de Gaza: "This agreement will be legally binding. Its implementation will be monitored and guaranteed by the Peace Council, headed by President Donald J. Trump". Apetece dizer: "The Empire strikes back". 

quinta-feira, novembro 20, 2025

O estado da arte

 


Que bela festa, Manel!


(roubei a fotografia da página do Facebook da Aldina Duarte)

Manuel Alberto Valente fez 80 anos. Uma vida cheia de imensas coisas. Desde logo, de êxitos profissionais daquele que é uma das grandes figuras do mundo editorial português. Ontem, teve uma sala também ela cheia de amigos, a comemorar essas suas oito décadas, com bom fado e muito boa disposição à mistura. Foi uma bela noite de festa para um excelente amigo, com a Rosário sempre ao seu lado, tanto nos bons como nos menos bons momentos que a todos nos calham em rifa. 

Que a vida tê dê muitas noites como esta, caro Manel! E connosco a partilhá-las, claro.

Ainda me pergunto ...


... como é que, no passado, conseguíamos viver sem o usufruto informativo de coisas tão essenciais como esta!

"By Jove!"


A Amazon acaba de me avisar que já expediu o novo "Blake et Mortimer", o nº 31 da série, agora feita "d'après Edgar P. Jacobs". E constato, com gosto, que nele aparece o magnífico Herr Doktor Grossgrabenstein.

O CDS

O CDS apoia Marques Mendes para as presidenciais. O CDS, nos dias de hoje, é um partido virtual, que faz uns "números" à volta do Ministério da Defesa, como no 25 de novembro, para fingir que ainda existe. E que, claro, resiste à clássica frase: "Stand up to be counted". 

Ainda o Ronaldo

Gosto (já gostei mais, claro) de ver jogar Ronaldo, um sobredotado profissional do desporto. Ao contrário de muitos, congratulo-me com os seus êxitos e fico triste com os seus insucessos. Mas era só o que faltava eu estar a preocupar-me sobre o que ele pensa ou não de Trump.

quarta-feira, novembro 19, 2025

"A Brasileira"


Lá estava ele, no S. Luiz, na bela festa dos 120 anos de " A Brasileira", organizada por "A Mensagem de Lisboa". Está-me a escapar o nome da personagem, mas ela tem tantos...

"Ronaldo à l'Amérique"

Cristiano Ronaldo marcou presença na receção oferecida por Trump na Casa Branca ao príncipe herdeiro da Arábia Saudita. Não é segredo para ninguém que Ronaldo é hoje um privilegiado funcionário do futebol saudita, detentor do estatuto de um dos mais conhecidos jogadores do planeta. Alguns já não se recordarão de que, há uns anos, quando Marcelo Rebelo de Sousa visitou a Sala Oval, Trump fez questão de mencionar Ronaldo — provavelmente das escassíssimas personalidades portuguesas de que o presidente americano alguma vez ouviu falar.

Convém também lembrar que os EUA vão sediar o próximo Mundial de futebol e, não por acaso, o presidente da FIFA também se juntou ao repasto. Naturalmente, o autocrata saudita tratou de levar consigo a Washington um dos seus mais preciosos ativos mediáticos — pago a peso de ouro negro — acompanhado por uma esposa "influencer" que fascina multidões online, especialmente quando o objetivo é impulsionar o consumo de artigos de luxo.

Confesso que não vejo nada de extraordinário em Ronaldo ter aceitado ilustrar este momento de proeminência política para o país que lhe garante salário e reconhecimento. E imagino que, como estrela global que é, tenha ficado especialmente satisfeito por, deste modo, reforçar ainda mais a sua aura internacional. Ronaldo não foi passear com um notório facínora à mansão de um personagem de extrema-direita que os azares da História catapultaram à dianteira do poder mundial. Não lhe exijamos mais do que se deve exigir a quem apenas cumpre o papel que lhe destina o palco onde atua. Como principal rosto do futebol mundial, Ronaldo limitou-se a acompanhar o líder do Estado que o acolhe ao coração do inigualável poder americano. Quem, no seu lugar, recusaria?

Por isso, parece-me no mínimo disparatado o frenesim de opiniões que, entre a fascinação e a condenação, sobre o assunto ocuparam horas de antena neste país. Decididamente, deve haver muito pouco que fazer em Portugal.

"Fritz"

Que Merz não goste de "países com moscas" é natural, atento o sucesso imperial da Alemanha nas Áfricas, para não falar em outras geografias que a piedade me impede de lembrar. 

