segunda-feira, dezembro 23, 2024
Confesso os figos
domingo, dezembro 22, 2024
Agostinho Jardim Gonçalves
Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma extraordinária vocação para a cooperação com África, área em que eu então trabalhava. Tivemos várias reuniões. As suas ideias e o seu entusiasmo pareciam inesgotáveis. Às vezes, era impaciente, incapaz de conviver com o ritmo modorrento da decisão oficial. Discutíamos sempre com grande cordialidade e daí nasceu uma muito boa relação entre nós. Voltámos a cruzar-nos, por outras razões, quando era o braço direito do Cardeal Patriarca, dom José Policarpo. As últimas vezes que o encontrei confirmavam, à evidência, a doença que o afetava. Mas teimava em falar só do futuro. Há duas semanas, no Grémio Literário, esteve no lançamento de um livro que ali apresentei. Fiz-lhe uma especial saudação, nas palavras que proferi. Posso agora confessar que tive o pressentimento de que aquele era o seu último sorriso que eu veria.
Hoje lembrei-me do padre Domingos
BOAS FESTAS!
Histórias da música e da política
sábado, dezembro 21, 2024
"Quem quer regueifas?"
A regueifa, tostada ligeiramente por fora, tem uma textura muito própria e liga lindamente com qualquer doce, ou barrada simplesmente com manteiga. Para mim, o maior defeito da regueifa é que, passadas algumas horas, o miolo torna-se borrachoso e passa àquilo que, em minha casa, se costuma designar por "fase Firestone" dos pães. Acontece o mesmo com as baguetes de pão francês. Para evitar isso, só há uma solução: congelar ou comer logo. Sou um adepto militante da segunda solução.
Na nova A4, não há regueifas à venda, claro. E, ontem, sei lá bem porquê, talvez nostalgia de outros Natais, apetecia-me comer uma regueifa. Por isso, saído do Porto, deu-me para regressar à "estrada velha" e ir à procura de regueifas. Bati com o nariz no balcão de várias casas: as regueifas já estavam esgotadas, tinham-se vendido da parte da manhã. Para um cliente vespertino como eu, era uma péssima notícia. Mas não desisti. E, com a ajuda do "tio Google", consegui comprar uma bela regueifa nos arredores de Penafiel (embora o seu formato não seja o clássico que figura na imagem). Deixo o nome da casa, uma magnífica pastelaria, com serviço extremamente atencioso, não longe do hospital: "Cacaulate". Entrei à procura de regueifas, deixei-me atrair também pelos doces. É a vida! Tão cedo não faço análises, é o que me vale...
sexta-feira, dezembro 20, 2024
Entrevista à revista "Must"
Aque horas se costuma levantar?
Em regra, tarde. Desde que saí da função pública, recusei todos os convites para atividades “from-nine-to-five”, para tarefas executivas. E foram alguns. Desde há 12 anos, sou dono de grande parte do meu tempo, coisa que não tinha sido durante 41 anos. Leio muito e preciso da noite para ler. Assim, tento que o meu dia comece sete horas após o momento em que me deito. Aliás, decido a hora a que me deito e a que quero acordar em função da agenda do dia seguinte. E ponho dois despertadores, para não ter surpresas. Se nada tenho marcado para a manhã, acordo quando acordar.
O que costuma refletir/ponderar/pensar nos primeiros minutos acordado?
Não sou um intelectual das manhãs. Nunca tive ideias geniais ao acordar. Só tenho sono. Não acordo logo, vou acordando. Eu sou como a madrugada: o dia vai nascendo dentro de mim. Verdadeiramente, só acordo cerca de uma hora depois de despertar.
Qual é a sua rotina quando se levanta?
Começo por olhar o iPhone e o iPad, para ver se houve chamadas ou mensagens relevantes. Depois, verifico os emails. Durante a noite chega um mínimo de duas dezenas de emails. Mas quase nada a que seja necessário responder: são essencialmente alertas e notícias, de várias partes do mundo. Umas leio logo, outras guardo para mais tarde, muitas nunca as chego a abrir. Mas procuro ser rápido na resposta a emails que me dirigem.
