segunda-feira, dezembro 29, 2025

BB do outro lado


Hoje, dia em que tanto se falará da BB, aqui fica outro BB, o genial Bertolt Brecht, comunista como já não está na moda alguém ser. O seu "Sobre o pobre B.B.", traduzido por António Cícero:


"Eu, Bertolt Brecht, sou das florestas negras.

Minha mãe me trouxe para as cidades

dentro do ventre. E o frio das florestas

estará comigo ao me cobrir a laje.


Na cidade de asfalto estou em casa e a caráter,

com todos os últimos sacramentos

ministrados: jornais, tabaco, conhaque:

desconfiado, indolente e enfim satisfeito.


Sou amável com os outros. E visto

meu chapéu-coco, como todo o mundo.

Digo: são bichos de cheiro esquisito

e também digo: e daí? Também sou, no fundo.


Às vezes, nas cadeiras de balanço,

coloco algumas moças, de manhã,

e digo: em mim vocês têm, eu garanto,

alguém em quem não podem confiar.


À tarde me reúno com colegas.

Tratamo-nos de “gentleman”, então.

Eles dizem, com os pés à minha mesa:

as coisas vão melhorar, e não pergunto quando.


Na madrugada cinza, abetos mijam

e piam os pássaros, que são seus vermes.

Na cidade, meu copo se esvazia,

largo o charuto e durmo um sono leve.


Assentamo-nos, uma geração leviana 

em prédios que quiséramos indestrutíveis

(assim construímos os arranha-céus da ilha de Manhattan e as finas antenas sobre o Atlântico a nos divertirem).


Destas cidades ficará quem as atravessou, o vento!

A casa faz feliz quem nela come: quem a esvazia.

Sabemos sermos efêmeros

e que depois de nós o que virá será sem valia.


Nos terremotos vindouros, que não seja meu fado

deixar por amargura o meu Virginia se apagar,

Eu, Bertolt Brecht, largado nas cidades de asfalto,

oriundo das florestas negras, no ventre da mãe, tempos atrás.

Antas

Como sportinguista, assumo, por regra, a atitude do pessimista, do cético no êxito: se o ano correr mal, "eu bem dizia"; se correr bem, "tudo o que vier à rede...". Este ano, com o Benfica a ficar para trás, preocupa-me o Porto. Aquela ideia de mudarem de treinador foi péssima!

Pipi

No passado, era muito popular na cultura social lisboeta a figura do "pipi". Tratava-se de uma personagem masculina muito penteadinha, muito Brylcreem, de galã canastrão a querer disfarçar a idade. Antes desta campanha presidencial, já quase tinha esquecido a figura.

Zelensky

Goste-se ou não da personagem Zelensky e daquilo que ela representa, é irrecusável ser alguém que, desde há cerca de quatro anos, é a cara de um projeto para um país que eventualmente terá nascido contra a lógica da História. Se outra for a Ucrânia, Zelensky terá de sair de cena.

Apresentação

 


Trump

Passados estes dias agitados, alguém um dia irá publicar um estudo científico sobre a figura de Donald Trump, sobre o seu perfil psicológico. Posso estar enganado, mas quero crer que se chegará à conclusão de que a maior potência do mundo esteve à mercê de uma pessoa perturbada.

Presidenciais

Não irei votar em Marques Mendes, pelo menos na primeira volta. Mas acho miserável a campanha negra de que é objeto, por parte de gente sem um passado cívico minimamente relevante para poder chegar a Belém. Marques Mendes está a pagar o banho de decência que um dia deu ao PSD.

Lembrar


Para lembrar o dia de 2025 em que a Europa foi chamada a despacho a Washington...

domingo, dezembro 28, 2025

O lugar do Eurico


Ontem, (também) morreu Eurico de Figueiredo. Tinha 86 anos. 

Na minha adolescência, em Vila Real, o nome de Eurico de Figueiredo identificava um estudante de "ideias avançadas", saído anos antes da cidade, que liderara as lutas académicas lisboetas de 1962 e que, depois de uma agitada passagem pela universidade de Coimbra, se exilara na Suíça. 

Conheci muito bem o seu pai, Otílio de Figueiredo, médico e figura maior da vida cívica de Vila Real, com quem trabalhei de perto na aventura oposicionista da CDE de Vila Real, em 1969. 

Só vim a conhecer o Eurico muito depois do 25 de abril, quando regressou a Portugal para exercer psiquiatria e, posteriormente, para se envolver na ação política, da qual um dia acabou por se cansar - e talvez com razão.

Não éramos íntimos, mas fomos desenhando uma relação de amigos. Há anos, convidou-me para apresentar um seu livro. Depois, contracenámos com o seu velho comparsa de Genebra, António Barreto, numa evocação qualquer no teatro de Vila Real. Já o não via há bastante tempo.

Lembro uma história que, por equívoco, nos ligou e sobre a qual um dias nos rimos. Estávamos em julho de 1999. Eu era então, desde há três anos e meio, secretário de Estado dos Assuntos europeus.

Um dia, informei o gabinete do primeiro-ministro de que necessitava de falar com António Guterres, com alguma urgência. Horas depois, foi-me perguntado o motivo da reunião, para justificar a pressa com que pedia o encontro. Mandei dizer que não revelava. No dia seguinte, já um pouco irritado, voltei a insistir. Ao final desse dia, o primeiro-ministro recebeu-me.

António Guterres acolheu-me com um sorriso e a grande simpatia com que sempre me tratou.

- Este seu pedido de reunião, com caráter de urgência, criou por aqui alguma especulação, como já deve ter percebido.

Eu já então presumia essa especulação. Num segundo, liguei-a ao facto de, três dias antes, ter estado numa audiência, também a meu pedido, com o presidente da República, Jorge Sampaio. Que diabo um simples secretário de Estado, lugar subalterno no governo, quereria, na mesma semana, das duas principais figuras do Estado?

Esclareci então António Guterres que a razão da minha visita nada tinha a ver com aquilo que fora tratar com o presidente. No seu caso, eram assuntos estritamente ligados às questões europeias, mas que exigiam uma orientação urgente do primeiro-ministro. A particular sensibilidade do tema recomendava, porém, uma conversa pessoal. Só isso.

Guterres disse-me então das razões da especulação em S. Bento.