Que o primeiro-ministro democrata-cristão tenha dito o que disse sobre o Brasil é apenas uma cretinice, indigna do representante um país.

Também


 

terça-feira, novembro 18, 2025

Este país



Há uns anos, chegado a Trás-os-Montes, um embaixador espanhol em Portugal saiu-se com esta frase: “Vocês são um país falsamente pequeno”. Já havia as autoestradas, mas, mesmo assim, o homem, que não ia para novo, chegou cansado.

Com o decorrer do tempo – e o tempo tem aqui um papel importante – fui-lhe dando cada vez mais razão. Mas não pelos motivos que ele imaginava.

Há pouco mais de uma semana, fui a conduzir de Lisboa a Vila Real e, no regresso, dias depois, senti o corpo a pedir descanso. No sábado, numa ida e volta a Aveiro, fiz mais de 500 quilómetros, quase sempre sob chuva; cheguei a casa stressado e com dificuldade de dormir. Ontem, fui de comboio ao Porto, estando agora a voltar no Alfa. Na sexta, tenho de ir e vir a Alcobaça. E, depois, talvez ao Algarve.

Portugal não ficou maior. As estradas até melhoraram. Nós é que encolhemos.

Mas continuamos a fingir que não. Continuamos a dizer “sim” a compromissos como se ainda tivéssemos trinta anos e um Fiat 128 que nos levava a qualquer lado sem queixa. Continuamos a achar que “ir e vir no mesmo dia” é razoável, que “são só duas horas” não conta, que o cansaço é fraqueza e não mensagem.

Quando o diplomata espanhol se queixou da distância, estava a dizer uma verdade sobre o país. Quando eu me queixo hoje, estou a mentir sobre mim próprio. Porque não é Portugal que ficou grande demais – sou eu que já não caibo na vida que continuo a viver como se coubesse.

Se ele me lesse agora, a relatar estes cansaços, perguntaria: “¿Por qué no te quedas en casa, hombre?!” E eu já sei a resposta, embora custe dizê-la: porque parar seria admitir que o tempo passou. E enquanto ainda conseguir chegar, finjo que não passou.

Ouvido

Ventura acusa Seguro de alimentar uma conversa de chacha. Seguro teve a elegância de não lhe responder que, com aquele seu estilo, Ventura se revela um exímio cultor da conversa de tasca.

segunda-feira, novembro 17, 2025

Diplomacia e segurança


Uma conversa com o coronel Mendes Dias, da empresa Protilis, sobre diplomacia, segurança e cultura de cidadania em questões de defesa.

Ver aqui.

O voto é mesmo secreto ?


Há dias, entre amigos, comentávamos que não há nada de mais secreto do que o nosso voto. No recato da cabine onde pomos a cruzinha tudo pode acontecer. Até podemos mudar de opinião no último segundo, fazer o contrário daquilo que dissémos, em família ou em grupo, que íríamos fazer. Ou não.

Nas organizações internacionais onde trabalhei, tive algumas vezes de votar em nome de Portugal. O voto que eu expressava era secreto: ninguém saberia se acaso o embaixador de Portugal decidisse não seguir a indicação de voto que tinha recebido de Lisboa. Mas posso confessar um segredo? Sem uma única exceção, e algumas vezes estando em íntimo desacordo, votei sempre da forma como tinha sido instruído para votar. Porquê? Porque estava em causa a minha seriedade profissional, aferida perante mim mesmo - pessoa cujo juízo prezo acima de tudo e perante a qual não gosto de ficar envergonhado. Como no poema de O'Neill, esta é uma "questão que eu tenho comigo mesmo". Já ouvi colegas diplomatas, e não apenas portugueses, gabarem-se: "Votei como achei melhor votar, contra as instruções". Nesse instante, senti pena dessa pessoa, da mediocridade de uma atitude que, na cobardia do segredo do voto, a levava desonestamente a pôr em causa a sua honorabilidade profissional, a ser desleal com o país que nele tinha confiado. Mas cada um é como é e, como se costuma dizer, as ações ficam com quem as pratica, mesmo que não sejam públicas!