Que tipo de pequeno-almoço costuma tomar?
Ninguém vai acreditar: não sou eu quem decide. Tanto pode vir fruta como uma torrada com manteiga ou doce ou um iogurte. Ontem, foi Bolo Rei. É sempre um “happening”. No final, em regra, um café expresso.
Costuma haver algum tipo de atividade antes de começar o dia?
Rigorosamente nada. Não sou dado a ginásticas ou coisas assim. É a única coisa em que sou fiel seguidor das ideias de Churchill.
Como são os seus trajetos? Como os faz? A pé, automóvel, transportes…
Em regra, ando em três meios de transporte: de carro, de carro ou de carro. Ando muito pouco a pé e raramente de transportes coletivos. Ando muito de táxi e de Uber/Bolt. Sou um bom cliente da Radiotaxis. Sei que este comportamento não está na moda.
Tem algum tipo de preparação prévia antes do trabalho?
Não tenho rotinas diárias. Tenho tarefas em empresas, que podem ocupar o dia todo ou uma parte do dia. E que ocorrem pontualmente, algumas com atividades separadas por semanas. A maioria são em Lisboa, outras são fora, às vezes no estrangeiro. Antes dessas reuniões, há bastante material para ler e, algumas vezes, trabalho escrito para executar.
A que horas começa a trabalhar?
Trabalho quando entendo. Cada dia é diferente do outro. Às vezes tenho que escrever, na maioria dos casos leio informações e tomo notas durante algumas horas. Posso começar essa atividade depois de acordar, deixá-la para a tarde ou mesmo para a madrugada, onde o trabalho parece render sempre mais. É de madrugada que me surgem algumas ideias geniais. Depois, durmo “sobre” elas e, no dia seguinte, constato, em geral, que eram ideias banais.
Quais são as suas principais tarefas e responsabilidades?
Executo estudos de consultoria estratégica para que sou solicitado, faço parte de órgãos de gestão e supervisão de empresas, sempre em áreas não executivas. Faço comentário sobre temas internacionais na comunicação social, quando a isso convidado e se tenho interesse e disponibilidade para o fazer. E faço palestras e intervenho em debates.
Como gere o seu tempo?
Depois de décadas em que a decisão sobre o tempo não me pertencia, uso a liberdade que ganhei de uma forma um pouco caótica, mas altamente satisfatória. Na véspera de cada dia, arrumo a respetiva agenda, que é imensamente variada.
Como lida com a pressão e o stress?
Bem e mal. Como ficou demonstrado pelo momento de entrega deste inquérito, trabalho sob pressão do tempo e sob algum stress. Às vezes, aceito demasiadas coisas, para serem feitas simultaneamente, e isso traz-me uma pressão desagradável. Já pensei corrigir-me, mas sou cada vez mais tolerante com os meus defeitos, os quais, às vezes, já nem vejo como tal.
Qual é a parte favorita e menos agradável do trabalho e porquê?
Sempre gostei de trabalhar. Durante bastante tempo, trabalhava muito e de forma rápida. Sempre fiz o meu trabalho com alguma satisfação, como um desafio perfeccionista perante mim mesmo. Às vezes, quando vejo mal aproveitado o que me obrigou a algum esforço, fico desagradado. Mas passo à frente. Não esqueço nem perdoo agravos, mas dou-me ao luxo de, na maior parte das vezes, não tirar desforço. Não dou a confiança de me aborrecer (muito) àqueles que me tentam prejudicar.
Tem alguém que o acompanha quando trabalha?
Atualmente não. Já trabalhei com equipas com muitos colaboradores e percebi então o meu principal defeito: a dificuldade em delegar, salvo nas escassas pessoas em quem conseguia ter plena confiança. E nunca soube trabalhar em grupo. Sei que é politicamente incorreto estar a admitir tudo isto, mas, dizia já não sei quem, só a verdade é revolucionária. E esta é a pura verdade.