- Como você sabe, estamos em pleno processo de formação das listas de candidatos a deputados à Assembleia da República. E, como também é público, Eurico Figueiredo deixou vago o lugar de cabeça de lista por Vila Real, que também é a sua terra. Houve muita gente que pensou que você, sendo embora independente e não militante do PS, poderia estar interessado no lugar e que era essa a razão por que pretendia falar comigo com urgência. Eu, contudo, conhecendo-o, devo dizer que nunca pensei que quisesse ser deputado. Mas também achei que seria legítimo se acaso o quisesse ser.

E tinha toda a razão. A vida parlamentar nunca me seduziu minimamente. Mas, à distância, fiquei sempre com a curiosidade de saber o que teria acontecido se eu, de facto, tivesse tido essa pretensão. Assim, salvo na boataria entre S. Bento e o Rato, acabei por não me "cruzar" com o meu amigo Eurico Figueiredo nos caminhos da representação política de Vila Real.

sábado, dezembro 27, 2025

Segurança

Um amigo, membro de uma tertúlia a que pertenço, que há meses nos tinha anunciado o voto no almirante, acaba de dizer que, tudo ponderado, decidiu que vai votar em António José Seguro. 

Há pouco, li que um dos mais ferozes opositores dentro do PS a esta candidatura concluiu que ela é a única que recolhe "os mínimos", o que imagino indicia que pode afinal vir a ser essa a sua escolha final.

Isto ainda se vai compor, meu caro António José Seguro!

Viana


Sou de Vila Real, mas também me sinto muito de Viana, a terra do meu pai. Ligam-me a Viana memórias de infância e juventude. Por lá passei muitas férias - e as férias costumam ser, e no meu caso foram, uma parte boa da vida. 

Vou a Viana sempre que posso, ando por aquelas ruas como se fossem da terra onde nasci. A cidade retribui-me: sou seu cidadão honorário e tive o gosto de ser presidente de honra da maior romaria do país, a Senhora da Agonia.

Em Viana vivia a minha avó paterna, que partiu há muito com uns respeitáveis 93 anos, depois de 55 anos de viuvez. Conservou até ao fim uma jovialidade que nos marcou a todos. Por ali tive tias e tios que, com o tempo, foram desaparecendo. E bastantes primos. 

Há semanas, um deles, com a minha idade - como eu, há muito emigrado em Lisboa - saltou fora da vida, horas depois da nossa última conversa a dois. Hoje, outra prima, a decana da família, já na casa dos 90, deixou-nos. Na semana passada, ao telefone, tínhamos combinado que iria vê-la a Viana, daqui a dias, como há anos fazia. Vou, mas para o funeral.

Há meses de dezembro menos tristes, podem crer.

sexta-feira, dezembro 26, 2025

O meu "grupo" do Natal


A Consoada aproximava-se. Da sala, já me pediam para preparar os vinhos, pelouro irrecusável que há muito me cabe. A tarde tinha sido de um lado para o outro. Dei conta de que ainda havia imensa gente a quem gostaria de mandar uma mensagem de Boas Festas. Não havia manifestamente tempo para uma nota personalizada a cada um. Que fazer?

Talvez uma frase simples chegasse, para que essas pessoas soubessem que não me tinha esquecido delas. Por SMS ou Whatsapp? Há amigos que se queixam de que uso demasiado SMS, num tempo em que toda a gente utiliza mais o Whatsapp. Fui então para o Whatsapp. No iPhone, no espaço de endereços, fui acumulando os nomes das pessoas a quem iria enviar a mensagem. Muitas. Tantas que optei por ficar a meio. Faria outro "carregamento" depois. 

Intimamente, pensei que estava apenas a criar, para mim próprio, uma lista de endereços. E, nesse engano de alma ledo e cego de quem usa o Whatsapp menos do que devia, fugiu-me o dedo para "Novo Grupo". E aí cliquei! O que fui fazer?! Nunca na vida tinha criado um grupo de Whatsapp - e logo fui fazer uma imensa asneira a meia hora da Consoada. Nabo informático como sou, não é que me excluí, em seguida, do grupo, ainda antes de o eliminar?! Só o contacto de um amigo, que tinha estranhado tudo aquilo, me permitiu, por seu intermédio, avisar e tentar explicar àquele heteróclito grupo de pessoas o que é que ali faziam, todas juntas, por minha iniciativa. Confesso que avancei para o bacalhau da Consoada num estado de serenidade que rimava mal com a data.

O "meu" grupo do Natal, sem que o criador o possa eliminar, ainda deve andar pelo Whatsapp. Só espero que quem dele involuntariamente faz parte o vá abandonando. De uma coisa podem essas pessoas estar certas: tinha a intenção de lhes desejar Boas Festas! Valha-me ao menos isso! 

... e Carter dá a notícia!

 


quinta-feira, dezembro 25, 2025

Natal


Em Vila Real, Natal sem briol não tem graça.

A revelação


Foi numa noite de Consoada como esta, há bem mais de sete décadas. Em casa da minha avó paterna, em Viana do Castelo, a família tinha estado reunida no jantar de Consoada. No dia seguinte, os meus pais e eu partiríamos de comboio para Vila Real, onde teria lugar um jantar no dia de Natal, desta vez com os meus avós maternos e a família desse lado. Foi assim, por muitos e bons anos, a geografia dos meus Natais.

Para mim, por essas horas, só havia um tema importante: os presentes. Na manhã de 25, junto ao presépio e à árvore, sabia que iriam surgir coisas que, segundo a narrativa que dominava a minha cabeça, o Pai Natal ali teria colocado durante a madrugada. E, na noite seguinte, quando chegasse a Vila Real, outro conjunto de presentes estaria à minha espera. De certo modo, eu sentia-me beneficiado, em relação a alguns dos meus primos. É que o Pai Natal faria duas deslocações por minha causa. 

A noite de Consoada em Viana estava a terminar. Os meus tios começavam a despedir-se e a sair para as respetivas casas. Foi então que um primo, um ano mais velho do que eu, me chamou a um corredor interior daquela grande casa do Largo Vasco da Gama e, com um sorriso de superioridade, de quem sabia mais do que eu, me disse: "Queres ver os teus presentes?". E abriu a porta de um compartimento interior, apontando-me umas caixas coloridas. "Ai julgavas que era o Pai Natal?! Quem comprou as coisas foram os teus pais...". E, imagino que contente com a minha cara, correu e desapareceu de cena.