Um dia, em Nova Iorque, nas Nações Unidas, como acontecia com uma imensa frequência, fui procurado pelo meu colega da Bósnia-Herzegovina. Pretendia que Portugal apoiasse uma determinada candidatura do seu país. Muitas vezes, mas nem sempre, era-nos oferecido em troca o apoio para uma candidatura nossa num outro contexto. Não sei se era esse o caso. Lembro-me que, nessa ocasião, tínhamos a possibilidade de votar em três países. Disse-lhe que, infelizmente, já tínhamos os nossos três votos comprometidos, pelo que ele não iria poder contar com o nosso apoio. Recordo muito bem a sua reação: "Muito obrigado pela frontalidade da tua atitude. Sabes que há muitos colegas que prometem o seu voto, embora sabendo, à partida, que vão decidir de outra maneira?" Eu sabia. E até conhecia a história célebre de um colega, de um país que não conta para o caso, que, numa determinada eleição, também em Nova Iorque, embora tendo um único voto, "ofereceu-o" a 13 colegas que o procuraram. Acontece que eles trocaram informações entre si e esse colega passou a ser conhecido como o autor do "milagre da multiplicação dos votos". E passou a merecer a consideração que merecia.

Mas o voto é mesmo secreto? Um vez, dessa feita em Paris, assisti a uma cena curiosa. Eu era, por inerência de funções, representante de Portugal junto do Bureau International des Expositions (BIE). Nessa altura, havia que escolher entre duas candidaturas à organização de uma Expo, já não recordo onde. A questão era muito importante: uma exposição universal é uma realização com uma dimensão económica que pode representar muito para os interesses de um país. Basta lembrar o que, para nós, acabou por ser o efeito da Expo 98. 

Lisboa tinha-me instruído para votar de uma certa maneira, e foi isso que fiz. A certo passo dessa Assembleia Geral, em que os países eram nominalmente chamados a votar, ouviu-se o nome da Bielorrússia. Do lugar desse país na mesa da Assembleia Geral saíram não um mas dois diplomatas, que se aproximaram da cabine de votação, onde só cabia uma pessoa. A cena caricata ficou-me na memória: enquanto um preenchia o boletim de voto, o outro olhava por cima do seu ombro, conferindo com cuidado a expressão do sentido de voto do colega. No final, se na Bielorrússia tivessem tido o privilégio de conhecer Toni de Matos, ambos poderiam cantar: "Só nós dois é que sabemos" ... em quem votámos.

No Alfa Pendular, a caminho do Porto, estou neste momento a passar por Aveiro. No sábado, vim cá falar, sobre política externa, no âmbito de uma Convenção organizada em torno da candidatura presidencial de António José Seguro. O voto é secreto, mas nada impede que possamos anunciar em quem tencionamos ir votar.

sábado, novembro 15, 2025

A idade nota-se


Ainda sou do tempo em que os TVDE não andavam na faixa BUS e as bicicletas tinham luz à noite.

sexta-feira, novembro 14, 2025

Talhinhas


Ontem, ao rever a lista dos "habitués" para a reunião do meu grupo da "tropa", com o qual aos vinte cinco dias do penúltimo mês de cada ano organizo um almoço exclusivamente dedicado a comemorar o dia 25 de Abril, reparei que ainda faltava a resposta do Talhinhas. No último almoço regular do nosso grupo, no mês passado, ele já tinha falhado. Soube agora, por uma mensagem, que também vai faltar a este. E aos próximos.

Terá sido nas primeiras semanas de outubro de 1974 que conheci o Casimiro Pacheco Talhinhas. Eu tinha sido transferido da assessoria da Junta de Salvação Nacional, na Cova da Moura, para a 2ª Divisão do Estado-Maior das Forças Armadas, no Palácio da Ajuda. Fui ocupar o mesmo gabinete e sob a autoridade do então capitão (hoje general) da Força Aérea Casimiro Pacheco Talhinhas. Creio que terá sido o coronel paraquedista Jorge Calheiros quem me recomendou junto do Talhinhas. 

Naquele que era então o único serviço de informações do novo regime, ao Talhinhas e a mim competia acompanhar a atividade dos então imensos partidos e forças políticas, alguns dos quais apareciam e desapareciam no prazo de semanas. Explicar, todos os dias, ao poder militar a evolução e orientação daquela proliferação de siglas constituia a nossa tarefa. Bem interessante, por sinal. Ambos estivemos na primeira Assembleia do MFA na apresentação da nossa leitura do espetro político pós-Abril.

O "28 de Setembro", a primeira tentativa sediciosa contra a Revolução (descontado o frustrado golpe palaciano de Palma Carlos), tinha tido lugar meses antes. Estava a ser criada uma comissão de inquérito "ad hoc" sobre o 28 de Setembro (as comissões "ad hoc" estavam na moda) e o então brigadeiro Pedro Cardoso, que chefiava a nossa Divisão, pediu ao também então major Gabriel Espírito Santo, diretor da Repartição de Informação Interna, para destacar dois oficiais para integrar a comissão. O Casimiro Talhinhas e eu, que ainda mal nos conhecíamos, fomos os escolhidos.

