Desde o início, a liderança de Assunção Cristas, no seio do CDS, esteve longe de ser uma coisa pacífica. Isso pode não ser muito evidente para alguns observadores exteriores, mas os sinais que chegam do interior do partido indicam que a substituta de Paulo Portas está ainda muito longe de conseguir um pleno de aceitação. E que, para muitos, o seu lugar não está seguro, dependendo a sua sustentação futura de vários fatores. Quero com isto começar por notar que Cristas continua sob teste.
Alcandorado por alguns anos à partilha do poder, e dos lugares no aparelho de Estado (e não só) que esse mesmo poder sempre acarreta, o CDS digere ainda o afastamento por que passa, depois do "golpe" da "geringonça". Não tendo uma estrutura autárquica que lhe dê uma plataforma alternativa de exercício político em tempos de oposição (como têm o PSD e, mais residualmente, o PCP), o CDS foi entretanto criando hábitos de alimentação de um clientelismo de quadros que a atual travessia do deserto não favorece. E Assunção Cristas, embora não por culpa própria, é a cara desse momento difícil. A excitada vocalização histriónica, com alguma demagogia à mistura, de algumas das suas prestações parlamentares não a tem ajudado muito.
Uma nota pouco conhecida: dos dois partidos da oposição, o CDS é aquele que mantém uma relação mais eficaz, discreta mas operativa, com o presidente da República. Se se olhar para a Casa Civil de Belém talvez se perceba melhor isto.
O PSD liga muito pouco ao CDS, como já era muito evidente no tempo de Paulo Portas, que Passos Coelho tratou sempre "por cima da burra" e fez passar por muitas humilhações. Utiliza-o como muleta indispensável para um eventual regresso a S. Bento, mas irrita-se visivelmente com os seus arroubos de independência, alguns com laivos provocatórios.
A candidatura autónoma de Assunção Cristas a Lisboa foi uma bofetada que deixou marcas. A revelação ontem feita pela líder do CDS de que as temáticas financeiras ligadas à banca eram praticamente excluídas do debate em Conselho de Ministros ensinam-nos muito sobre o que foi o método do governo de coligação Troika-PSD-CDS. E mostram-nos bem o caráter subordinado do CDS.
Na entrevista dada ao "Público", Assunção Cristas foi, contudo, mais longe, ao deixar algumas "indiretas" a Paulo Portas. Ora tratando ela de uma pura criação do antigo líder, que não existiria sem ele, Cristas está muito longe de ter já criado uma legitimidade própria que lhe permita sustentar-se num qualquer registo de contraposição a Portas.
Cristas corre assim um imenso risco interno e a medida disso será, inevitavelmente, o resultado que vier obtiver na luta autárquica em Lisboa. É aí que jogará o seu futuro. Se as coisas correrem mal, a ambição de Nuno Melo tornar-se-á ainda mais evidente. Se conseguir salientar-se, por contraposição à expectável humilhação lisboeta do PSD, poderá ter uma sobrevida.
A história prova sempre que é sempre um caminho árduo para alguém confrontar-se com o espetro de um antecessor forte - neste caso cuja imagem, com os anos, se passou a confundir com a própria imagem do partido. Veremos se Assunção Cristas, que há que reconhecer que é um dos quadros mais valiosos que emergiram na direita nos últimos anos, vai conseguir, ou não, afirmar-se.
5 comentários:
"Cristas corre assim um imenso risco interno"
Talvez seja essa mesma a intenção... sair do limbo, ganhar ou perder.
Eu espanto-me com o espanto de o assunto dos bancos não ir a Conselho de Ministros: quantas vezes se ouviu o então primeiro ministro dizer que se tratava de assuntos da competência do Banco de Portugal? Quantas vezes se ouviu dizer que não meteria prego ou estopa para salvar o BES porque se tratava de um assunto da competência do Banco de Portugal? E eu acho muito bem porque estou farto das "intervenções" dos diversos governos que acabam no que todos sabemos.
João Vieira
Cristas tem boas possibilidades de pescar em Lisboa boa parte do eleitorado laranja depois de conhecida a candidata do PSD, arrogante e mal encarada.
...arrogante e mal encarada. Sem dúvida!
Até porque ela não tem, nem terá até às autárquicas, a envergadura de uma Maria José Nogueira Pinto!
Faltam-lhe imensas qualidades, competência, sentido de Estado e Cultura, i.e., Mundo.
Tudo isso tinha a Maria José e tem Paulo Portas.
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