Em particular desde Sarkozy, a direita republicana francesa vive num tentação crescente de mimetizar a narrativa da extrema-direita. O objetivo é simples, captar o eleitorado que vota Rassemblement National.
Passados os tempos de Jacques Chirac e de Alain Juppé, em que a preocupação com as "linhas vermelhas" ainda existia, já com François Fillon essa tentação tinha emergido.
Constata-se que o discurso securitário, somado à diabolização da imigração, com o mito da "grande substituição" pelo meio (embora o seu principal divulgador, Éric Zémmour tenha já aparentemente perdido o seu tempo político) tem vindo a ganhar crescente eco no Les Républicains, o último dos heterónimos daquilo que, num tempo longínquo, já foi o partido de De Gaulle.
Nos dias de hoje, enterrado o pai Le Pen, com a filha "normalizada" pelo conveniente arquivamento das incómodas alusões ao "détail" do holocausto, o RN já se converteu no partido mais forte na Assembleia Nacional francesa. Por isso, captar quem nele vota é hoje o claro objetivo do antigo partido gaullista, parte do qual já se aliou a Le Pen - como se viu com Éric Ciotti e com Thierry Mariani, entre outros.
Mas Marine Le Pen não está ainda livre de algumas trapalhadas financeiras, por alegado descaminho de verbas do Parlamento Europeu. As suas hipóteses de assumir uma candidatura presidencial em 2027 não são, de todo, uma certeza. Se essa inelegibilidade de confirmar, o único nome possível para o RN seria Jordan Bardella, um jovem de 29 anos que tem passado o último ano a cultivar uma imagem de Estado, como putativo sucessor de Le Pen, se os caminhos da justiça a isso obrigarem.
É neste cenário de hesitação interna na área da extrema-direita que o Les Républicains aposta. Mimetizando já as bandeiras da extrema-direita, o partido aposta na possibilidade de apresentar uma candidatura que, simultaneamente, capte votos que poderiam ir para a extrema-direita e garantam a fidelidade da direita pós-gaullista tradicional. Isso pode ser ainda mais facilitado com o caos que atravessa o mundo do macronismo, em crescente desagregação e embaraçante conflitualidade interna. Essa candidatura presidencial do Les Républicains vai cair, ao que tudo indica, em Bruno Retailleau.
Durante meses, contudo, a luta foi intensa dentro do partido. Laurent Vauquiez, que continua a chefiar os deputados do Les Républicains, perdeu a luta interna para Retailleau, uma figura subitamente emergente no olimpo da direita republicana, que se agarra como uma lapa ao Ministério do Interior, uma posto que, em França, é sempre uma interessante rampa de lançamento político.
Oriundo do nacionalismo folclórico de Philippe de Villiers, agora promotor de uma tentativa de referendo sobre a imigração, Retailleau foi o principal "culpado" do falhanço do governo de Sébastien Lecornu, numa arriscada lógica de "destruição criativa", cujo efeito final na opinião pública ainda não é muito evidente.
Para já, deixa claro que o Les Républicains não apoiará uma nova solução governativa titulada por socialistas ou macronistas. Vistas as alternativas possíveis, quase se pode adivinhar que só um seu militante colocado em Matignon o satisfaria.
Para os analistas, isto tem graça. Desconfio que terá menos para os franceses.
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