António Mota (1954-2025)
notas pouco diárias de Francisco Seixas da Costa
António Mota (1954-2025)
Partilhamos um saudável ceticismo perante as verdades empacotadas, o pensamento preguiçoso e as certezas de almanaque, com uma dose teimosa de ironia afetiva sobre Portugal – o país a que regressamos sempre, mesmo à distância. Discutimos a democracia, o poder, as tensões do momento, a dificuldade de vislumbrar rumo no ruído global. Concordámos que Portugal continua a fazer as pazes consigo próprio através do esquecimento. Entre nós, houve sempre uma recusa partilhada: a do conformismo. Lembro-me que, nessas primeiras conversas em Londres, estavam às vezes o Rui Knopfli, o Eugénio Lisboa e, quase sempre, o Bartolomeu Cid dos Santos. Todos já se foram, como partiram o sorriso e a graça da Suzete. Mas nós vamos andando.
Há poucas semanas, no Britania, aqui em Lisboa, estivemos quatro horas sentados. Com chá, e creio que com scones, fizemos o nosso balanço irónico sobre o estado das coisas na pátria. Não saímos demasiado otimistas, e isto é um "understatement". O Hélder mantém uma lucidez única, um humor notável, uma curiosidade que não cede ao tempo. A memória dele é uma biblioteca onde nada foi arquivado por conveniência.
Hoje, no dia dos seus 90 anos, deixo-lhe um abraço muito forte. A nossa conversa não se esgota, caro Hélder.
Ver aqui.
Valerá a pena perceber a razão pela qual a nossa comunicação social se "acanha" em perguntar aos líderes da empresas que necessitam de imigrantes se estão de acordo com o discurso de certos partidos que diabolizam a imigração, a começar pelos que estão no governo.
Dizem que o golpe de Estado na Guiné-Bissau pode não ter passado de um "faz-de-conta", talvez em conluio com o presidente. Com as eleições a apontarem para a vitória de um opositor, as forças armadas saíram a terreiro para evitar a mudança de orientação política. Será mesmo assim?
Um tweet tem um máximo de 280 carateres. Às vezes, é dificil, nesse espaço limitado, colocar as coisas de uma forma clara, sem ambiguidade. Escrevi um texto sobre as condições colocadas à Ucrânia no documento americano. A forma como o disse suscitou, no campo dos defensores da causa ucraniana, reações fortíssimas. Confesso que esse é para o lado para o qual durmo melhor. Mas decidi perguntar à Inteligência Artificial o que pensava. E, sem surpresas, ela foi inteligente...
A Ucrânia vai provavelmente ter de aceitar um acordo altamente desfavorável, pelo facto de, em 2022, não ter querido aceitar um compromisso menos gravoso, que lhe teria evitado a perda de centenas de milhares de pessoas e a destruição de parte do país. A História não se adivinha.
No essencial, o plano que agora terá sido apresentado pelos Estados Unidos para a Ucrânia não se afasta daquela que, desde o início, se suspeitava que era a filosofia da nova administração americana para a região: forçar os ucranianos a cederem parte do seu território, que ficaria sob administração russa, fosse isso num modelo de reconhecimento efetivo de soberania, fosse numa fórmula de "lease". De ambas as hipóteses já se tinha falado.
É agora a última fórmula aquela de que se fala. Nela, a Rússia obteria uma ocupação "de facto", podendo internamente dizer que as novas repúblicas eram suas, à luz da sua própria Constituição. A Ucrânia de Kiev (chamemos-lhe assim) manter-se-ia como titular de uma soberania "de jure", que nada indica que alguma vez pudesse vir a recuperar no futuro. O mundo, a começar pelos EUA, continuariam a reconhecer as fronteiras ucranianas de 1991, nos termos do direito internacional, mas aceitariam a ocupação russa nessa parte do território. Seria um "faz-de-conta" destinado a suspender o conflito.
