Faço parte de uma geração de "flâneurs" regulares por livrarias. Há mais de cinco décadas. Talvez por ter vivido metade desse tempo no estrangeiro, sentindo necessidade de me atualizar constantemente sobre as edições portuguesas, habituei-me a não olhar apenas para as montras e para aquilo que as mesas das livrarias nos mostram. Passo o tempo de cabeça "à banda", a ler lombadas, a ver livros já por aí "arquivados" há muito, que me possam entretanto ter escapado. Uma vez por semana, no mínimo, visito livrarias, às vezes só para ver o que entretanto "saiu". (Imagino que alguns irão dizer que usam a "Amazon", que isso é muito mais cómodo. Eu também compro por essa via, mas reconheço pertencer ainda à "geração táctil", que gosta de folhear os livros antes de os adquirir).
Não desgosto de passear pelos grandes espaços livreiros - tipo FNAC, Almedina, Bertand, Bulhosa ou Barata - mas confesso ter sempre maior prazer em visitar livrarias mais pequenas. Em especial, gosto de sentir que tenho como interlocutores potenciais os livreiros, pessoas que sabem "da poda" e gostam do que fazem, que conhecem as edições e percebem um mínimo daquilo que um leitor e comprador atento está à espera. Não há muitos, mas há-os ainda de grande qualidade. Pessoas que não se impõem, mas que sabemos que estão lá, com vontade de nos serem úteis, para o caso de deles necessitarmos.
(Recordo, por contraste, uma historieta, ocorrida no Brasil, que um dia já por aqui contei.
Eram lojas livreiras superpopuladas de funcionários, que nos seguiam e nos interrogavam desde a porta de entrada, acompanhando incomodamente as nossas deambulações pelas mesas e estantes. Ao final de uns minutos, quando pegava num livro, aproximava-se de mim um empregado com um outro livro na mão e perguntava: "Não lhe interessa este livro?".
A primeira vez que isso me sucedeu fiquei siderado, sem saber por que diabo o homem me estava a chamar a atenção para uma outra obra: "Porque é que pergunta isso? Por que razão podia eu estar interessado em ler esse livro?". A resposta foi simples: "Porque, se está a consultar um livro dessa mesa, é porque se interessa por esses temas e este livro, acabado de sair, é desse mesmo tema...".
Fiquei sempre com a sensação de que esses funcionários, normalmente muito jovens, não faziam a mais leve ideia do conteúdo do livro que estavam a propor, mas que apenas se dedicavam a pôr em prática uma técnica de "marketing" que lhes tinham imposto. E, devo dizer, só a inexcedível simpatia dos empregados das lojas no Brasil evitou, a partir daí, que eu manifestasse a minha permanente irritação com este horroroso método promocional.)
Vem isto hoje a propósito da Livraria Ler, numa esquina do Jardim da Parada, em Campo de Ourique, lugar que sempre visito com imenso prazer e por onde há pouco passei. Não é uma loja deslumbrante em matéria estética, mas as coisas estão por ali bem arrumadas, sente-se que não há uma subordinação cega à "ditadura" das grandes editoras, há livros "antigos" (isto é, anteriores a 2014, 2013...) e, sem descurar o que está "na moda" e suporta o mercado, encontram-se muitas outras edições de muito boa qualidade. "Last but not least", na Livraria Ler os preços são em geral muito mais interessantes do que na maioria das livrarias de Lisboa. Por ali, os "descontos" são permanentes, é uma "feira do livro" contínua. Se não acreditarem, passem por lá e comparem!
Ainda bem que não vivo em Campo de Ourique! Caso contrário, o drama das minhas estantes iria agravar-se ainda mais...
7 comentários:
É única essa livraria. Fora do tempo. A primeira vez que a vi, das montras, considerei-a um bocadinho anacrónica, para o decadente, mas cheia de charme. Depois, quando a visitei, via-a como muito anacrónica, muito decadente e ainda com mais charme.
A este propósito, recomendo-lhe que observe a livraria "Pó dos Livros", ao final da tarde, já de luzes acesas. Tem de o fazer do passeio oposto à livraria.
Digna de um filme que o Woody Allen decida sobre Lisboa (ou com Lisboa).
Por curiosidade, trabalho mesmo em frente da Pó das Livros. Tenho essa mesma sensação, sobretudo nas noites de Outono/Inverno, quando as luzes se ligam e só se vêem estantes, livros e um mundo que gosta de ler.
Cem metros mais abaixo, neste bairro afortunado, fica a Livraria G, a melhor livraria de Arte e Arquitectura da cidade.
Senhor Embaixador,
Julgo que terá ouvido - como eu - que Maçães será o próximo MNE...
Ao Anónimo das 19.19. Tenho ouvido várias anedotas, mas fico-lhe a dever essa!
Sou frequentador antigo da"Ler"' do tempo em que lá se vendiam livros "proibidos".
Fernando Neves
se o Tony Chamuças ganhar quem irá nomear.... ?
Conheço essa livraria do tempo da sua abertura. O seu proprietário de então, não recordo o nome, e penso que infelizmente já faleceu, mantinha-me informado antes do 25 de Abril, dos livros proibidos pela Pide, e que "por baixo da mesa" os vendia, estando eu sempre atualizado...
Os meus cumprimentos,
MT
Enviar um comentário