Há bastantes anos, num momento complexo de uma negociação financeira europeia, em que a posição portuguesa era muito delicada, dei uma entrevista a um jornal diário. Foi um prestação relutante, pela sua oportunidade, só realizada dada a particular consideração que a jornalista que a solicitou me merecia. Acrescia o facto de estar engripado e com um pouco de febre. A conversa correu bem, mas, talvez talvez pela minha concentração, distraí-me e não atentei no deambular do fotógrafo pelo gabinete. No dia seguinte, ao olhar para o jornal, dei-me conta do texto ter sido ilustrado por fotografias em que surjo com um braço estranhamente cruzado sobre a testa e numa atitude facial que poderia significar quase desespero. A seleção feita pelo paginador privilegiou imagens que pretendiam ilustrar um tempo de "tragédia". Na realidade, apenas refletiam um entrevistado febril.
Recordo-me que a jornalista que fez a entrevista ficou desagradada e me pediu desculpa pelo modo como ela fora tratada pelo jornal, no que havia sido, objetivamente, um ato de desrespeito pouco consentâneo com um profissionalismo correto.
Com um fotógrafo a passarinhar à nossa volta durante largos minutos, é impossível que ele não fixe instantes que, se isolados, podem parecer ridículos. Os nossos gestos não são controlados ao ponto de mantermos sempre a maior das elegâncias, particularmente se estivermos descontraídos a falar com alguém. Todos nós temos a experiência de eliminar, com regularidade, fotografias em que achamos que "estamos mal". Imagine-se agora que era feito um álbum nosso precisamente com a coleção dessas imagens...
Tenho-me lembrado disto ao observar as fotografias que os jornais escolhem, nos últimos dias, para acompanhar as reportagens sobre José Sócrates. É uma interessante ilustração do modo como a seleção das imagens, o caráter sombrio dos planos ou os esgares captados numa imagem de rua ou numa pausa de uma cerimónia, servem para transmitir uma nota subliminar, ligada ao sentido da mensagem que o texto pretende fazer passar. Sublinho que esta minha observação não tem qualquer sentido crítico. É perfeitamente natural que isto assim suceda, que as reportagens procurem, nos arquivos, os apoios de imagem mais adequados, mas isso não impede que ache interessante que saibamos "desconstruir" o modo como as nossas sensações são condicionadas.
4 comentários:
tudo tem uma técnica, uma orientação, regras, truques, significados, no caso da entrevista teria sido de elementar colaboração o fotógrafo ter perguntado à entrevistadora que tipo de fotografia preferia, parece-me.
já no caso de sócrates, dado que não é um homem particularmente expressivo (com variedade expressiva) possivelmente aparecem as mais típicas, que conhecemos, ou as que mostram o homem preocupado.
Muito aborrecido essa situação !
Estou muito entristecido. Deviam antes publicar a fotografia o Sr.Pinto de Sousa , mostra orgulhoso o certificado do mestrado obtido nas Ciences Pro, em Paris.
Aquela fotografia, quando as duas "personalidades" acabaram a sua conferencia e há o tradicional aperto de mão, querendo transparecer que tudo correu e irá correr bem para o futuro próximo, é do melhor!... Depois temos as escolhas no arquivo para "vestir" o texto do momento!...
E assim é o teatro da vida!
E quando fotografaram a biografia do Salazar no carro do Passos Coelho? Isso é que foi a malta de esquerda a cascar no fascista do PM!
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