No dia seguinte, apresentámo-nos no Forte de Caxias. O ambiente era um tanto anárquico. A comissão não reunia e, desde logo, ficámos com a impressão de que a presença ali da 2ª Divisão, entidade sobre a qual pairava algum ambiente de suspeição, que nos meses seguintes só se iria adensar, não parecia ser muito bem aceite. Foi então ali, em Caxias, que o Talhinhas e eu nos confrontámos com os "powers that be" daquele estado de coisas. Numa certa altura, vi impedido o meu acesso a uma sala onde ia consultar uma derminada documentação. A pessoa que me barrou a entrada não era um militar, era quadro de um partido político que para ali fora destacado (não, não era o PCP, sabendo que ao escrever isto vou desiludir as pessoas a quem tal daria jeito para as teorias do costume). 

O Talhinhas e eu queixámo-nos do incidente a um responsável da Marinha, tendo-nos sido dito que as coisas ali eram mesmo assim. E, sendo assim as coisas e não nos agradando o modo como elas eram, decidimos suspender a nossa participação na comissão "ad hoc" e regressar a penates, isto é, à 2ª Divisão. Ficámos com a sensação de que ninguém ficou surpreendido com o desfecho. Esse incidente criou uma cumplicidade pessoal entre mim e o Talhinhas que durou até hoje.

De outubro de 1974 a agosto de 1975, trabalhei de muito perto com ele, primeiro na 2ª Divisão, depois, por alguns meses, no SDCI, para onde ambos fomos transferidos após o 11 de Março e a dissolução da 2ª Divisão. 

Entretanto, as nossas vidas mudaram: eu saí da tropa e entrei para o MNE; o Talhinhas fez o que militar e politicamente entendeu dever fazer. A nossa amizade só se reforçou desde então. Nunca mais perdemos contacto - e já lá vai mais de meio século. De grupo em grupo, comigo mais faltoso por via da minha vida itinerante, fomo-nos vendo em muitas jantaradas, cheias de fortes abraços, com a memória de Abril a ligar-nos para sempre.

Desde o meu regresso definitivo a Lisboa, há quase 13 anos, passei a integrar com regularidade uma tertúlia onde o Talhinhas era um impecável gestor logístico, muitas vezes na messe da Força Aérea em Monsanto, outras no Clube Militar Naval, umas muito poucas nuns sítios que eu me encarrego de inventar. Nesse nosso grupo, diga-se, predomina pessoal da Marinha. Ele pela Força Aérea e eu pelo Exército ajudávamos a criar uma, ainda assim escassa, diversidade entre os ramos militares representados nos ágapes. Agora, a Força Aérea deixou de "voar" por ali.

O Casimiro Talhinhas era um homem bom, um amigo certo, com o seu eterno sorriso e um look "boyish" que disfarçava bem a idade que afinal ia tendo. Aliás, que vamos tendo, até que o tempo se canse de nós. Como hoje aconteceu com ele.

quinta-feira, novembro 13, 2025

Dez anos


Faz esta noite dez anos. A sala estava bem cheia na Casa do Brasil, em Santarém, naquela noite de 13 de novembro de 2015, onde tinha sido convidado para falar sobre a conjuntura política internacional, por uma simpática associação local. 

A certo passo da minha intervenção, comecei a dizer algo sobre o terrorismo internacional, dando algumas notas genéricas sobre os riscos que a Europa corria nesse domínio, pelas metástases do Estado Islâmico. Nesse instante, sentado ao meu lado, o presidente da Câmara da cidade, em silêncio, colocou à minha frente, na mesa, o seu telemóvel. Li: "Ataque terrorista em Paris". 

Travei o que estava a dizer e, obviamente sem saber pormenores, anunciei que o tema da conversa tinha tido uma expressão prática na cidade onde eu vivera até dois anos antes. Toda a gente agarrou os seus telemóveis, apressei o fim da palestra e passou-se à discussão com a assistência, onde o tema terrorismo se tornou central. 

Paris é uma cidade que tem um considerável e triste histórico de atentados terroristas. Meses antes, tinha sido o Charlie Hebdo. Imagino que, nessa noite de Santarém, terei lembrado também as bombas no armazém Tati e na rue des Rosiers, para além da estação de metro de St. Michel, dos explosivos na rue Marbeuf e no drugstore Publicis - que são os que agora me vêm à memória, sem ir ao Google e sem conseguir pôr datas na maioria.

