sexta-feira, junho 27, 2014

Um amigo no Berlaymont

Um dia de 1998, acompanhei António Guterres ao gabinete do primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker. A Comissão europeia tinha acabado de apresentar a sua primeira proposta para as "perspetivas financeiras" para o período 2000-2006, o orçamento plurianual de onde decorrem os fundos comunitários. O resultado, maugrado as diligências que havíamos feito nos meses anteriores junto de diversos setores da Comissão, era dececionante para o nosso país. Agora, tornava-se importante mobilizar os nossos amigos europeus a fim de fazer evoluir a proposta, em moldes que pudessem acomodar os nossos interesses.

Nunca mais me esquecerei das palavras espontâneas que ouvimos de Juncker, logo que António Guterres acabou de lhe expor o nosso problema: "António, podes contar comigo a 100%. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para beneficiar Portugal". E fê-lo, a partir daí, de forma exemplar, passando a defender-nos em todos os contextos possíveis. Não houve Conselho europeu em que Juncker não tivesse estado abertamente ao nosso lado, movimentando-se, além disso, junto de outros parceiros para fazer valer os argumentos portugueses.

Lembrei-me disto há minutos, ao ouvir Jean-Claude Juncker salientar, nestes que são os seus últimos dias à frente do Eurogrupo, a importância de Portugal ser recompensado pelos esforços que tem vindo a fazer no seu programa de ajustamento estrutural, com a possível redefinição desse mesmo programa à luz da evolução da conjuntura externa. Uma posição pouco comum, mesmo à revelia de outras, nesta Europa onde a solidariedade é uma palavra escassa nos dias que correm.

Jean-Claude Juncker é um exemplo de um grande europeu, da escola de um Jacques Delors, uma das poucas personalidades que, pela sua inigualável experiência e pela profunda coerência e verticalidade que o carateriza, merece o respeito da grande maioria de quantos se movimentam pelos corredores da União europeia. Mas, do mesmo modo, a sua independência face aos grandes Estados europeus, bem como o modo frontal como a assume, não terão sido estranhos à sua liminar exclusão, quando o seu nome surgiu mencionado para a presidência da Comissão europeia.

Se Portugal tem verdadeiros amigos entre os dirigentes desta Europa, a experiência demonstrou-me que Jean-Claude Juncker é o mais dedicado deles.

(Escrevi isto neste blogue, em 10.1.13. Repito-o com gosto hoje, dia em que Jean-Claude Juncker foi nomeado presidente da Comissão europeia)

15 comentários:

Anónimo disse...

Este comentário não é para publicar, apenas para o advertir de que Jean-Claude Juncker há muito que não é Presidente do Eurogrupo. Desde Janeiro 2013 que um holandês, Dijsselbloem, substituiu este nosso amigo luxemburguês que agora vai ocupara o cargo mais importante das Instituições Europeias.

João Pedro Lopes disse...

Certamente terá conhecimento da afirmação "piadista" deste senhor, aquando da sua visita ao país para apoiar os partidos da direita nas eleições europeias:
"Não acreditem nos socialistas,
Eles lembram-me um dos vossos compatriotas mais prestigiados: Cristóvão Colombo. Quando partia nunca sabia para onde ia, quando chegava nunca sabia onde estava, e era o contribuinte que pagava a viagem. É desta forma que procedem os socialistas dos nossos dias".
Podemos desvalorizar enquanto piada falhada, mas se não se importa, gostaria de dizer:
- Que a ignorância sobre a nacionalidade de Colombo (bem sei que há teorias que o situariam como português, mas...)não me deixa muito confortável, um pouco como um Presidente que não lê livros que não sejam técnicos;
- Que, na convicção de que Colombo seria português é um bocadito malcriado vir a casa alheia ridicularizar um membro da família;
- Que a visão sobre os descobrimentos mostra um preconceito contra a inovação e a ousadia, revelando um conservadorismo que cheira a bafio;
- Que há uma evidente rejeição do papel do estado e dos contribuintes no progresso de um país, deixando aos privados a gestão da maior quantidade possível de recursos;
- Que um indivíduo, cego como outros pela raiva ao meu grande PS, não tenha tento na língua e se dê ao luxo de disparatar desta forma, não me dá muito boa imagem da sua ponderação e capacidade de diálogo.

Pode parecer que estou a ser irónico ou até sarcástico, mas não é assim, mesmo que isso faça transparecer falta de flexibilidade.

Obrigado pelo blog, que leio diariamente com grande prazer.

João Pedro Lopes

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Anónimo das 19.01. Claro que sei que JCJ já há muito que não é presidente do Eurogrupo (por lá há agora um "amigo da onça" socialista holandês com nome impossível). Como verá no fim do post, o texto é datado. E, por isso, publico com gosto a sua nota.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro João Pedro Lopes. Eu já escrevi sobre isso: http://duas-ou-tres.blogspot.pt/2014/05/welcome-to-trofa.html. Mas "quand même"...

Anónimo disse...

Caro Francisco

Mais uma curiosa coincidência: também conheci Juncker quando ele era primeiro-ministro do Luxemburgo. Na altura, estava com Sousa Franco que me apresentou ao senhor. Apertou-me a mão e não me ligou peva. Natural: eu era apenas um assessor do ministro das Finanças, um nada, um zero (gordo) à esquerda da vírgula; à direita nunca seria... feitios; convicções.

Meses depois, num reunião de um ECOFIN especial para tratar da reentrada da lira no SME, tinha ido com Teixeira dos Santos (Sousa Franco decidira não ir já não me lembro do motivo...) o então secretário de Estado do Tesouro e das Finanças perguntou-me a minha opinião sobre Junker.