Costuma fazer pausas? Para?
Faço muitas pausas, às vezes em demasia, com efeito negativo na concentração. Sinto que há em mim defeitos comportamentais que se agravam com a passagem do tempo. Aproveito as pausas para fazer coisas que me satisfazem mais do que aquilo que estou a fazer. E resisto pouco a esses impulsos.
Interrompe o trabalho para almoçar? O que costuma comer e onde?
Se estou envolvido num trabalho, o almoço pode esperar. Mas também posso continuar a trabalhar durante a refeição. Em regra, almoço fora de casa umas três vezes por semana, com amigos ou em almoços de trabalho. Alimento-me sem critérios dietéticos e com escassas preocupações de saúde: em regra, o que me apetece é, curiosamente, aquilo que sei que me faz mal. Cada vez resisto menos às tentações. Que culinária? Cozinha tradicional portuguesa, com tinto a acompanhar. Às vezes um whisky no fim. Não me trato mal...
Como lida com eventuais críticas e elogios?
Reconheço que a modéstia não faz parte das minhas maiores qualidades. Mas aceito críticas que ache inteligentes e pertinentes, desde que feitas sem um manifesto desejo de ser desagradável. Levo as observações muito a sério, em especial se vindas da parte de quem me merece respeito e cuja autoridade profissional reconheço.
O que diria sobre a ideia de que as pessoas com quem se relaciona profissionalmente têm de si?
Só perguntando-lhes. A única coisa que eu gostaria que elas pensassem de mim, para além de todos os critérios de avaliação que possam ter sobre o fruto do meu trabalho, é que faço tudo a que me dedico com afinco e seriedade. O resto, o saldo e a qualidade do que faço, é algo que eles têm o direito de julgar. Sou muito menos tolerante para os juízos de caráter.
Ao longo do dia, dá importância às redes sociais?
Bastante. As redes sociais são a minha principal fonte de chamada de atenção para os temas internacionais do dia. Utilizo várias redes sociais, onde comento mas onde raramente interajo. Não consigo ter tempo para a interlocução com os leitores. Não sei se lamento.
Tem hobbies ou atividades que faz regularmente?
Quase nenhuns, salvo algumas tertúlias almoçantes, com amigos. Vejo muito pouco televisão, leio livros, sempre em papel, leio jornais, mas já quase só online, e escrevo o meu blogue diário. Ah! E vou a concertos musicais. E, claro, visito livrarias e restaurantes. Gosto de sair de Lisboa nos fins de semana e ficar numa pousada ou num hotel, a flanar, a ler, a comer, a conversar.
A que horas costuma terminar a atividade profissional?
Nunca, na realidade. Ou melhor, essa atividade só para ao deitar. Pensando bem, trabalho mais de oito horas por dia, sete dias por semana.
"Leva” trabalho para casa?
Trabalho essencialmente em casa, pelo que não abandono o “lugar de trabalho”. Quando viajo, a minha velha pasta, além do iPad que me liga ao mundo, vai atulhada de coisas para ler e para escrever. Levo o “escritório” comigo, às vezes até para a sala de espera de um médico. E, sempre, para o Alfa Pendular, de e para o Porto, onde gosto muito de viajar.
Costuma conversar com alguém sobre a sua atividade no final do dia?
Em casa, com a minha mulher, quando ela tem paciência para ouvir-me falar de algumas das várias coisas que faço. Mas a Star Crime, a 24 Kitchen e a Mezzo interpõem-se muito.
Costuma viajar com frequência nas suas atividades profissionais?
