quarta-feira, junho 25, 2014

Alexander Stubb

Durante a negociação europeia do Tratado de Nice, que dirigi durante o primeiro semestre de 2000 e que acompanhei até à conclusão dos trabalhos, como chefe da delegação portuguesa, no resto do ano, o tema das "cooperações reforçadas" ou da "flexibilidade" (para simplificar: a possibilidade de só alguns Estados adotarem certas políticas dentro da União) foi umas das questões centrais. Graças à genialidade criativa de Josefina Carvalho, a diplomata portuguesa mais competente que alguma vez conheci em matérias institucionais europeias, e que por sorte me coadjuvava, colocámos sobre a mesa um conjunto "engenhoso" de propostas. Portugal foi mesmo a "vedeta" dessa discussão, que António Guterres depois titulou à mesa do Conselho europeu. 
 
Algumas delegações revelaram um interesse muito grande pelo tema e ajudaram a desenvolvê-lo, com inteligência e argúcia. Uma dessas delegações era a finlandesa, dirigida por um homem magnífico, com uma serenidade ártica, o embaixador Antti Satuli, um bom amigo infelizmente já desaparecido. Costumávamos dizer que a Finlândia desse tempo era quase um país do Benelux (Bélgica, Holanda, Luxemburgo), tal o sentido europeu do seu empenhamento, o sentimento federal das suas posições (onde isso vai...) Antti era então coadjuvado por um muito jovem diplomata, entusiasta, imaginativo, quase "latino", que com a nossa delegação mantinha uma relação de grande cordialidade. Longas conversas tivemos com ele, procurando convencê-lo do bem fundado das nossas propostas e, por vezes, tentando integrar algumas das suas ideias. Que eram muitas, porque o tema da "flexibilidade" apaixonava-o.  
 
Em 2002, já a negociação tinha terminado e eu vivia na Áustria e andava já por outras "guerras", recebi um pedido desse diplomata finlandês para poder utilizar um texto meu num livro que ia publicar sobre a questão da "flexibilidade". Enviou-me o livro meses depois, com uma carta muito simpática. Trocámos, depois disso, alguns emails e fui, entretanto, acompanhando o seu percurso, agora na política, de Estrasburgo ao governo do seu país, onde chegou a ministro dos Assuntos europeus e dos Negócios estrangeiros.
 
Alexander Stubb, o nosso jovem amigo finlandês das negociações europeias, é, desde ontem, o novo primeiro-ministro do seu país.

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro Francisco

Em 1996 vieram a Portugal Lasse Aarnio e a sua segunda mulher Tula. Ficaram em minha casa, então na Lapa (aguentei as tias 31 anos...) e queriam frango português.

A Raquel e eu lá os levámos a comer frango de churrasco que adoraram. Já os picantes goeses não tiveram nenhuma saída.

O embaixador da Finlândia em Portugal conhecia-nos pois éramos visitas habituais por obra e graça da diplomata Katrina Kakusen. Por isso ofereceu um jantar em sua casa ali ao Restelo.

Laasse, Tula, a Raquel e eu, a Katrina e o marido, industrial e um senhor aliás muito simpático, Que se apresentou como Alexander Stubb.

Conheci-o, conversámos e passámos a telefonar um ao outro com algum regularidade.

Hoje, acabo de saber por intermédio de si, que o senhor é o primeiro ministro da Finlândia. Vou mandar-lhe os meus parabéns. Muito obrigado pela informação.

Abç

Defreitas disse...

O Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa jà sabe o percurso que lhe resta fazer : Franchir le Rubicon ! Et pourquoi pas ?

Le destin conduit celui qui consent et tire celui qui résiste.
Cléanthe

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Defreitas: o Alexander tem menos 20 (vinte!) anos que eu. Eu já "fui"...

Anónimo disse...

Caro Embaixador: todos nós, os que tivemos a sorte de trabalhar com a Embaixadora Josefina, conhecemos de há muito o seu saber, que vai bem para além das questões institucionais em sentido estrito e abarca todo o funcionamento da máquina europeia e todo o caminho de Portugal na Europa.
Ela é uma das memórias do nosso percurso europeu.
Conhecemos também a sua capacidade de ensinar quem com ela trabalha, criando “réplicas”, ainda que mais modestas, de saber europeu. Uma escola, portanto, formadora de jovens diplomatas, cujos percursos ainda hoje atestam que essa marca deixada no início das suas carreiras foi decisiva para as escolhas subsequentes que fizeram.
Há uma geração de diplomatas que deve a esta colega mais velha, que os conquistou para as ideias europeias, o seu percurso bem sucedido nessa área e a consequente valorização do seu saber e que levou alguns a lugares de topo da carreira. Muitos dos que beneficiaram destes ensinamentos são hoje vistos como os melhores, ou de entre os melhores.
Ser conhecedor das matérias europeias é hoje um surplus, mas há 20 e tal anos atrás era mal visto no MNE, onde se pensava que tratar dos assuntos da Europa era abraçar uma diplomacia de mercearia ( pela natureza técnica de muitas das matérias, desprovidas dos contornos políticos mais gerais que enformam o relacionamento entre Estados, fora do quadro da UE ).
O que a Embaixadora Josefina conseguiu na altura, atrair diplomatas para uma diplomacia soit disant menor, só podia ter sido uma tarefa bem sucedida se apoiada em alicerces sólidos de saber.
Num país como o Reino Unido ou a Espanha, qual teria sido o percurso de uma Embaixadora como esta, depois de ter feito escola em matéria de integração europeia?
Um arquivo vivo de assuntos europeus seria um dia aproveitada para ser o nosso Representante Permanente junto da UE? Ou uma Directora-geral de Assuntos Europeus? Quiçá uma Secretária de Estado de Assuntos Europeus?
Entre nós, nada disso se passou, porque o MNE, com a sua habitual habilidade para colocar as pessoas certas nos lugares certos, tentando fazer corresponder tarefas ao saber, entendeu que o melhor posto para ela não era sequer uma capital europeia.
Da Embaixada em Washington a Embaixadora Josefina seguiu para Telavive, onde terminou a sua carreira.

Finalmente, o Tratado de Lisboa já não contou com o seu concurso.
Notou-se bem!

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