Cavaco Silva desmaiou durante as cerimónias do 10 de junho, que hoje estão a ter lugar na Guarda. Um presidente é um cidadão como qualquer outro, tem as fragilidades de uma pessoa comum e este tipo de situações deve ser tido como natural. Porém, para a imprensa e para a curiosidade pública, não deixa de ser um "fait divers" que abala a rotina de uma cerimónia. Mas que não é inédito, como um dia testemunhei de perto.
Em 28 de outubro de 1995, eu tomava posse no governo presidido por António Guterres. Por um mero acaso, fazia-o juntamente com os ministros e, como era de regra, com o secretário de Estado da presidência do Conselho de ministros, dias antes dos restantes colegas secretários de Estado. Era uma circunstância excecional, que tinha a ver com a urgência da minha deslocação ao Luxemburgo, para acompanhar Jaime Gama, onde tínhamos para resolver um berbicacho, numa complicada e inadiável negociação europeia sobre pescas que estava em curso.
O ambiente naquele espaço do palácio da Ajuda era abafante. A mudança de ciclo político trouxera à posse do novo governo uma imensa multidão, que se acotovelava e prolongava mesmo pela escadaria de acesso. Tratava-se do fim do "cavaquismo", desse período de uma década em que Cavaco Silva, depois de chefiar um governo minoritário de curta duração, obtivera duas maiorias absolutas, num Portugal favorecido pelo forte fluxo dos ventos financeiros comunitários, que se faziam sentir na paisagem do país e no bolso dos portugueses.
Viviam-se os últimos dias do segundo mandato de Mário Soares como presidente da República. Durante quase dez anos, entre Soares e Cavaco, havia-se travado uma guerra política surda, que se agravara nos últimos tempos. A saída de cena do primeiro-ministro e a vitória dos socialistas nas eleições legislativas do início de outubro devem ter constituído o culminar desejável de mandato para o presidente cessante. Também na presidência se iria assistir a um novo ciclo. Jorge Sampaio era o candidato anunciado às eleições que teriam lugar em janeiro do ano seguinte. Cavaco Silva, primeiro-ministro cessante, seria o seu adversário.
Voltemos à posse. Cavaco Silva estava ao lado de Barbosa de Melo, presidente da Assembleia da República, e de Mário Soares, naquela que seria a consagração de António Guterres, seu sucessor à frente do executivo. Estava pálido e tenso, o que, no meu caso, levei à conta do peso pessoal de uma cerimónia que punha termo a um longo mandato. Segundo as sondagens, as hipóteses de ser eleito para a presidência, contra Jorge Sampaio, não eram muito fortes, pelo que o pressão emocional daquele momento deveria ser muito grande.
Foi então que, de repente, as nossas atenções foram chamadas para um reboliço à volta de Cavaco Silva. Sentira-se mal, desmaiara, foi retirado para trás da cena. A sala ficou em suspenso. Por um instante, temeu-se algo de grave, mas felizmente logo ficou claro que fora uma indisposição passageira, provocada por uma noite mal dormida, na morte de um familiar. Lembro-me de, naqueles escassos minutos, ter trocado olhares perplexos com Jorge Sampaio, que estava num grupo de pessoas à nossa frente. Creio que, sem o dizermos, nos interrogávamos sobre se aquela súbita "humanização" de Cavaco não poderia vir a ter efeitos nas eleições presidenciais, que se realizariam poucas semanas depois.
Não teve. Sampaio viria a ganhar as eleições à primeira volta. Cavaco Silva saiu de cena, para só regressar uma década mais tarde, para o substituir. O tempo político de Cavaco Silva acabará em 2015. Quase duas décadas medeiam entre os desmaios que protagonizou em cerimónias públicas.
7 comentários:
Caro Embaixador,
Há muito que me garantem (curiosamente um nosso amigo comum...) que existe, pelo menos, um outro desmaio. Era Cavaco Silva professor no hoje ISE e estávamos ainda no tempo da outra senhora, em plena épica de contestação estudantil ao regime. Em plena aula, quando confrontado com uma acção-relâmpago de boicote às aulas por parte de dois ou três alunos, o então professor não aguentou a pressão e... desmaiou. Será caso para dizer que não há duas sem três, ou já tivemos mais desmaios - esses em privado?
Abraço, ZP
Prova indesmentível de que os desmaios não devem ser associados à presença do Embaixador Francisco Seixas da Costa, como levianamente se poderia ser levado a pensar.
Com desmaios ou sem desmaios aidna é o Presidente da República de Portugal, goste-se da pessoa ou não.
As manifestações "espontâneas" a que se assistiu em directo, dizem muito da incivilidade de alguns "democratas", saudosos dos tempos das amplas liberdades que exitiam em certos países !
Alexandre
São meros ataques de pânico, Senhor Embaixador!
O homem tem medo. Muito medo. É um medroso nato!
Também o país desfalece...
Os artistas de terceira classe ,desmaiam falsamente , frequentemente ,
nos palcos das melhores salas de espectáculos
Manuel Joaquim Leonardo
12-05-29 - 10-06-2014
Peniche Vancouver Canada
V.Exª tem a experiência que poucos virão a ter e por isso não lhe deve ser estranho o acontecimento de hoje.
Há pessoas que quando estão preocupadas têm quedas de tensão e desmaiam. Eu conheci três.Eu próprio em novo tinha esse problema.
Se quisermos ser isentos, Cavaco Silva tem ás costas um problemão que até agora ninguém teve.
Sejamos justos.
Por outro lado a manifestação é uma pequena amostra do que teríamos, se acaso, estes, fossem governo algum dia.Devo lembrar que Mário Soares nos livrou duma irreversível jogada.Começou assim com pèzinhos de lã.
Cumps.
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