Viajo bastante pelo país, que conheço como creio que muito pouca gente conhece. Parte dessas viagens é por razões profissionais ou por atividades “pro bono”, que algumas vezes aceito. As viagens profissionais ao estrangeiro não são muito frequentes, acontecem apenas uma meia dúzia de vezes por ano, tal como para outras tarefas interessantes como palestras, colóquios, seminários para que sou convidado. Mas sou cada vez mais criterioso na aceitação desses convites, pagos ou não.
Há muita diferença entre os dias da semana e os fins de semana?
Quase nenhuma. Apenas, em regra, não tenho reuniões ao fim de semana. Mas os sete dias são, em absoluto, idênticos, no tocante à leitura ou escrita ou outro trabalho.
Quais são os seus hábitos de jantar? Horário e exemplo de menu?
Janto muito em casa. Já fui bem mais, mas ainda sou um regular frequentador de restaurantes. Gosto de conhecer novas casas, tomo nota de recomendações, mas, crescentemente, fujo dos locais que sei que andam em voga. Sendo conhecido, entre amigos, como alguém que visita muitos restaurantes, adoro poder dizer, quando me perguntam o que achei de um determinado lugar de que toda a gente fala: “Não sei, não conheço, nunca fui lá!”. Horários? Gosto de ir pelas 20.30/21.00. Reservo sempre (sempre! e quando não aceitam reservas não vou), não fico em filas, não espero por uma mesa mais de cinco minutos. Menus? Assumo que sou um mau gastrónomo, sou muito tradicional e conservador, nada variado nas escolhas, pouco ousado perante experiências sensoriais novas.
O que faz antes de dormir?
Verifico a agenda do dia seguinte, olho o “Público” on-line e consulto alguns sites de notícias. E leio, no mínimo, aí umas 20 páginas de um dos vários (muitos) livros que tenho “em curso de leitura”, como costumo designar essa otimista tarefa que, em muitos casos, não chega nunca a ser concluída.
A que horas se costuma deitar e quantas horas dedica ao sono?
Como referi, deito-me quase sempre muito tarde, a menos que tenha tarefas a fazer cedo na manhã seguinte. Mas não tenho uma hora certa de ir para a cama. Procuro dormir sete horas por noite, mas às vezes não consigo, precisamente porque a irregularidade me prejudica o sono. Mas, não obstante esse preço, faço essa opção na vida.
Como mantém o equilíbrio entre sua vida pessoal e profissional?
Já fui “workaholic” e até quase “stakanovista”, cometendo então o erro de esperar que outros o fossem também. A minha vida foi sempre um todo: nunca parei o trabalho a uma certa hora, para depois iniciar o resto do meu dia. Nas 24 horas do dia, vou colocando aquilo que me apetece. Ou que tenho de executar. Faço parte das pessoas para quem trabalhar nunca foi um peso para a sua vida quotidiana. Além disso, fiz parte de uma espécie em extinção: as pessoas que sentiam um grande orgulho em serem servidores do Estado. Gostei muito de ter sido funcionário público (como o meu pai e o meu avô), mas tem sido imensamente enriquecedor trabalhar no setor privado, onde a “accountability” é muito mais rigorosa. Aprendi a admirar quem arrisca o seu dinheiro em negócios.
Vê-se a ter outra atividade?
Na vida, em 53 anos de trabalho, gostei de tudo aquilo que fiz. Mas admito que me teria sentido muito bem a fazer outras coisas. Sou muito adaptável e desafio-me a mim mesmo. Sou altamente competitivo comigo e – palavra de honra! – rigorosamente nada com os outros. Não faço parte das pessoas que proclamam: “Não gosto de perder, nem a feijões”. Perco e ganho com imensa naturalidade e, às vezes, até me sinto um pouco envergonhado quando ganho.
O que mais gosta e menos gosta do que faz?
O que mais gosto é, no final das tarefas, ter a consciência íntima de que fiz as coisas bem. Tenho alguma frustração quando sinto que fiz as coisas tão bem quanto sabia e podia, mas que, afinal, isso não foi suficiente para ter atingido o objetivo que pretendia. E que assim desiludi quem em mim confiou para a execução desse trabalho.