Sob o ponto de vista da futura soberania limitada da Ucrânia, amputada de uma parte significativa de território, o plano prevê a não entrada para a NATO (que sempre se soube ser algo que Washington não queria), a ficar inscrita na Constituição ucraniana (talvez no modelo austríaco, a relembrar 1945) e a limitação quantitativa e qualitativa das futuras forças armadas de Kiev, nomeadamente a proibição de posse de mísseis de longo alcance.
Essas restrições neutralizantes configurariam o fim do sonho da Ucrânia de Kiev de se constituir como um país poderoso, em termos militares. Esse sonho, aliás, não era apenas ucraniano: a Europa que está a seu ocidente contava poder ter a Ucrânia a funcionar como uma frente da sua própria defesa.
Verdade seja que quer a Europa quer a Ucrânia foram, no passado, levadas a alimentar esta ilusão pelos próprios EUA, que foram quem sugeriu a vocação da Ucrânia (e da Geórgia) para ser futuro membro da NATO. O facto de poder ficar no acordo uma previsão de que a NATO não se alargará mais a Leste representaria uma imensa vitória russa. A Geórgia ficaria fora da NATO. E a Moldova? Moscovo não obteria no plano o desejado "reset", mas conseguiria o congelamento de futuros alargamentos. Obteria também um retomar dos tratados de controlo de armamento (embora falte ali muita coisa importante).
Um dos aspetos pouco claros deste plano é a questão das garantias de segurança para a Ucrânia. Não haverá tropas ocidentais no seu território e, aparentemente, não haverá "no fly zone". Como se processará a monitorização da colocação das tropas, para ambos os lados da futura "buffer zone", é ainda uma dúvida. Haverá uma espécie de Artigo 5° oferecido pelos EUA, com a responsabilidade operacional a cargo dos europeus?
Medidas como o regresso da Rússia ao G8 ou o levantamento de sanções que não dependem de Washington só podem ser implementadas depois de uma mudança da atitude dos aliados dos EUA. Esta está longe de adquirida. Do mesmo modo, é no mínimo estranho que o acordo se imiscua na questão da relação da Ucrânia com a União Europeia. E as medidas do TPI face a Putin? Caem com uma espécie de "amnistia"?
Há no plano uma dimensão de negócios, muito interessante para os EUA, que faz parte do complexo pacote com que Washington quer pôr termo ao conflito. Quer na exploração do Ártico quer nas modalidades em que a Rússia pode mobilizar parte significativa dos fundos que estavam arrestados no estrangeiro, as vantagens para os EUA estão bem presentes.
Resta saber ainda o que a Rússia "dará" aos EUA em termos de oportunidades económicas no Donbass, que se somarão às concessões ucranianas já há meses acordadas. A Ucrânia ficaria, assim, de certo modo, sob uma tutela americana. O facto de para ali se preverem eleições no prazo de 100 dias, com o regresso da língua russa e a proibição de "ideologia nazi", poderia significar que estaria próximo o fim político de Zelensky. Os fumos recentes de corrupção não devem tê-lo ajudado.
O CDS apoia Marques Mendes para as presidenciais. O CDS, nos dias de hoje, é um partido virtual, que faz uns "números" à volta do Ministério da Defesa, como no 25 de novembro, para fingir que ainda existe. E que, claro, resiste à clássica frase: "Stand up to be counted".
Gosto (já gostei mais, claro) de ver jogar Ronaldo, um sobredotado profissional do desporto. Ao contrário de muitos, congratulo-me com os seus êxitos e fico triste com os seus insucessos. Mas era só o que faltava eu estar a preocupar-me sobre o que ele pensa ou não de Trump.
Ventura acusa Seguro de alimentar uma conversa de chacha. Seguro teve a elegância de não lhe responder que, com aquele seu estilo, Ventura se revela um exímio cultor da conversa de tasca.
Ver aqui.