Respondi ao meu Amigo Fernando que não a tinha, pois ele, um dia, se limitara a apertar-me a mão e chutar-me para a antiga porta da maratona. Nem para canto... E juro que não foi por despeito que assim respondi.

Recentemente, a piada sobre os socialistas também não me deixou bem disposto, muito antes pelo contrário. O que me leva a dizer, a contragosto que com amigos desses nem vale a pena ter inimigos. Ou quiçá seja um amigo da onça.

Resta-me uma esperança: que faça melhor do que o Durão "cherne" Barroso não fez. O que nem é difícil...

Abç

Anónimo disse...

Processo de escolha mostra que afinal não houve nenhum drama com a escolha de Juncker. Houve muita gesticulação, isso sim, para inglês ver.

João Figueiredo disse...

Isto não é um comentário, e sentir-me-ia sem jeito se publicasse.

O senhor queria mesmo escrever maugrado? Não seria malgrado?

Francisco Seixas da Costa disse...

Não se sinta "sem jeito"! Tem toda a razão para objetar. Mas creio que se pode dizer das duas formas

Anónimo disse...

Juncker é amigo de Portugal por causa dos votos dos imigrantes de Portugal no seu país, o que não é reprovável em si mesmo mas merece ser dito. Por outro lado, o Luxemburgo de Juncker foi quase até ao fim um dos países mais amigos do segredo bancário e da lavagem de dinheiro. Veremos se isso já mudou nos próximos episódios do caso BES.

Anónimo disse...

Quanto ao JCJ, a ver vamos, como dizia o cego!
Quem sabe se os ingleses não terão algumas razões, embora estejam a pensar neles e não na Europa.
a)Fulano

opjj disse...

CONCORDO em absoluto, mas pelos comentários de muitos socialistas, mais parecia uma praga a engolir.
JUNKER foi um amigo de Portugal. E os que criticam Durão Barroso só pode ser por dor de cotovelo. Um dia veremos se apoiou ou não Portugal.
Cumps

Defreitas disse...

Por um prato de lentilhas, cozinhado por Angela Merckel, François Hollande e os outros sociais democratas europeus venderam o direito de aproveitar a oportunidade para pôr a casa Europa em ordem, com a promessa de mais flexibilidade no futuro e duma verdadeira politica de crescimento. Será uma promessa e nada mais. Merckel não aceitará de mudar uma politica que convém perfeitamente à Alemanha.

Porque não haja dúvida nisso, JC Juncker será mais do mesmo. Em tantos anos de responsável europeu não foi capaz de convencer Merckel dos malefícios da austeridade.

A imagem do Luxemburgo, paraíso fiscal das multinacionais , condiz perfeitamente com a imagem conservadora do novo presidente da Comissão Europeia.

Defreitas disse...

Num comentário precedente do Senhor Henrique Antunes Ferreira,o autor exprime a esperança que JC Juncker fará melhor que Barroso.

Correndo o risco de me repetir, gostaria de dizer que JC Juncker, representante da família politica do PPE e antigo presidente do Eurogrupo, inscreve-se na continuidade do seu predecessor e tenta mais frequentemente de justificar o que foi feito em vez de propor alternativas.
Certo, alguns toques positivos, sobretudo o seu apoio "eventual" à criação dum salário mínimo europeu para lutar contra o dumping social ou a afirmação que os bancos "devem mudar de atitude"!
Entretanto, face à oposição à austeridade dos outros candidatos, ele, JC Juncker nunca foi mais longe que declarar que " não era um adepto da austeridade" e preferir o "rigor fiscal".
Da mesma maneira, enquanto os outros candidatos põem , todos, em questão o funcionamento e as decisões mesmo da Troika, JC Juncker evitou de se pronunciar.

Com a formação do capitalismo dos monopólios generalizados, financiarisados e mundializados, a UE transformou-se no instrumento do poder económico absoluto destes monopólios, criando as condições que permitem de completar a sua eficácia pelo exercício paralelo do seu poder absoluto.

O contraste direita conservadora/esquerda progressista, que constituiria a essência da democracia eleitoral evoluída, foi aniquilada em benefício duma ideologia de pseudo "consenso". JC Juncker é o resultado deste consenso.

Face à Kaiserin faltou a coragem aos outros chefes de governo , como escrevo no meu comentário precedente.

Anónimo disse...

Caro Defreitas

Quem fala assim não é gado e quem escreve assim não é analfabruto como dizia o meu saudoso Amigo Fernando Oneto, no tom de brincadeira que costumava usar.

O seu primeiro comentário está correcto; o segundo ainda está mais. O Durão Cherne fez tão pouco enquanto esteve à frente (???) da Comissão, que basta ao conservadoríssimo Juncker mexer o dedinho do pé dentro do sapato dele, para ser melhor. Durão nem sequer nas estórias ficará...

Cumps

Anónimo disse...

Caro opjj:JUNCKER foi um amigo de Portugal.
Esperemos que continue a sê-lo.
E os que criticam Durão Barroso só pode ser por dor de cotovelo,ou por inveja, ou por pequenês, ou porque gostariam de ter sido eles os escolhidos, ou porque não aceitam os sucessos de ninguém, a não ser deles próprios. quem não queria ter entre os seus concidadãos um que ocupasse um dos 3, 4? cargos mais importantes e influentes do mundo?
Um dia veremos se apoiou ou não Portugal.
É certo, certinho que sim. Não quero nem imaginar como teria sido tratada a nossa situação económico/ financeira dentro da UE, não fora o Presidente da COM chamar-se Zé Manel?

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