Que vergonha!
Sinto vergonha, como cidadão português, ao ver instrumentalizada a polícia do meu país, ao serviço dos sentimentos xenófobos mais sórdidos, apenas para atender à "perceção de insegurança", isto é, à descarada manobra do PSD para tentar reaver o eleitorado do Chega.
Pensem nisto!
O único cenário legítimo de colocação de tropas estrangeiras na Ucrânia, num cenário de pós-conflito, seria através de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU.
É difícil, dado o bloqueamento atual daquele conselho? Não é. Se a paz (eu não disse um acordo) vier a surgir no quadro de um entendimento EUA-Rússia, isso seria possivel.
quinta-feira, dezembro 19, 2024
São Tomé e Príncipe
Há meio século, em 26 de novembro de 1974, teve lugar em Argel a assinatura do acordo entre o governo português e o Movimento para a Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP), que abriria caminho para a independência daquele território em 12 de julho de 1975. Ontem, numa concorrida sessão na Universidade Lusófona, esse acordo foi evocado, numa oportuna iniciativa do embaixador santomense em Portugal.
quarta-feira, dezembro 18, 2024
Carlos Almada Contreiras
"Morreu o Contreiras!", chegou-me há pouco numa mensagem de um amigo. O Carlos foi o oficial da Armada com maior, e mais decisiva, intervenção no dia 25 de Abril de 1974. Teve, além disso, um papel político de grande relevo em todo o período subsequente,
Justiça europeia
terça-feira, dezembro 17, 2024
"Magano"
Por que não vou lá mais? Porque é um local muito procurado, com reservas sempre difíceis no próprio dia ou mesmo de véspera, não obstante ter preços que se não podem qualificar de baratos. Mas, se tem esse tipo de preços, por que diabo está sempre cheio? Porque se come ali excecionalmente bem. De todas as vezes que por lá almocei ou jantei, e isso vai já muito longe na minha memória, não recordo de ali ter comido mal, ou melhor, só tenho na ideia ter comido sempre muito bem no "Magano".
Voltei, com uns amigos, no passado sábado, de propósito para experimentar a nova ala que foi criada numa casa ao lado, com um espaço muito funcional e agradável. E, como sempre, comemos lindamente! Todos nós! Se gosta de cozinha alentejana, o "Magano" é uma magnífica escolha. O serviço é muito atento, às vezes até um pouco pressionante demais, e há por ali uma bela carta de vinhos.
E, por falar em vinhos, se sair do "Magano" e atravessar a rua, encontrará do outro lado a "Garrafeira de Campo de Ourique", onde a família Santos há décadas nos orienta nas melhores escolhas. De nada!
Nomenclatura
A Ucrânia reconheceu a autoria do atentado que liquidou um general russo em Moscovo. Se o Kremlin tivesse mandado matar um general ucraniano nas ruas de Kiev, as notícias falariam em "ato terrorista".
Terrorismo é sempre uma violência do outro lado.
segunda-feira, dezembro 16, 2024
Livros para o Natal - "Cartas a um jovem decente"
Comprei o "Cartas a um jovem decente" com alguma curiosidade. Sabia que Mafalda Anjos era mãe de família e interessava-me perceber o que ela quis dizer a uma geração com a qual tenho muito pouco contacto e que, já não "indo para novo", cada vez mais sinto dificuldade de interação, porque crescentemente se diluem os meus códigos da relação intergeracional.
Li o livro, menos de 200 páginas, no dia em que o comprei. O que é? É difícil de definir. Correndo o risco de todas as caricaturas, diria que estamos perante um manual de bom senso para uso das novas gerações, de onde transparecem algumas evidências que o ruído dos dias às vezes obscurece, somado ao fruto de outras experiências que só se ganham na interação com os jovens.