Nessa noite, foi o horror no Bataclan. Esse terrível atentado teve um impacto muito forte em França, onde viria a ter ainda outros ecos. Muito do que se tem passado na vida política francesa, na última década, em termos da subida da extrema-direita e da radicalização securitária da direita republicana tem o impacto público desse atentado como claro pano de fundo.

Bazar Diplomático


Já pensou nas ofertas para o Natal? Passe pela Junqueira e vá às compras pelo mundo, a bons preços e por boas causas.

quarta-feira, novembro 12, 2025

Mas não servia ...


... para governador do Banco de Portugal. 

Catarina de Albuquerque


Com outros colegas que chefiaram as missões portuguesas junto da ONU, tive o gosto - e a tristeza - de subscrever um justo tributo a Catarina de Albuquerque, uma qualificada especialista portuguesa, com grande relevo internacional, recentemente desaparecida.

Pode ler aqui.

terça-feira, novembro 11, 2025

Abaças


Há dias, na gestão temporal de uma conversa pública a muitas vozes, aqui por Vila Real, alertei quantos tinham a intenção de intervir de que dispunham de apenas cinco minutos cada. Avisei que, passado esse tempo, tinha na assistência "um amigo de Abaças", que se encarregaria de arrancar, "manu militari", o orador que se excedesse. Toda a gente riu e entendeu o meu recado. E foi remédio santo! Ninguém passou os cinco minutos e pude segurar a sessão dentro do tempo que tinha previsto para ela. A história do "amigo de Abaças" era falsa, claro.

Por esta altura, muitos estarão a perguntar-se: mas afinal o que é isso de Abaças?

Abaças é uma aldeia perto de Vila Real que é famosa, na voz do povo, por ser origem de gente com "pêlo na venta". Por aqui se diz: "Matar, só Deus e os de Abaças". Outras versões acrescentam "mas com licença dos de Guiães" ou "dos de Provezende". Arrisquei chamar a terreiro o dito popular clássico, na secreta esperança que não estivesse ninguém de Abaças, no seio das cento e tal pessoas que me ouviam. Enganei-me. 

Ia a sessão de intervenções a meio quando, de uma cadeira, se destacou uma pessoa que imediatamente reconheci como sendo uma respeitada figura que sabia oriunda de Abaças. Não vinha protestar pelo meu comentário. A sua intenção era mesmo intervir sobre o tema que ali nos reunia. Mas, antes, não deixou de fazer notar que a sua terra, Abaças, vive muito bem com o dito que há séculos marca a imagem da localidade. E contou que uma das explicações para aquela ideia que se formou sobre a sua aldeia pode ser o facto de um dos assassinos de Inês de Castro, Pêro Coelho, ser tido como originário de Abaças. 

Tenho um "trauma" antigo com Abaças, vou agora revelar. Em 1969, durante a campanha eleitoral para aproveitar a "primavera marcelista", andei, com um grupo de ativistas da Comissão Democrática Eleitoral de Vila Real, a percorrer aldeias da região, distribuindo panfletos e procurando entregar os boletins de voto (para quem não souber, esclareço que, nesse tempo, os boletins não tinham cruzinhas nem eram entregues ao eleitor na sala de voto: cada lista tinha os seus próprios boletins, que, nos dias anteriores ao voto, fazia chegar pessoalmente à casa de cada eleitor, que depois, no dia, os ia colocar na urna: o do regime ou o da oposição. Em 48 anos de ditadura, a oposição nunca elegeu ninguém, claro!) Chegados a Abaças, fomos cercados por um grupo de apoiantes da lista da União Nacional, que tinha como principal "argumento" uns cajados que ameaçavam a nossa segurança física, um dos quais fez ainda uma mossa no NSU em que nos deslocávamos. A situação demorou alguns minutos a descrispar-se, o que só ocorreu com a nossa retirada sem glória e sem poder distribuir o material que trazíamos. Eram assim, à época, as "amplas liberdades" da ditadura, que por estes dias parece seduzir quem nunca a viveu.

Ontem, por curiosidade, decidi passar por Abaças - 56 anos depois! E fui ali encontrar, na tarde esplêndida de sol, uma aldeia serena, com as folhas da imensas vinhas, queimadas já pelo Outono, a dar uma cor lindíssima à paisagem em volta da aldeia.

segunda-feira, novembro 10, 2025

À entrada ...


