quinta-feira, junho 05, 2014

A cidade proibida

Lembro, como se fosse hoje, as imagens televisivas. Ceausescu está na varanda do edifício da presidência, em Bucareste. À sua frente, espalha-se uma grande e organizada manifestação de apoio, a tentar contrariar os ventos com que as "democracias populares" estavam, por essa época, a ser definitivamente varridas das História europeia. Engorrado para o inverno, o ditador romeno saúda, com um sorriso plástico, a multidão oficiosa que o aplaude, quando, de repente, se começam a ouvir longínquas vozes de protesto, vindas de outros manifestantes algures na praça. Nota-se que Ceausescu fica atónito por aquela contestação inédita, que "não pode" estar a acontecer, num regime como era o seu. A câmara não nos mostra essas pessoas, não faço ideia se se saberá o que lhes aconteceu. Mas, para sempre, passei a ligar a atitude daquela gente, um punhado de pessoas num ambiente altamente hostil, sujeitos à repressão mais selvática, à verdadeira definição da coragem cívica.
 
Veio-me isto à memória ontem, quando revi a imagem patética daquele cidadão chinês, de saco plástico na mão, que, há 25 anos, na praça de Tiananmen, se colocou em frente dos tanques militares, protestando contra o esmagar da tentativa de liberdade, prestes a iniciar-se. Seria interessante saber o que terá dito aos militares, os mesmos que, curiosamente, travaram o tanque para o não atropelar, minutos antes de reprimirem barbaramente milhares de pessoas. Nunca se soube quem foi esse herói, se ainda é vivo, depois de afastado por amigos, se acaso escapou à razia feita mesmo às portas da "cidade proibida". E que continuou a sê-lo.     

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro Francisco

Três assuntos, a saber:

a) Entrevistei o Niculae Ceausescu obviamente antes dessa manifestação inédita que o ditador não conseguia, sequer, imaginar.

Disse-me que o povo romeno estava com ele e eu pensei, apenas, o povo amigo, Ceausescu está contigo.

Depois voltei a Bucareste para reportar as primeiras eleições mais ou menos "democráticas" E vi as paredes cheias de buracos das balas que também participaram na manifestação...

b) Em Beijing, obviamente depois da cena dramática de Tianamen tentei saber do homem de saco na mão. Ninguém me respondeu, nem quis responder, e falei com alegados dissidentes.

c) Já mandei uma mensagem de felicitações ao nosso comum Amigo Alberto Costa e Silva. Nas Laranjeiras leram o meu apelo no DUAS OU TRÊS COISAS e informaram-me do endereço blogueiro dele. Ficou assim demonstrado que este blogue opera milagres mas não aqueles que a Helena Sanches Osório comentou...

Abç

patricio branco disse...

dá me terror pensar que a china poderá um dia ter um 25 de abril, derrubar o regime e instalar uma democracia, à semelhança dos paises de leste e urss, do desconhecido e incontrolavel que daí sairia e das consequencias na paz interna, regional e mundial. haveria claro fragmentação em várias nacionalidades, algumas como o tibete bem merecidas.
tianamen deve ter dado os seus frutos e hoje a china é um país completamente diferente de há 25 anos, talvez seja como viver nos tempos de salazar ou franco embora com muito mais pujança economica e estendendo se comercialmente e economicamente e populacionalmente pelo mundo, de forma discreta mas altamente eficaz.

os ultimos dias de ceausescu foram pateticos, uma tragedia shakespiriana, o meu reino por um cavalo, o meu reino por um cavalo, mas o cavalo não chegou e perdeu o reino e avida. a mulher que tinha a sua parte de tirana tambem bem gritava com os juizes do tribunal sumario que os julgou condenou e imediatamente executou.

curiosamente, horas antes havia corrido a noticia que o tirano tinha fugido para a china, país seu amigo.

tianamen para os chineses jovens nada é, nem sabem que existiu, a historia foi apagada oficialmente não vão as coisas repetir se, sim, que será feito desse jovem diante da coluna de tanques, possivelmente foi preso e executado...

Isabel Seixas disse...

"Mas,
para sempre,
passei a ligar
a atitude
daquela gente,
um punhado de pessoas
num ambiente altamente hostil, sujeitos
à repressão mais selvática,
à verdadeira definição

da coragem cívica."

Bem pensado coragem cívica...

Paira uma certa agonia, o atavismo da mensagem de sofrimento de Deus que deixou o seu filho morrer
ás mãos de demónios em que só é visível o inferno e o purgatório...

Como se só se conseguisse dissociar o socialismo dos extremos do fascismo dado ser difícil distinguir entre fenómenos próximos e parecidos...

É como Deus quer...

Isabel Seixas disse...

De qualquer forma fez-me lembrar
este poema que partilho



No te rindas


Mário Benedetti


No te rindas, aún estás a tiempo
De alcanzar y comenzar de nuevo,
Aceptar tus sombras,
Enterrar tus miedos,
Liberar el lastre,
Retomar el vuelo.

No te rindas que la vida es eso,
Continuar el viaje,
Perseguir tus sueños,
Destrabar el tiempo,
Correr los escombros,
Y destapar el cielo.

No te rindas, por favor no cedas,
Aunque el frío queme,
Aunque el miedo muerda,
Aunque el sol se esconda,
Y se calle el viento,
Aún hay fuego en tu alma.
Aún hay vida en tus sueños.
Porque la vida es tuya y tuyo también el deseo.
Porque lo has querido y porque te quiero.
Porque existe el vino y el amor, es cierto.
Porque no hay heridas que no cure el tiempo.
Abrir las puertas,
Quitar los cerrojos,
Abandonar las murallas que te protegieron,
Vivir la vida y aceptar el reto,
Recuperar la risa,
Ensayar un canto,
Bajar la guardia y extender las manos
Desplegar las alas
E intentar de nuevo,
Celebrar la vida y retomar los cielos.

No te rindas, por favor no cedas,
Aunque el frío queme,
Aunque el miedo muerda,
Aunque el sol se ponga y se calle el viento,
Aún hay fuego en tu alma,
Aún hay vida en tus sueños
Porque cada día es un comienzo nuevo,
Porque esta es la hora y el mejor momento.

Porque no estás solo,

porque yo te quiero.

São disse...

Ainda é vivo...ou era há pouco tempo, pois vi um documentário sobre o crime horrendo que foi aquela chacina e esse homem era referido.

Boa tarde

Confesso os figos

Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste m...