Mafalda Anjos assume abertamente, no texto, uma "ideologia", de que faz descarado proselitismo: a da decência. Esse é o pano ético de fundo onde projeta as reflexões que faz sobre múltiplos aspetos da vida contemporânea de quantos se aproximam ou já acederam à fase adulta da existência. Sem ser "maternalista", a autora arrisca por vezes, embora numa linguagem esforçadamente simples, um trilho cultural que, posso imaginar, deve afastar-se, aqui ou ali, daquele que constitui o núcleo de informação de muitos dos destinatários potenciais do seu texto. Mas, com esse desafio feito, fica pelo menos a consolação de que estes recebem, através das páginas que ela escreveu, uma "biblioteca" que muito os pode ajudar no futuro.
Através deste livro, escrito por uma mãe jovem, fica a saber-se bastante sobre o que pode ser a relação pais-filhos no mundo de hoje, titulada por alguém que mostra uma imensa tolerância e respeito pela liberdade dos jovens, nas escolhas que eles têm que fazer, ao chegarem às esquinas e às rotundas da vida. Deve ser bom ser filho de Mafalda Anjos.
Recomendo bastante estas "Cartas". Aprendi bastante com elas.
domingo, dezembro 15, 2024
A cor do "Salazar"
Os nossos comunistas
Faço parte dos portugueses que, nunca tendo sido militantes do PCP, têm uma profunda admiração e eterna gratidão pela luta que o partido levou a cabo contra a ditadura. Não tenho a mais pequena paciência para o argumentário preconceituoso de quantos acham que "o que eles queriam era impor uma nova ditadura". Essas pessoas nunca conseguirão entender que uma ideologia como a que alimentou o PCP, um partido criado há bem mais de um século, passou por fórmulas políticas que hoje estão definitivamente datadas, mas que fizeram parte indissolúvel de tempos em que a ideia da esperança na regeneração radical da vida social dos povos a elas estava ligada. Não perceber isto é não perceber a História. E o PCP está há muito na nossa história e nela ficará muito para além de alguns "parvenus" conjunturais.
Desprezo igualmente a recorrente visão de um PCP golpista, papão do PREC. Lidei de muito perto com gente do PCP por esse tempo, tive com eles profundas divergências e até alguns confrontos. É óbvio que os comunistas portugueses teriam apanhado o "comboio da Revolução", se o ano de 1975 tivesse corrido de outra forma, mas não foi por acaso que os moderados de novembro desse ano deixaram que o PCP permanecesse no governo e mantivesse sem interrupções toda a sua expressão política. Bem oposto era o projeto dos oportunistas que, sem êxito, procuraram aproveitar o fim do PREC para ensaiar um novo 28 de maio, uma vez mais anti-comunista.
O PCP é, desde há meio século, um partido respeitador da Constituição da República, que, em muitos aspetos, até parece ser hoje o seu verdadeiro programa político. Não conheço ninguém que possa apontar ao PCP um ato que indicie o menor infringimento da ordem constitucional instituída em 1976. É sabido que os comunistas têm um endémico azar ao capital privado, com o qual convivem com evidente esforço, e que adorariam que o tecido económico do país fosse maioritariamente público. É uma evidência que o PCP "sofre" a economia de mercado, que hoje é a matriz incontornável da sociedade portuguesa. Nunca os comunistas se reconciliaram com este estado social de coisas e nunca irão perceber nem aceitar que essa é uma das fontes da nossa atual liberdade. Mas não vejo o menor inconveniente que subsista na sociedade portuguesa um partido, embora cada vez mais minoritário, que persista nesta matriz.
Os comunistas portugueses são também órfãos inconsoláveis do fim da União Soviética, têm a Rússia como o seu "next best" e resistem a qualificar Putin como o autocrata que é. Detestam os Estados Unidos e, em geral, consideram a União Europeia uma entidade do mal. Pelo mundo, batem palmas a quem irrite o mundo ocidental, o que os leva ao ridículo de apoiarem regimes como os de Maduro, Lukashenko, Ortega ou o homem da Coreia do Norte. Mas, com toda a justiça e dignidade, estão firmemente ao lado da Palestina. No todo global, os comunistas portugueses, que sabem bem ao que andam, já se devem ter dado conta de que a vertente externa tem vindo a contribuir internamente para a sua impopularidade. Mas, para eles, o mundo há muito que é assim.