Não me lembro de ter sentido um grande desapontamento, como hoje seria bonito dizer. Não posso mesmo excluir que a revelação tivesse apenas confirmado alguma coisa que eu já suspeitasse, talvez mesmo uma dúvida sobre dificuldade logística da imensa tarefa do Pai Natal. De uma coisa tenho a certeza: custou-me imenso a adormecer. Não terá sido pela desilusão induzida pelo gesto do meu primo, mas apenas porque passei algum tempo a magicar que diabo estaria dentro daquelas caixas. Dali a horas, contar-me-iam, como habitualmente, a história de que tudo se ficava a dever à gentileza anual de um errante tipo de barbas brancas. Intimamente, devo ter-me sentido mais forte perante os meus pais: é que eles não sabiam que eu já sabia a verdade!

O mundo no ano que acaba


Há muitos anos, a RTP, à volta do Natal, fazia um programa em que resumia a situação internacional no ano prestes a terminar. Eu ainda não tinha a diplomacia no meu radar profissional mas recordo-me bem que organizava sempre a minha vida de modo a poder ver esse programa, feito de colagem de filmes que sintetizavam o curso da vida pelo mundo.

Lembrei-me disto na terça-feira ao gravar, com António Freitas de Sousa, a penúltima edição do ano do nosso podcast "A Arte da Guerra". É que optámos, nesta edição, por fazer um bosquejo pelo que nos pareceu ser mais importante no ano de 2025.

Começámos, sem surpresa, por Donald Trump, tentando caraterizar o que ele trouxe de novo à América e ao mundo. Depois falámos da Europa e do seu difícil papel de charneira entre o poderoso vizinho atlântico e a Rússia. E, finalmente, abordámos ... o resto: a China, a Índia e por aí adiante. Isto é: tentámos "meter o Rossio na Betesga".

Nos dias de hoje, o tempo que as pessoas estão dispostas a perder, á frente de um écran, é em regra inferior à duração de uma análise como aquela que a nossa "A Arte da Guerra" promove, todas as semanas, há quase cinco anos. Se optássemos por ser mais sintéticos, teríamos com certeza uma maior audiência. Contudo, e com pena nossa, o que temos para dizer não cabe num "espartilho" mais pequeno. E estamos muito confortáveis com o número de pessoas que nos vê.

Se estiver disposto a perder (não tenho a imodéstia de escrever "ganhar ") alguns minutos, basta clicar aqui.

terça-feira, dezembro 23, 2025

Somos todos dinamarqueses

 


Receita

 


A cortina

Gronelândia ou Venezuela vs Epstein: nada melhor do que começar uma guerra para esconder um imenso embaraço.

Ó diabo!


A propósito da Cimpor, o "Observador" coloca-me hoje como secretário de Estado de Cavaco Silva. Espero que o senhor professor não se tenha ofendido com o lapso; eu já perdoei. Não sabemos como reagiria António Seixas da Costa Leal, um estimável e muito competente servidor público, que foi subsecretário e secretário de Estado, tendo chegado a ministro, mas que já se foi desta vida em 2007. 

Classe Trump


Trump anunciou que os EUA vão construir umas dezenas de novos navios de guerra, que se chamarão "classe Trump".

Surgiram já especulações sobre o formato desses navios.

Em que ficamos?

 


Afinal havia outro!


Não, não houve apenas um almirante em Belém. Este também foi presidente da República, embora fosse confessadamente monárquico... 

Faltará muito?

 


Não é?

Já me tenho perguntado sobre se a uma pessoa como eu, que não vê debates eleitorais nas televisões nem reconhece a voz de alguns dos candidatos, não deveria ser retirado o direito de voto. Sábios são os que se atulham dessa informação! O voto deles devia valer mais, não é?

domingo, dezembro 21, 2025

Boas Festas!


A todos os que acompanham este espaço, deixo os meus votos de Boas Festas, com o desejo de que 2026 venha a ser um ano melhor do que alguns pessimistas auguram.

sábado, dezembro 20, 2025

"A russa a caminho do Marão"

Dentro de dias, terá passado uma década desde que este artigo surgiu no "Diário de Notícias", assinado pelo jornalista José Ferreira Fernandes. Há minutos, a internet lembrou-mo. 

"Um amigo e, embora só recentemente conhecido, um rapaz do meu tempo, o embaixador Francisco Seixas da Costa tem um blogue. Há dias, a caminho da sua terra, passou por Amarante, foi atestar a uma bomba e encetou conversa com os olhos não mediterrânicos da garagista. "De onde é?" e tal, seguido de respostas em reticências, de alguém resignado a tão pouco se saber do seu país. Russa... de uma ilha... a norte do Japão... Rapaz do meu tempo, do tempo em que os atlas eram devorados com uma vontade que atestava na suspeita de talvez nunca se ir nem a Badajoz, Seixas da Costa disse-lhe: "É de Sacalina?" E a mulher derreteu-se: "Estou em Portugal há 12 anos. É a primeira pessoa que me disse o nome da minha ilha."

Porque também sou um rapaz do meu tempo, eu também diria Sacalina e, como gosto de apostar, talvez prescindisse da sugestão sobre ser do norte do Japão. A russa: "Sou duma ilha..." E eu, logo: "Sacalina!" E como gosto também de competir aproveitei para mandar ao meu amigo uma pergunta, em SMS: "De que país era capital a cidade antigamente conhecida como Santa Maria Bathurst?" Tinha uma armadilha, a Wikipédia não reconhece esse nome inteiro, só Bathurst, antigo nome da capital da Gâmbia, hoje Banjul. O nome da capital, no meu tempo liceu, incluía a ilha onde Bathurst estava (Santa Maria), nome completo que desapareceu bem antes do advento desse saber universal que é o Google. A resposta veio no quinquagésimo de segundo, afastando a hipótese de pesquisa prévia (que, aliás, não serviria de nada): "Gâmbia." Na verdade, porque ele é diplomata, escreveu em forma de dúvida delicada: "Gâmbia?"

Só confirmei o que já sabia, Seixas da Costa é um trota mundos, o seu blogue chama-se Duas ou Três Coisas, um piscar de olho ao filme de Jean-Luc Godard, Duas ou Três Coisas Que Sei Dela, sendo ela, Paris, onde ele foi embaixador. Apesar de ser sobre Paris, o filme tem como protagonista Marina Vlady (olha, outra russa pelo mundo), atriz a quem o realizador cometeu a tolice de pedir em casamento no começo das filmagens. Tendo levado com o pés, Godard nunca mais falou com a sua atriz durante a rodagem, com exceção de algumas ordens ditas para o microfone de orelha, a que ela tinha de responder olhando a câmara. Um dia, Godard atirou-lhe: "Define-te numa palavra!". Marina Vlady respondeu (e está no filme): "Indiferença." O exato oposto do que define Seixas da Costa, mesmo quando para numa estação de serviço a caminho do Marão.

