segunda-feira, junho 09, 2014

Britânicos

Está a ser interessante seguir o aparente braço-de-ferro entre o PM britânico e outros dirigentes conservadores europeus, na sua recusa de aceitar o nome de Jean-Claude Juncker para presidente da Comissão Europeia. A experiência mostra que os britânicos são especialistas em "trade off" e que não é de excluir que, no termo desta barganha, a intransigência de Londres possa vir a ter como resultado vir a ganhar, noutro "tabuleiro", um qualquer "prémio de consolação" que satifaça alguma das suas várias reivindicações diluidoras da densidade da construção europeia. Mas também pode dar-se o caso de Londres estar a "fazer o frete" a outros Estados que também não querem Juncker, mas não o podem dizer, a fim de tentarem ainda a hipótese de um outro nome. Na Europa, tudo é possível.

Aproveito para relembrar um episódio que é bem definidor da forma britânica de negociar.

Foi durante a discussão de um dos dois tratados europeus (Amesterdão e Nice), em que fui "chief negotiator" português. No início de cada negociação, o nosso objetivo era tentar manter os ingleses "on board", isto é, procurar descobrir fórmulas que acomodassem os seus interesses e preocupações. Sabíamos que isso era sempre muito difícil, mas um tratado seria tanto mais forte quanto não comportasse quaisquer "exceções" nacionais, que quase sempre abriam caminho a outros casos similares. Assim, num determinado e importante dossiê, lembro-me de que, ao longo das semanas, fomos progressivamente prescindindo do "wording" inicial, mais ambicioso, para desespero de certos Estados, com vista a tentar caminhar para um consenso que nos pudesse vir a aproximar dos britânicos. Os seus negociadores iam alimentando essa esperança, dando sinais de que, se aceitássemos uma linguagem mais diluída, isso talvez fosse possível. Nós íamos transigindo, cada vez mais, até que se chegou a um limite máximo possível dessa diluição. E, nesse momento, mesmo perante uma fórmula já muito "soft", os britânicos informaram que lhes era impossível aceitarem, anunciando o seu tradicional "opt out", isto é, à sua desvinculação dessa política. Porém, com essa tática, havia conseguido diluir o compromisso que os restantes já tinham aceite. E, naturalmente, já era inviável o regresso à "square one", à fórmula inicial mais ambiciosa, a qual, se acaso os negociadores britânicos não tivessem estado presentes, teria sido aceite por todos. Com este expediente dilatório, Londres garantia o que, de facto e desde o primeiro momento, pretendia: ficar fora do acordo e que o tratado, de que pontualmente se desvinculava, não se afastava exageradamente daquilo que era o seu interesse. Ficava também claro que, desde o início, o Reino Unido nunca verdadeiramente tinha encarado a possibilidade de se juntar a qualquer compromisso. E nós tinhamos caído na "esparrela"...

ps - como se terá notado pelos termos ingleses utilizados no texto, os britânicos já entram a ganhar, pela língua, nas negociações europeias.

8 comentários:

Anónimo disse...

Folhetim:
1. Tony Blair aceita ser encaixado numa posição "pró-europeia".
2. Itália diz que é importante uma Mulher num lugar de topo, abrindo a porta a Helen Thosten-Schmitt, ou na sua impossibilidade a Emma Bonino, Alta-Representante.
3. Há dúvidas se Merkel aceitaria Schultz para Comissário.
4. Arias Canete vai por Espanha para a Agricultura.
5. A Polónia quer qualquer coisa "robusta", de acordo com o princípio de que uns Estados são mais iguais que outros.
6. Portugal já indicou uma formiguinha, digo formiguinha no feminino, que sairá from nowhere da cartola de Coelho, le moment venu.
7. Juncker pode sempre acabar no Conselho para dar satisfação à Inglaterra.

patricio branco disse...

essses sim, sabem estar na europa, mostram e afirmam e impõem as suas reservas, guardam a sua conveniente margem de autonomia, etc

ps. vejo que dossier se escreve no nao dossiê, curioso, o r apoiaava o é e dava lhe a tonalidade mantendo a gradia estrangeira, não sabia disso, pessoalmente prefiro continuar com o r

Anónimo disse...


um artigo extremamente delicioso!
penso que as situações nunca são a preto ou branco
será por essas suas posições de "não ficarem apanhados!" que os ingleses ficam muitas vezes prontos para intervir quando os outros lhes vêm pedir auxílio?
claro que há interesses, e amigos, amigos...
pelo menos é o que a nossa história conta, mas também gostaria de ler testemunhos de outros "embaixadores" do antigamente talvez não muito antigo!

Anónimo disse...