No Portugal democrático em que gosto de viver, entendo que os nossos comunistas devem ter todo o espaço para defenderem essas suas ideias, por muito que estas se afastem do "mainstream" maioritário. Comigo sempre poderão contar para ajudar a preservar publicamente esse seu direito. Desejo que o PCP tenha tido um ótimo congresso, seja lá isso o que for.
sábado, dezembro 14, 2024
"Snob Bar"
Livros para o Natal - "Só neste país"
Eu tinha vivido esses anos de "O Independente". Recordava-me do jornalismo diferente, ousado e moderno que "O Independente" inaugurara, em que se incluia uma imensidão de patifarias que o jornal fizera a muita gente, em especial durante os governos de Cavaco Silva, prolongando-se depois no consulado de Guterres. Eu próprio tinha sido alvo pessoal de uma delas. Dito isto, não deixava de reconhecer que o jornal marcara, de facto, um tempo importante na história do nosso jornalismo, pelo que achei muito interessante, informativo e instrutivo o livro que aqueles dois excelentes jornalistas sobre ele tinham escrito. Ainda às vezes consulto o livro.
Foi assim com grande curiosidade que avancei para este "Só neste país", que Filipe Santos Costa e Liliana Valente agora assinam. E não me arrependi. O livro é um magnífico repositório das imensas bizarrias que atravessaram a classe política, e não só, desta pátria que em boa hora nos calhou em rifa. Mesmo para quem, como eu, tem a pretensão de estar bastante atento ao quotidiano político, constatei que havia algumas coisas de que afinal não tinha conhecimento e, sobre outras, vi-me obrigado a rever o que julgava saber. Muito bem escrito, divertido e rigoroso, é um "album de glórias" de imensos momentos quase sempre menos gloriosos da nossa vida pública, que revelam bem como fomos e como somos, nada indicando de que assim deixaremos de ser no futuro.
O "Só neste país" pode ser uma bela prenda de Natal.
A tosse do primeiro violino
sexta-feira, dezembro 13, 2024
E o "jeunisme"?
A França sob o olhar do mundo
Dador de lições
Um país que, no prazo de um ano, teve já quatro primeiros-ministros deve ter algum dificuldade (ou melhor, algum pudor) em querer dar lições ao mundo, mandando bitaites sobre a respetiva situação política - da Ucrânia ao Líbano, passando pela África que o está a pôr com dono.
Bayrou
François Bayrou é o novo PM francês. A "novidade", depois de tantas hesitações, recai assim num dos mais antigos políticos franceses no ativo.
Sarkozy (e o Les Républicains) detesta-o, por ele ter apoiado Hollande em 2012.
Le Pen deve-lhe um gesto. Quando a candidata do Rassemblement National necessitava de um mínimo de "parrainages" de eleitos, para poder concorrer à presidenciais de 2022, Bayrou, num belo gesto "republicano", ofereceu o seu nome.
Os socialistas têm sobre ele "mixed feelings". Ségolène Royal nunca lhe perdoará a falta de endosso, na segunda volta das eleições de 2007. Noutro tom, Mitterrand dizia que uma pessoa que conseguiu superar a gaguez é sempre de respeitar.
Influências
Nunca houve dúvidas de que a Rússia procura influenciar, em favor das forças que protegem os seus interesses, eleições e movimentações políticas em alguns países. O que acho estranho é que isto pareça ser um escândalo quando os EUA, e agora a UE, atuam de forma idêntica.
quinta-feira, dezembro 12, 2024
Gostos
A revista "Ler", dirigida por Francisco José Viegas e editada por Filipa Melo, submeteu-me a um inquérito sobre (algum)as palavras de que mais desgosto e gosto.