... do cemitério de S. Dinis, em Vila Real, esta frase de um poema de David Mourão Ferreira.

domingo, novembro 09, 2025

Homenagem a Elísio Neves


A Biblioteca Municipal de Vila Real transbordou de admiradores de Elísio Amaral Neves, ao final da tarde de ontem, para uma homenagem prestada por um grupo de amigos àquele que, durante décadas, foi o mais relevante animador cultural da cidade.

O arquiteto António Belém Lima, o cineasta João Botelho (na imagem, com Elísio Neves), o escritor e diretor da biblioteca, Vitor Nogueira, e eu próprio falámos sobre a obra e carreira do homenageado. A última intervenção no painel esteve a cargo do musicólogo Paulo Vaz de Carvalho, que reencenou, com humor e apontamentos de música antiga, uma histórica prestação do Elísio, há precisamente 60 anos, numa récita dos estudantes liceais de Vila Real. 

A sessão prolongou-se ainda com testemunhos breves sobre o Elísio, apresentados por várias figuras da cidade.

sexta-feira, novembro 07, 2025

Sabiam...


... que ainda há gente que não conhece Amarante? Que nunca foi às festas de São Gonçalo, ao museu de Amadeu Sousa Cardoso, à terra de Pascoaes e de Agustina, que nunca provou o quinteto maravilha dos doces da cidade: as lérias, os papos d'anjo, os São Gonçalos, os foguetes e as brisas do Tâmega? E a Casa da Calçada, agora renovada, onde hoje almocei muito bem com (quase) esta vista?

quinta-feira, novembro 06, 2025

Geografia sentimental


Falei ontem para um grupo de estudantes de mestrado de Geografia, na Universidade Nova de Lisboa. O tema que fui convidado a abordar era a Geografia Política. Foi muito interessante "passear" pelo mundo histórico das fronteiras, das naturais às mais absurdas, um pouco por todos os continentes, com um interessado diálogo no final. 

Na ocasião, lembrei-me do dr. Ladislau. Tinha sido nosso professor de Geografia, em Vila Real, durante os anos 60 do século passado. Graças ao seu empenhamento e ao entusiasmo do meu colega Sérgio Moutinho, foi possível criarmos nesse tempo, no liceu da cidade, um Centro de Estudos Geográficos, que até editou um boletim impresso que dava pelo nome de "Meridiano". Naquela estrutura, que até conseguiu garantir uma instalação própria, as tarefas estavam divididas: a mim competia-me o "pelouro" da ... Geografia Política - "et pour cause"!

Um dia, o professor Ladislau organizou uma visita de estudo ao posto que o então Serviço Meteorológico Nacional mantinha em Vila Real, creio que na zona da cadeia. Por ali havia alguns aparelhos que faziam os registos básicos, diariamente transmitidos telefonicamente a Lisboa. O encarregado do posto, com grande disponibilidade e simpatia, mostrou esses equipamentos e sintetizou as suas tarefas. O dr. Ladislau aproveitou então para nos dar ali mesmo uma breve aula. À conversa, trouxe a notícia de um furacão que, nas vésperas, tinha assolado as Caraíbas. Os jornais tinham sublinhado que o vento, nesse episódio, ultrapassara creio que os 130 km/hora.

O controlador meteorológico de Vila Real, que assistia interessado à explicação, quando o dr. Ladislau terminou, não se conteve, "puxou pelos galões" possíveis e saiu-se com uma tirada que gravei na minha memória interiormente sorridente: "Com essa velocidade nunca registei, mas já cá tivemos ventos muito bons, de mais de 80km/hora". Para todo o sempre registei a categoria de "ventos muito bons"...

À saída da aula de ontem, a pessoa que me tinha convidado teve a amabilidade de me levar a ver uma exposição, organizada naquela faculdade, pelo centenário da professora Raquel Soeiro de Brito, uma distinta e prestigiada geógrafa, pessoa com quem, no final dos anos 60, eu concluí uma cadeira de Geografia. Para minha agradável surpresa, constatei que, numa parede dessa exposição, figura um texto (na imagem, onde pode clicar para ler) que, neste meu blogue, eu tinha escrito há anos sobre aquela simpática senhora. O mundo é muito pequeno, como se constata por esta minha geografia sentimental.

Ver antes

  António Mota (1954-2025) António Mota, que agora nos deixou, era um homem de emoções à flor da pele. Senti-lhe as lágrimas, ao telefone, q...