Aquele breve diálogo quase trasmontano que culminou em Sacalina já me deu para três parágrafos, muitos comentários no tal blogue e, até, a poemas de amigos que partilham com Seixas da Costa uma mesa no bar Procópio, em Lisboa. Julgo que o desinteresse que os jornais colhem nos quiosques tem muito a ver com a indiferença com que eles passam por uma russa numa estação de serviço no caminho para o Marão. E, o que mais é, uma russa de Sacalina.

Um comentador do post prestou uma homenagem: garantiu que conhece uma aventura contada por Hugo Pratt na ilha russa. Estarei talvez enganado mas Corto Maltese nunca desembarcou em Sacalina. Mas há erros que revelam boa ciência: aquelas ilhas agrestes do extremo norte, com povos exagerados como os russos, cruzando-se com civilizações que desaparecem, são cenário típico do marinheiro de perfil cortado à faca. Estou a ver Corto Maltese a gostar do concerto duma nivkh, de um povo perdido que tange os tinrin, instrumentos em que, como todos sabemos, as cordas são vibradas com a língua.

A ilha Sacalina - lá vem o meu liceu, grande como Portugal, 600 mil habitantes, no extremo-nordeste da Ásia - foi disputada durante séculos pela Rússia e o Japão, e depois da II Guerra ficou soviética. Os japoneses levaram os aïnous, os russos ficaram com os nivkhs, cada um com as suas minorias, ambos povos siberianos. No ano passado, a empresa estatal Gazprom descobriu jazidas colossais de petróleo, a juntarem-se ao gás natural da ilha que já era o de maior produção na Rússia.

Já decidi, no próximo Natal vou encher o depósito a uma certa estação de serviços a caminho do Marão. Se a russa não estiver lá, deduzo que acabou a ironia da venda a retalho tão longe da grande produção (de Amarante a Moscovo, 4,5 mil quilómetros, de Moscovo a Sacalina, 9 lmil). Se a russa estiver, quero saber dos muitos portugueses que, ao longo de 2016, lhe falaram do nome da sua ilha. Se eu não ficar satisfeito com a curiosidade dos portugueses, sigo outra sugestão de Seixas da Costa e em Amarante compro lérias, papos d"anjo, São Gonçalos, foguetes e brisas do Tâmega, doces de tanger a língua."

Há dez anos, a palavra "Rússia" soava diferente aos ouvidos de muita gente. Há poucas horas, passei junto àquela estação de serviço à saída de Amarante para Padronelo e, pela enésima vez, resisti à tentação de perguntar o que é feito da russa que por lá trabalhava quando aqui escrevi o texto a que dei o título "O Dr. Ladislau e a bela russa da bomba de gasolina".

sexta-feira, dezembro 19, 2025

Os desafios da Europa

 


God bless the World

In recent years, the world has come to know Donald Trump. It has been a one-way process: the steady confirmation of his boundless narcissism, supported by a circle of loyal aides who not only refuse to restrain his most authoritarian impulses but actively encourage and applaud them.

Day after day, Trump shows an uncontrollable personality and an almost childish fascination with power. He gives speeches and takes actions whose absurdity he seems unable to recognize. It is doubtful that he understands the silent contempt and mockery his behavior provokes, even among Republicans who, despite supporting him, have a political record that suggests they should think differently. Trump appears immune to ridicule, absorbed by the power he holds and the belief that his authority has no limits. His former chief of staff told Vanity Fair that Trump “thinks he can do whatever he wants” — a statement that says it all. 

Considering his recent behavior, some now wonder if the U.S. president is showing signs of mental decline. Many of his actions seem unstable, and some childish ones — like the caricature plaques about his predecessors displayed in the presidential gallery — suggest a loss of judgment and emotional control. 

If Trump were the leader of a small country, his power would face real limits. History is full of megalomaniac dictators who, no matter how authoritarian, eventually met external barriers to their ambitions. Trump, however, commands the power of the world’s largest military force — one he likes to promote and favor. This leads some to fear that he might try to use it to remain in power, claiming an internal “war” and imposing an exceptional regime. 

With Trump, anything seems possible. What does not appear likely, however, is any institutional move to require a medical evaluation of his sanity. Even as the signs of disturbance grow — and as his actions may put global stability at risk — there seems to be no one inside the American system willing or able to stop this drift. 

Americans often say, “God bless America.” I have no faith, but I fear instead what Trump’s America might do to the world.

"God bless the World"


Nos últimos anos, o mundo aprendeu a conhecer Donald Trump. Foi um processo evolutivo de sentido único: a afirmação constante de um narcisismo sem limites, alimentado por uma corte de servidores que, percebe-se agora melhor, não só se abstêm de conter as suas pulsões mais autoritárias e arbitrárias, como as estimulam e aplaudem. 

Dia após dia, Trump confirma uma natureza incontrolável e um fascínio quase infantil pelo exercício do poder, que o leva a discursos e atitudes cujo ridículo parece não reconhecer. É duvidoso que tenha consciência do desprezo e do escárnio silencioso que o seu comportamento suscita, inclusive entre muitos republicanos que, apesar de o apoiarem, têm um historial político que apontaria para uma atitude bem diferente. Trump parece imune ao ridículo - vive enlevado pelo poder de que dispõe e pelo caráter ilimitado da sua autoridade. Sintomático disso é o testemunho da sua chefe de gabinete, que declarou, numa entrevista à Vanity Fair, que Trump “acha que pode fazer tudo o que quiser”.

O que hoje se questiona, perante a sucessão dos seus comportamentos, é se o presidente dos Estados Unidos não revela já sinais de declínio mental. Muitas das suas atitudes roçam o desequilíbrio, e o caráter pueril de algumas delas - como as caricatas placas de comentário sobre os seus antecessores, afixadas na galeria dos presidentes - parece denunciar uma perda de discernimento e de controlo emocional.

Se Trump fosse líder de um pequeno país, sujeito a constrangimentos reais no exercício do poder, haveria limites à sua arbitrariedade. A história está repleta de ditadores megalómanos que, por muito autoritários que fossem, encontraram barreiras externas às suas fantasias de grandeza. Trump, ao contrário, dispõe do poder da maior força militar do mundo - que tende a cortejar e favorecer, o que leva alguns a temer que possa tentar instrumentalizá-la para se manter no poder, invocando um cenário de “guerra” interna e instaurando um regime de exceção.