Caro anónimo das 06h05:
1. Tony Blair aceita ser encaixado numa posição "pró-europeia". SEMPRE FOI ESSA A POSIÇÃO BRITÂNICA, ENCAIXAR-SE ONDE NÃO CABE, PARA JUSTIFICAR ESTAR LÁ DENTRO.
2. Itália diz que é importante uma Mulher num lugar de topo, abrindo a porta a Helen Thosten-Schmitt, ou na sua impossibilidade a Emma Bonino, Alta-Representante. TAMBÉM ACHO QUE VAI SER UMA MULHER, SE NÃO FOR O JUNCKER. MAS AINDA ESPERO QUE POSSA SER ELE.
3. Há dúvidas se Merkel aceitaria Schultz para Comissário.HÁ CERTEZAS. ELE NÃO É BEM-VINDO À PRESIDÊNCIA DA COM.
4. Arias Canete vai por Espanha para a Agricultura.OS ESPANHÓIS SÃO OS MAIS ESPERTOS DE TODOS. SE QUISEREM CONTROLAR O DOSSIER MAIS DIFÍCIL, MAS QUE DÁ A UM EM A POSSIBILIDADE DE GANHAR VOTOS EM CASA, TÊM DE COMEÇAR CEDO A IMPOR ALGUÉM QUE TENHA CAPACIDADE DE SER ACEITE. ARIAS CANETE FOI UM BOM MINISTRO EM ESPANHA.
5. A Polónia quer qualquer coisa "robusta", de acordo com o princípio de que uns Estados são mais iguais que outros. MAS ACIMA DE TUDO DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DE QUE OS GRANDES ( E OS APARENTADOS )TÊM UM TRATAMENTO PREFERENCIAL NESTAS DISTRIBUIÇÕES. A POLÓNIA LEVA 10 ANOS NA UE, SEM QUE SE VEJA UM TRATAMENTO SIMILAR AO DA ESP, NO QUE TOCA À REPARTIÇÃO DE CARGOS. SE ESP DESTA VEZ FICA COM A AGRICULTURA, A POL VAI QUERER ALGO DO MESMO CALIBRE QUE POSSA SER VISTO COMO NATURAL OBTER POR PARTE DE UM DOS MAIORES EM DA UE.
6. Portugal já indicou uma formiguinha, digo formiguinha no feminino, que sairá from nowhere da cartola de Coelho, le moment venu. EU?
7. Juncker pode sempre acabar no Conselho para dar satisfação à Inglaterra.PODE, MAS ELE NÃO QUER. SE TIVER DE SER, PESARÁ SE VALE A PENA.


Anónimo disse...

"1.Tony Blair aceita ser encaixado numa posição "pró-europeia".
2. Itália diz que é importante uma Mulher num lugar de topo."

eu percebi bem?

domingos disse...

Então, haveis esquecido?

Rule, Britannia! Britannia, rule the waves!
Britons never, never, never shall be slaves.

Defreitas disse...

Peter Oustinov dizia que quando a Inglaterra votava contra isso não queria dizer que não estava de acordo, mas simplesmente que não votava sim, e que quando não votava não queria dizer que se abstinha!
De qualquer maneira, a presença do RU na UE foi um erro mortal para a Europa. A correia de transmissão dos EUA pesará ainda mais na negociação transatlântica em curso.

Anónimo disse...

Não é mau que o RU esteja na UE. Nada de novo na poisção de bargaining. Que Juncker é federalista e que por ipso facto dificilmente pode representar um denominador comum é certo. o RU sempre quis um grande mercado interno e o projeto europeu é contraditório por natureza. É assim mesmo.
A Polónia não tem sido maltratada embora seja sinistra a figura de Sikorski, malgré a multidão de redes que o promovem, incluindo Nuno Rogeiro que o entrevistou na SIC. Do que vi ficou-me a impressão de un antigo apparatchick do POUS, altivo q.b., pretendendo dar lições à Ucrânia sobre como se deveria comportar, seguindo evidentemente o exemplo do bom aluno polaco.
Schultz está afastado da corrida à presidência, mas não da a Comissário. É esta hipótese que está em cima da mesa pela Alemanha.
Os espíritos estão todavia agora mais sossegados depois das declarações, para inglês ver, de Cameron ontem na Suécia sobre as desejáveis limitações aos benefícios da segurança social pelos imigrantes. É que é e sempre foi uma competência dos EM's e não da UE, pelo que nada mudará. Mero piscar de olhos à direita nacionalista.
Há algumas semanas atrás quando toda a gente se entretinha a saber se era Juncker ou Schultz creio ter sido o primeiro a avançar o nome de Thorsten-Schmitt. O primeiro não, o segundo pois a informação veio no Guardian.
Em Portugal tudo estava meticulosamente até há uma semana atrás para que uma Senhora fosse a futura Comissária. Mas o avanço de Silva Peneda veio changer la donne. E para melhor pois é de uma competência indiscutível. A menos que António Costa, ontem em Faro, seja ouvido nas suas preces para propor um socialista. Além dele e de António Vitorino não vejo mais ninguém. É claro que JoãoCravinho, filho, daria também um excelente Alto-Representante.

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