A certo passo da minha intervenção, comecei a dizer algo sobre o terrorismo internacional, dando algumas notas genéricas sobre os riscos que a Europa corria nesse domínio, pelas metástases do Estado Islâmico. Nesse instante, sentado ao meu lado, o presidente da Câmara da cidade, em silêncio, colocou à minha frente, na mesa, o seu telemóvel. Li: "Ataque terrorista em Paris".
Travei o que estava a dizer e, obviamente sem saber pormenores, anunciei que o tema da conversa tinha tido uma expressão prática na cidade onde eu vivera até dois anos antes. Toda a gente agarrou os seus telemóveis, apressei o fim da palestra e passou-se à discussão com a assistência, onde o tema terrorismo se tornou central.
Paris é uma cidade que tem um considerável e triste histórico de atentados terroristas. Meses antes, tinha sido o Charlie Hebdo. Imagino que, nessa noite de Santarém, terei lembrado também as bombas no armazém Tati e na rue des Rosiers, para além da estação de metro de St. Michel, dos explosivos na rue Marbeuf e no drugstore Publicis - que são os que agora me vêm à memória, sem ir ao Google e sem conseguir pôr datas na maioria.
Nessa noite, foi o horror no Bataclan. Esse terrível atentado teve um impacto muito forte em França, onde viria a ter ainda outros ecos. Muito do que se tem passado na vida política francesa, na última década, em termos da subida da extrema-direita e da radicalização securitária da direita republicana tem o impacto público desse atentado como claro pano de fundo.
Pode ler aqui.
Na ocasião, lembrei-me do dr. Ladislau. Tinha sido nosso professor de Geografia, em Vila Real, durante os anos 60 do século passado. Graças ao seu empenhamento e ao entusiasmo do meu colega Sérgio Moutinho, foi possível criarmos nesse tempo, no liceu da cidade, um Centro de Estudos Geográficos, que até editou um boletim impresso que dava pelo nome de "Meridiano". Naquela estrutura, que até conseguiu garantir uma instalação própria, as tarefas estavam divididas: a mim competia-me o "pelouro" da ... Geografia Política - "et pour cause"!
Um dia, o professor Ladislau organizou uma visita de estudo ao posto que o então Serviço Meteorológico Nacional mantinha em Vila Real, creio que na zona da cadeia. Por ali havia alguns aparelhos que faziam os registos básicos, diariamente transmitidos telefonicamente a Lisboa. O encarregado do posto, com grande disponibilidade e simpatia, mostrou esses equipamentos e sintetizou as suas tarefas. O dr. Ladislau aproveitou então para nos dar ali mesmo uma breve aula. À conversa, trouxe a notícia de um furacão que, nas vésperas, tinha assolado as Caraíbas. Os jornais tinham sublinhado que o vento, nesse episódio, ultrapassara creio que os 130 km/hora.
O controlador meteorológico de Vila Real, que assistia interessado à explicação, quando o dr. Ladislau terminou, não se conteve, "puxou pelos galões" possíveis e saiu-se com uma tirada que gravei na minha memória interiormente sorridente: "Com essa velocidade nunca registei, mas já cá tivemos ventos muito bons, de mais de 80km/hora". Para todo o sempre registei a categoria de "ventos muito bons"...
À saída da aula de ontem, a pessoa que me tinha convidado teve a amabilidade de me levar a ver uma exposição, organizada naquela faculdade, pelo centenário da professora Raquel Soeiro de Brito, uma distinta e prestigiada geógrafa, pessoa com quem, no final dos anos 60, eu concluí uma cadeira de Geografia. Para minha agradável surpresa, constatei que, numa parede dessa exposição, figura um texto (na imagem, onde pode clicar para ler) que, neste meu blogue, eu tinha escrito há anos sobre aquela simpática senhora. O mundo é muito pequeno, como se constata por esta minha geografia sentimental.
António Mota (1954-2025) António Mota, que agora nos deixou, era um homem de emoções à flor da pele. Senti-lhe as lágrimas, ao telefone, q...