Radha Kumar
quarta-feira, dezembro 11, 2024
"Breve Infinito - O Cais Anterior"
Pode ler o que eu disse aqui.
Prémio Mário Quartin Graça
Na minha qualidade de presidente do júri do Prémio Mário Quartin Graça, atribuído pela Casa da América Latina, intervim hoje na sessão da entrega do prémio de 2024 à académica brasileira Renata Flaiban Zanete. Anunciei também a atribuição das quatro menções honrosas, que o júri entendeu dever distinguir, dada a qualidade dos trabalhos este ano apresentados.
Franças
Os socialistas franceses mostraram abertura a poder vir a aderir a uma atitude de "não-censura" (eles que votaram a censura que derrubou o governo Barnier) a um futuro governo, mesmo que nele não participem, em troca deste se comprometer a não impor leis através do mecanismo constitucional de exceção (49.3).
A evolução dos socialistas franceses rumo a um compromisso de governo necessitará ainda de ser confirmada. O seu líder, Olivier Faure, é muito contestado internamente, nomeadamente em setores do seu grupo parlamentar.
A primeira e irreversível consequência de uma anuência do PS francês a um novo governo será a rutura do ""Nouveau Front Populaire" (NFP). Se Ecologistas e Comunistas seguirem o PS, "La France Insoumise" de Mélenchon, força principal do NFP, fará o caminho de "cavalier seule".
Dentro do PS francês há, contudo, um setor muito ligado à ideia do NFP. A razão desta hesitação é simples: se o PS tivesse ido a eleições isolado, teria tido um resultado muito inferior. Pensava-se que Faure pertencia a esse grupo próximo da LFI ...
Ao colocar o "Rassemblement National" e o LFI como extremos a isolar no caminho para um novo governo, Macron concretiza o sonho político da direita: equiparar no imaginário público o grupo de Mélenchon ao partido de extrema-direita.
terça-feira, dezembro 10, 2024
Vale tudo?
O "whataboutism" no seu melhor: perante a evidência da onda de execuções levada a cabo pelos novos senhores da Síria, as redes sociais mostram gente muito compreensiva com essa barbárie, argumentando que Assad fazia o mesmo.
No Grémio
Não olhar
A concentração das atenções na questão da Síria passa a ser o cenário ideal para que o povo palestino continue a ser objeto de um tratamento bárbaro. A Europa, entidade sempre cobarde face a Israel, parece seguir o título do clássico livro de Aldous Huxley: "Sem olhos em Gaza".
segunda-feira, dezembro 09, 2024
O "Painel" do Cardoso
No interior da velha casa que a imagem mostra, numa parede, havia um grande painel em que o artífice, descuidado, tinha trocado dois azulejos de uma nuvem, oferecendo à obra um não deliberado sentido de transgressão estética. Era o restaurante "Painel de Alcântara".
A mudança
domingo, dezembro 08, 2024
SIC Notícias
Aceitei com gosto o convite da SIC Notícias para ir hoje, depois das 19.00, falar do terramoto político na Síria e dos humores de Trump sobre a Ucrânia.
Dei conta na minha intervenção da curiosa nomenclatura que é usada para designar os insurgentes, num qualquer cenário violento. Quem não gosta deles chama-lhes terroristas. Aqueles a quem eles dão jeito geopolítico chamam-lhes guerrilheiros ou coisas mais fofas. Quem altera a designação que usava, a meio dos conflitos, chama-se a si próprio de potência oportunista.
Síria
Assad tinha muito poucos amigos. A Rússia perde um "hub" regional e o Irão um aliado. Israel e Turquia esperam tirar vantagens. Riade e Amman devem estar muito inquietos. O que se passou no Iraque e na Líbia deve fazer refletir o mundo. A região fica muito mais complexa. Já estava pouco...
sábado, dezembro 07, 2024
Confesso os figos
Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste m...