Com Trump, tudo parece possível. O que não se vislumbra, porém, é a possibilidade de uma intervenção institucional que o submeta a uma avaliação médica de sanidade. Por muito que os sinais de perturbação se acumulem - e que deles possam advir gestos ou aventuras com potencial de pôr o mundo em risco —, nada indica que alguém, no interior do sistema americano, esteja disposto ou seja capaz de travar a deriva.

Os americanos costumam repetir “God bless America”. Eu, que não tenho fé, temo antes pelo que a América de Trump possa fazer ao mundo.

quinta-feira, dezembro 18, 2025

"Janus"

Foi hoje apresentado na Universidade Autónoma de Lisboa o anuário de relações internacionais "Janus", relativo a 2024/2025, numa edição conjunta do Observare e do Clube de Lisboa / Global Challenges.

Como presidente do Clube de Lisboa / Global Challenges e investigador do Observare coube-me falar do tema que marca este número da Janus - "Guerras - as mediáticas e as esquecidas". 

Dei ao meu texto o título de "A Luisinha Carneiro vive em Kharkiv". Pode lê-lo aqui.

A unanimidade na UE


No seu recém-publicado livro "O Divórcio das Nações - o colapso da ordem mundial visto por dentro", João Vale de Almeida, um credenciado funcionário português dentro das instituições comunitárias, que ocupou os mais importantes cargos no quadro da ação externa da União Europeia, escreve este parágrafo em que muitos deviam refletir.

quarta-feira, dezembro 17, 2025

Só visto! Contado ninguém acreditaria!



Placas colocadas por ordem de Donald Trump sob as fotografias oficiais de Barack Obama e Joe Biden, na Casa Branca.

terça-feira, dezembro 16, 2025

Os caminhos da justiça

Em 2019, numa publicação no Twitter, inseri um comentário crítico sobre uma atitude de um treinador de futebol, que tinha acabado de observar na televisão. Curiosamente, precisamente por virtude do comportamento que eu tinha criticado, esse profissional do desporto viria, dias mais tarde, a ser punido pela justiça desportiva. 

Uma expressão que eu tinha utilizado nesse texto no Twitter, para qualificar essa mesma pessoa pela atitude que tinha tido, foi por ela entendida como ofensiva, pelo que encaminhou o assunto para a justiça. 

A magistrada encarregada do processo apresentou, à margem das audiências, uma proposta de conciliação que teria permitido o encerramento do mesmo: eu aceitei os termos dessa proposta, o queixoso não aceitou. 

Em 2023, no termo do processo, a justiça portuguesa decidiu que eu deveria pagar uma indemnização a essa pessoa, bem como uma multa ao Estado português e as custas do processo. Assim fiz. 

Porque sempre considerei, como afirmei em tribunal, que o que tinha escrito no Twitter se inseria plenamente dentro dos limites da minha liberdade de expressão, apresentei uma queixa sobre a decisão da justiça portuguesa junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. 

Constatou-se agora que a minha diligência tinha pleno sentido. Aquele tribunal europeu apresentou recentemente uma proposta de resolução conciliatória, para eu poder desistir da minha queixa. Aceitei a proposta que me foi feita. O Estado português também aceitou, o que, pela sua parte, constitui o reconhecimento implícito de que iria ser condenado se acaso eu tivesse decidido levar o processo até ao seu termo. 

Vou assim ser ressarcido pelo Estado português por um montante que cobre a indemnização e a multa que tinha pago, bem como as custas do processo, além de incorporar uma compensação por outros danos que o curso do processo na justiça portuguesa me causou. 

São estes os caminhos da justiça.

16 de dezembro de 1965


Faz hoje 60 anos. Tudo começou numa conversa, num passeio ali pela avenida Carvalho Araújo, em Vila Real. Tínhamos 17 anos. A conversa nunca mais parou. Continuou pelo Porto, Lisboa, Oslo, Luanda, Londres, Nova Iorque, Viena, Brasília, Paris e, por fim, de novo, Lisboa. Foi - e continua a ser - uma serena aventura. Aqui chegados, o que pedimos à vida? Somos modestos: só pedimos tempo.

segunda-feira, dezembro 15, 2025

Quem negoceia?

Pode estar a haver um grande equívoco semântico quando se fala de "negociações" sobre a Ucrânia que estarão a decorrer em Berlim. Está a ser criada uma expectativa que pode ser bem ilusória. Ninguém "negoceia" nada por ali, a menos que Witkoff tenha um "mandato" russo...

Não há limites?


Donald Trump escreveu isto hoje na rede Truth Social:

"Aconteceu algo muito triste na noite passada, em Hollywood. Rob Reiner, um cineasta e estrela de comédia outrora muito talentoso, mas atormentado e em declínio, faleceu juntamente com a sua esposa, Michele, alegadamente devido à raiva que provocava nos outros através da sua enorme, inabalável e incurável aflição por uma doença mentalmente incapacitante conhecida como Síndrome de Perturbação por Trump (em inglês Trump Derangement Syndrome – TDS). Era conhecido por enlouquecer as pessoas com a sua obsessão furiosa com o Presidente Donald J. Trump, atingindo novos níveis de paranoia à medida que a Administração Trump superava todos os objetivos e expetativas de grandeza, e com a Idade Dourada da América sobre nós, talvez como nunca antes. Que Rob e Michele descansem em paz!"

Leiam bem! Este tipo de discurso "justificativo" já ultrapassa as piores expetativas.

Fiado


Deve ter dado para pagar a fiança...

Se eles o dizem...

"Raramente tenho visto um governo tão falho de ideias, a navegar à vista e sem um projeto mínimo para o país como está a ser este segundo governo Montenegro". Belisquei-me: quem me dizia isto há dias, quase sem pedir segredo, era um destacado militante do PSD. Não me atrevi a contrariá-lo...

De nada!

Posso dar um conselho para o período das Festas? Evite o tema das presidenciais. Ninguém tem uma boa razão, minimamente suscetível de ser aceite pelo outro, para justificar uma preferência em matéria de candidato a Belém.

Prova provada

A melhor prova de que a greve geral foi um êxito foi ver um político populista dar o dito por não dito e colar-se de imediato a ela, passando a defender a legitimidade e a justiça do movimento grevista. O importante é saber de onde sopra o vento...

Elucidário

Por aqui e nas televisões, devem estar a emergir comentários segundo os quais é um "exagero" considerar de extrema-direita a agenda do candidato vencedor das eleições presidenciais do Chile. Alguns diraão que se trata de um programa liberal... e ficará tudo dito!

domingo, dezembro 14, 2025

Teresa de Sousa


Desde há décadas, mantenho com a minha amiga Teresa de Sousa, que há muito considero ser a mais qualificada jornalista portuguesa em temas internacionais, um animado diálogo crítico, feito de muitas convergências e de algumas divergências - umas táticas, outras estratégicas. 

No quadro do Forum Demos, um espaço de livre debate incansavelmente animado pela serenidade inquieta do Álvaro de Vasconcelos, temo-nos encontrado e desencontrado ao longo dos últimos anos. A Teresa, tal como o Álvaro, é oriunda de um tempo de luta anti-fascista que teve como referente as ideias maoístas puras e duras, das quais estive sempre bem distante. A partir daí, inicialmente sob a influência de um certo atlanticismo tributário da Guerra Fria a que não fui sensível, ambos evoluiram para um europeismo com tons federalizantes, do qual só muito lentamente me fui aproximando, na construção de um olhar, comum no essencial, sobre o mundo que nos está próximo. 

Nos últimos tempos, voltámos a divergir um pouco: por exemplo, não olhamos da mesma forma as soluções práticas para o conflito ucraniano ou as virtualidades de figuras como Biden, Macron ou Merz. Mas, vá lá!: coincidimos, no essencial, na nossa perspetiva sobre a figura de Trump. A vida em democracia é isto mesmo: diálogo aberto, confrontação de ideias.

Teresa de Sousa vai amanhã receber um doutoramento "honoris causa" pelo ISCTE. Nada poderia ser mais justo. É a homenagem certa a uma grande jornalista, a uma intelectual de imenso mérito, a uma mulher livre, uma das figuras mais interessantes da geração política que lutou para que Abril se concretizasse e que, daí para a frente, defendeu sempre, com grande coerência, as ideias em que genuinamente acredita.

Parabéns, cara Teresa! Honra ao mérito!

Belos anos


A professora Raquel Soeiro de Brito, numa efeméride que o "Público" hoje muito justamente assinala, fez 100 anos.

Raquel Soeiro de Brito, que durante a última década encontrei no Conselho da Ordens Honoríficas Portuguesas, que ambos integramos a convite do Presidente da República, foi minha professora de Geografia, nos idos de 68, no ISCSPU - isso mesmo, com um "U" no fim, como o Ultramar que o país então "tinha". Isso passou-se há 57 anos. 

Numa dessas suas interessantes aulas, que os alunos não esqueciam, ela contava a aventura que havia sido a missão que desenvolveu nos Açores, por ocasião do surgimento do vulcão dos Capelinhos, acompanhando o histórico geógrafo Orlando Ribeiro. O acontecimento tinha ocorrido uma década antes, em 1957, fez agora 68 anos.

Olhei para a minha estante e deparei com a primeira edição da mais clássica obra de Orlando Ribeiro - "Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico". É de 1945. Há 80 anos.

Tantos mas belos anos!

Muito parabéns, cara Professora! 

Poodles

Entre nós, a nova estratégia de segurança dos EUA está a fazer as delícias do comentariado da extrema-direita e aparentados. Nas redes e nos jornais, apressaram-se a gabar a "sensatez" do texto e a radiografia da Europa ali desenhada. Os nossos "poodles" daquela América nunca surpreendem!

sábado, dezembro 13, 2025

Mundos & Fundos

O arresto dos fundos russos pela UE é perfeitamente coerente com a postura que esta tem assumido face à causa ucraniana. 

Contudo, é bom ter claro que, para sempre, a Europa vai perder a imagem de um espaço confiável para depósito de valores internacionais. 

sexta-feira, dezembro 12, 2025

Comentários


Desde há meses, por razões que expliquei, deixei de admitir comentários no blogue. Vários amigos, contudo, continuam a alimentar a ideia de que a vida por aqui se torna bastante mais animada com a existência de comentadores. Não duvido. Contudo, ela também se torna-se frequentemente mais turbulenta e polémica, o que me obriga a ser bastante seletivo e, por isso, desagradável para alguns. Enfim, não se pode ter o melhor de dois mundos. Mas "let's give it a try". A partir de 1 de janeiro de 2026, o blogue voltará a aceitar comentários.

Alfenim


Posso confessar um segredo? Até há uns meses, só vagamente tinha ouvido falar do alfenim. Hoje, na Casa da América Latina, como presidente do júri do Prémio Científico Mário Quartin Graça, anualmente atribuído uma tese de doutoramento em Ciências Sociais e Humanas, anunciei a premiação de um estudo universitário sobre a trajetória histórica, no espaço ibero-americano, dessa massa de açúcar que é conhecida como alfenim. Da autoria da historiadora brasileira Amanda Geraldes, a tese revela o percurso interessantíssimo daquele produto, ao longo dos tempos e das civilizações. No meu caso, quase que senti uma "vergonha" dupla: só recentemente vim a conhecer melhor o alfenim, muito embora seja vice-presidente da Academia Portuguesa de Gastronomia e presidente da Assembleia Geral da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal. Aprende-se até ao fim da vida! 

Lídia Jorge


Parabéns, cara Lídia. A atribuição do Prémio Pessoa a Lídia Jorge é um ato de meridiana justiça. Tenho a sensação de que os portugueses não conhecem suficientemente a extraordinária personalidade e a grande figura ética que é Lídia Jorge, que vai muito para além da escritora, mas que através desta pode ser pressentida.

...ice!


Marco Rubio ordenou à diplomacia americana que mudasse o estilo de letra a usar, passando do "ousado" Calibri para o mais tradicional Times New Roman. 

Correria o risco de cair no politicamente incorreto se escrevesse, com todas as letras, o que acho desta picuinhice...

quinta-feira, dezembro 11, 2025

AI a IA!

Há mesmo muitos anos, nos idos de 70, perante o mistério que então era para mim a informática, comprei um livrito que pensava explicativo e simplificador. Era escrito por um autor português, pessoa com que eu me tinha cruzado em outras "guerras" e que me parecia ser gente sensata. O livro era uma chatice. Li umas páginas e arquivei-o para sempre numa estante. Hoje, deve jazer no fundo bibliográfico que, com o meu nome, existe na Biblioteca Municipal de Vila Real. Aconteceu-lhe o mesmo que a tantos outros volumes que adquiri mas nunca li, e que, com toda a boa e ingénua vontade, durante anos guardei para, um dia mais tarde, me ilustrar. Imagino o ridículo que deveria ser ler, nos dias de hoje, esse texto português de divulgação sobre a informática.

Lembrei-me disto a propósito da Inteligência Artificial. Tal como a informática era a maravilha das maravilhas nesse outro tempo, damo-nos hoje conta de que é a Inteligência Artificial que suscita um interesse e curiosidade crescentes. No fundo, uma é parente em linha direta da outra, com a prima Internet pelo meio. Não sei quase nada sobre IA (sou pouco dado a usar siglas modernaças, mas, desta vez, vá lá!) mas, como sou, nos dias de hoje, um seu utilizador diário compulsivo, estive esta tarde, com genuíno interesse, a ouvir falar do assunto numa conferência na FLAD. Era conversa para gente comum, que se podia seguir, por não estar revestida daquela ganga semântica que enche certas palestras que repetem um mantra vocabular de seita. Infelizmente, não pude ficar até ao fim, mas aprendi alguma coisa com o que ouvi. Ou melhor: a conversa suscitou-me novas dúvidas, o que só prova que foi produtiva. Pelo menos para mim

Tenho um amigo que repete, com frequência: até ao início da casa dos setenta, nós aprendemos coisas; depois dessa idade, mandamos bocas sobre o muito que já aprendemos, sem necessitar de ler muito mais. Estou em completo e crescente desacordo com esse amigo: cada vez tenho mais curiosidade sobre as coisas. E é precisamente a Inteligência Artificial que me tem ajudado a alimentar essa atitude. Mas uma coisa já decidi: não irei comprar nenhum livro sobre o tema. Quando quiser saber alguma coisa sobre ele, pergunto ... à Inteligência Artificial.

Outra banda


Ao almoço de hoje, tinha esta vista.

Sarkozy

A tentativa de branqueamento da imagem de Sarkozy - condenado definitivamente num processo, prestes a sê-lo em outro, que já o levou à cadeia, e ainda com outro a caminho - é um "case study" de manipulação, apadrinhada por grupos de media tomados pela direita radical.

Mais ou menos

Dá-me imenso gozo o tradicional despique de números entre o governo e as centrais sindicais, por ocasião greves: um a tentar desvalorizar os impactos, as outras a engordarem os números. Para o cidadão comum, a conclusão é sempre a mesma - e não é nada digna: estão ambos a mentir.

Há guerra?

O secretário-geral da NATO diz que estamos prestes a entrar em guerra com a Rússia. Tenho uma dúvida. Se isso é verdade, não deveria o nosso governo informar-nos? Se não é, não deveriam as autoridades portuguesas, desde já, repudiar o irresponsável alarmismo do cavalheiro? Ou a NATO é uma espécie de ONG que se permite mandar bitaites?

A greve

A nossa reação face ao exercício do direito à greve é um barómetro infalível sobre a forma como intimamente respeitamos os direitos constitucionais, sobre a nossa consciência democrática. Frequentemente, uma determinada greve irrita-me e incomoda o meu quotidiano. Nessa ocasião, faço-me sempre uma pergunta muito simples: gostava eu de viver no tempo em que não havia o direito à greve? 

quarta-feira, dezembro 10, 2025

"A Arte da Guerra"


A estratégia de segurança americana, a nova Síria e o debate político em França. Veja aqui.

segunda-feira, dezembro 08, 2025

Se é assim, não!

Tem imensa piada constatar alguma indignação tuga em face da assumida agressividade americana contra a Europa. A maioria dessa gente acha que a Europa deve assumir-se como potência, autonomizar-se e garantir uma defesa autónoma, para não continuar a depender dos EUA. Mas, espera aí! Isso significa militarizar a Europa? Ah! Não, isso não! Pois...

Carlos Loureiro da Costa (1949 - 2025)



A cremação terá lugar pelas 16.30 no Cemitério do Alto de S. João, na terça-feira, dia 9 de dezembro

domingo, dezembro 07, 2025

Europa

A União Europeia não é uma pátria, é uma agregação de Estados que entenderam que colaborar em conjunto em áreas que têm em comum constitui um valor acrescentado para os seus cidadãos. A minha pátria é Portugal, a Europa comunitária é uma opção de vida: livre e racional. 

sábado, dezembro 06, 2025

A Europa de que eles gostam


Ora aqui está um conselho do patusco do Musk que, se bem os conheço, vai encontrar apoio nuns maluquinhos raivosos que também temos por cá.

A ninguém é mais apropriado responder com a clássica frase: "Mind your own business!"

Que suerte!

Ao ler a "sorte" reservada à América Latina na nova Estratégia de Segurança dos EUA, lembrei aquilo que um dia foi dito ser o eterno destino do México: "Tan lejos de Dios y tan cerca de Estados Unidos" (frase que julgava ser de Porfirio Díaz, mas que afinal é de um tal Naranjo).

sexta-feira, dezembro 05, 2025

Não há pachorra!


A bica já tinha chegado.

- Ouviram falar do que aconteceu ontem em Loures? E com metralhadora! 

- (silêncio meu, comentários vários da "plateia").

- E nas aldeias?! Há cada vez mais casas assaltadas! Mas ninguém fala disso!

- (silêncio meu. Ouviu-se um "pois é").

- Isto está cada vez pior, não sei onde vamos parar.

Pausa

- E anda por aí a morrer gente de forma muito estranha. Mas ninguém quer falar, claro! É que já sabem o que lhes acontecia se falassem! Essa é que é essa! Quer mais um café? Não? Quer fatura?

- Quero!

O que há de novo na Estratégia de Segurança Nacional dos EUA 2025 (ChatGPT)

Perguntei ao ChatGPT que respondesse a esta questão:

• Supremacia no Hemisfério Ocidental e “doutrina Monroe” revisitada 

O documento reafirma uma versão atualizada da Monroe Doctrine — agora chamada de “Trump Corollary” — com o objetivo de garantir o domínio dos EUA sobre as Américas, vendo qualquer interferência externa (como da China ou Rússia) como ameaça. 

A estratégia propõe realocar a presença militar global dos EUA: dá prioridade ao Hemisfério Ocidental e reduz o envolvimento militar em regiões que o texto considera de importância menor para a segurança nacional. 

Há menção explícita ao reforço militar no Caribe e América Latina — inclusive com operações contra narcotráfico, controle de rotas marítimas e combate a cartéis. 

• Controle da imigração e “segurança das fronteiras” como prioridade 

A estratégia afirma que “a era das migrações em massa deve acabar” e coloca o controle das fronteiras como “o principal elemento da segurança nacional”. 

O texto associa a imigração descontrolada a várias ameaças: terrorismo, tráfico de drogas, espionagem e tráfico de pessoas — e define como meta impedir essas “invasões transfronteiriças”. 

• Revisão da presença global e redefinição de prioridades externas 

Segundo o documento, os EUA abandonam a ideia de “polícia do mundo”: recusam o papel de potência hegemônica global disposta a intervir em todos os conflitos. 

O texto sugere que os EUA só irão intervir quando for diretamente necessário para a segurança nacional ou para proteger interesses estratégicos — marcando um “realismo flexível” em política externa. 

A nova estratégia continua a apontar rivais como a Taiwan e a China (no Indo-Pacífico) como áreas de interesse, mas coloca menos ênfase na confrontação global imediata — evitando definir a China como “ameaça número um”. 

• Críticas à Europa: “declínio civilizacional” e advertência sobre futuro da aliança transatlântica 

A estratégia dedica parte substancial para criticar a Europa: aponta para o que chama de “declínio civilizacional”, ligado a migração, perda de identidade nacional, políticas de imigração e suposta erosão dos valores fundamentais. 

O documento adverte que, se as tendências atuais continuarem, a Europa poderá estar “irreconhecível” em 20 anos ou menos. 

Há um recado indireto para a estrutura de alianças: se muitos países europeus passarem por “erosão civilizacional” e declínio militar ou económico, isso afetaria a confiabilidade da aliança militar transatlântica. 


Que visão de mundo e prioridades isso reflete 

A estratégia consagra a ideia de que os interesses dos EUA estão primeiro nos “interesses nacionais” — soberania, segurança das fronteiras, controle migratório, domínio regional nas Américas — e não na manutenção de um ordenamento global baseado em alianças e intervenções prolongadas. 

Em termos geopolíticos, o documento assume que os EUA devem retornar a um papel de “potência hemisférica”, não de poder global intervencionista permanente. Isso altera profundamente a forma como os EUA planejam sua presença internacional. 
  
A estratégia mistura fatores de segurança (terrorismo, narcotráfico, fronteiras), económicos (interesses comerciais, controle de recursos estratégicos), e culturais/identitários (visão crítica sobre migração, identidade nacional, soberania), mostrando uma abordagem multifacetada, não puramente militar. 

O que há de novo na Estratégia de Segurança Nacional 2025 (Perplexity)

Pedi ao Perplexity (IA) que respondesse a esta questão

Há várias inovações substantivas neste texto face às estratégias de segurança nacional “convencionais” pós‑Guerra Fria, tanto de conteúdo como de estilo político‑doutrinário.

Rupturas de enquadramento geral

O documento rejeita frontalmente a ambição de “liderança global” ou “dominação” americana como objetivo legítimo, redefinindo a estratégia como defesa de um conjunto estreito de “core national interests” e qualificando as estratégias anteriores como listas difusas e maximalistas. Afirma explicitamente que a finalidade da política externa é apenas proteger interesses vitais e que muitas questões globais, por mais “dignas”, não devem ser objeto de ação americana prolongada.
Ideologia interna como variável de segurança

Há uma fusão inédita entre agenda interna e segurança nacional: combate a DEI, reindustrialização, energia fóssil, restauração da “saúde espiritual e cultural” e promoção de “famílias tradicionais” são elevadas a pré‑condições diretas da segurança externa. A defesa de meritocracia, oposição a “radical ideologies” internas e reforço do estatuto do trabalhador americano surgem como princípios estruturantes da estratégia, não apenas como política doméstica.

Migração e soberania: rutura programática

O texto declara que “a era da migração em massa acabou” e define controlo de fronteiras como elemento primário de segurança nacional, ligando imigração a “invasão”, crime, fragmentação social e ameaça à sobrevivência da república. A defesa da soberania é levada ao ponto de ver com suspeita organizações internacionais, ONGs transnacionais e mesmo a utilização da imigração para “construir blocos de voto leais a interesses estrangeiros”.

Relação com aliados e instituições

Surge uma doutrina de “burden‑shifting” mais dura: o texto proclama “fim dos dias em que os EUA sustentam a ordem mundial como Atlas” e introduz como novo marco a “Hague Commitment”, em que os aliados da NATO se comprometeriam a gastar 5% do PIB em defesa, indo muito além do objetivo de 2% consagrado em cimeiras anteriores. Paralelamente, recusa a lógica de alianças em expansão contínua (NATO) e insiste em condicionar ajuda e acordos à redução da influência de atores externos (sobretudo China) em infraestruturas e ativos estratégicos.

Doutrina regional inovadora

No hemisfério ocidental, formula um “Trump Corollary to the Monroe Doctrine”, declarando a preeminência americana no continente como condição existencial e assumindo o uso de força letal contra cartéis e redes de tráfico, bem como reconfiguração da presença militar para esse fim. Em África e no chamado “Sul Global”, substitui retoricamente a lógica de ajuda por uma orientação centrada em investimento, acesso a minerais críticos, energia (incluindo nuclear) e integração financeira em torno do dólar.

Economia, energia e tecnologia como eixo

A estratégia apresenta um programa de “reindustrialização” e reshoring como ferramenta central de segurança, articulado com o uso sistemático de tarifas, controlo de cadeias de valor estratégicas e “mobilização nacional” para reconstruir a base industrial de defesa, incluindo capacidade de produzir armamento barato em massa. No domínio energético, proclama “energy dominance” em petróleo, gás, carvão e nuclear, rejeitando explicitamente as agendas de “climate change” e “Net Zero” como desastrosas para EUA e Europa e como formas de subsidiar adversários.

Narrativa de “realinhamento pela paz”

O documento reivindica uma doutrina de “realignment through peace”: utiliza acordos de paz presidenciais, inclusive em teatros considerados periféricos, como instrumento deliberado de expansão da influência e abertura de mercados. Atribui a Trump um estatuto de “President of Peace”, com uma lista de oito conflitos supostamente resolvidos no início do segundo mandato (incluindo Israel‑Irão, Índia‑Paquistão, DRC‑Ruanda, fim da guerra de Gaza com libertação total de reféns), algo claramente distinto da prática e da retórica de estratégias anteriores.

BB do outro lado

Hoje, dia em que tanto se falará da BB, aqui fica outro BB, o genial Bertolt Brecht, comunista como já não está na moda alguém ser. O seu ...