Se alguém perguntar a um diplomata português quais são hoje as três principais prioridades da nossa política externa, a resposta, quase pela certa, será: Europa, lusofonia e relações transatlânticas. Para o bem e para o mal, a América está desde há muito no centro da nossa expressão internacional.
Salazar e uma certa esquerda portuguesa nunca gostaram da América. O ditador começou por desconfiar imenso da ambição americana no Atlântico, à qual teria que se resignar, para mais tarde perceber que também não podia contar com a proteção dos EUA para o prolongamento extemporâneo da aventura colonial lusitana. Já a esquerda começou por ver os EUA aceitarem como boa a credibilitação que o nosso "amigo da onça" britânico lhes deu das vantagens de conservar o regime ditatorial português, o que permitiu a sua sobrevivência após o segundo conflito mundial. E, com naturalidade, essa mesma esquerda rejeitou as derivas imperiais e o cinismo geopolítico americanos, do Vietnam ao Chile. E a aventura iraquiana, claro.
Neste cenário, a América cedo conquistou outros amigos portugueses: os "atlantistas", uma raça que começou por pulular em torno da NATO e cuja versão mais lamentável acabou a servir o "catering" nas Lages, em 2003. Estes acríticos não se esgotam, porém, na direita caseira. Na esquerda, está consagrado o princípio não escrito de que só tem estatuto de respeitabilidade em matéria de política externa quem for visto como "pró-americano".
Há décadas que a América se equivoca nos seus amigos portugueses. Os americanófilos oficiosos, que enchem o "4th of July", atulham os debates na FLAD e se "pelam" por um convite do outro lado do mar são o produto do vício, recorrente e cíclico, que os EUA alimentam entre nós. Esse pessoal, "taken for granted" para qualquer aventura em que Washington decida envolver-se, prolongou a fidelidade extrema da Guerra Fria até às portas de Badgad. Faria amanhã o mesmo se acaso Kiev (ou Moscovo) fosse o destino. Sofrem de uma ilusão de poder que deriva da sua eterna colagem à potência ocidental dominante. Na guerra do Iraque travestiram-se de "neo-cons" de trazer por casa, hoje debitam pelos blogues saudades ínvias de Bush filho, disfarçadas de críticas a Obama. Mas, na realidade, têm muito pouco préstimo. Ou melhor, servem apenas para prolongar entre nós uma triste caricatura simplista da América.
A América, esse país magnífico e com uma vitalidade que nenhuma Europa ainda conseguiu imitar, é uma potência que, como todas as outras, necessita de amigos. Portugal tem todas as condições para se poder colocar no eixo de uma relação frutuosa entre a Europa e os EUA, de onde não estejam ausentes o sentido crítico, a afirmação das nossas pontuais diferenças e o sublinhar da nossa leitura sobre o seu próprio comportamento.
Ser amigo dos EUA é saber dizer sempre a Washington que estaremos com eles para a consecução de uma agenda positiva e de progresso, que não se resuma à leitura mecanicista dos seus interesses, que respeite também os nossos. E não me refiro apenas às Lages e outros dossiês paroquiais. Quero com isto significar os interesses globais da Europa. A América é o mais velho amigo da Europa e deve continuar a sê-lo, sem subserviências ou equívocos. Qualquer que venha a ser o futuro da expressão coletiva da Europa no mundo, ele só terá significado e relevância se for levado a cabo em estreita articulação com Washington. O resto é retórica.
12 comentários:
"Tant pis" para a retórica, mas vou correr o risco de exprimir uma opinião bastante diferente .
A melhor definição que conheço da América é a de Mao Tsé- Toung, quando declarava que o imperialismo US era um "tigre de papel" mas Mao admitiu que falava
em termos "estratégicos", mas que para a "táctica" era preciso contar seriamente com os EUA porque possuíam "unhas e dentes nucleares".
Estou de acordo com tudo o que escreveu, excepto que, para mim, o Senhor Embaixador pensa que os Americanos são" recuperáveis"para o bem do mundo, e podem ser outra coisa que um grande poder imperialista que não tem outro objectivo que dominar o mundo inteiro.
Os USA é a superpotência militar mundial ( 250 bases militares espalhadas no planeta, quem tem algo de comparável?) ) e continua a exercer um poder mundial, planetário, mesmo se declinante.
Os EUA começaram a declinar lentamente mas inexoravelmente devido a factores estruturais e internacionais. Esta degradação pode significar grandes perigos para o resto do mundo na medida em que os EUA riscam de abordar esta transição geopolítica mundial duma maneira menos pacífica, numa cena onde existem agora vários actores nacionais e privados que dispõem dum arsenal atómico.
Afim de conservar a sua hegemonia ameaçadora, continuam a recorrer a uma vasta combinação de métodos militares, políticos, económicos, ( a "cortina de ferro", entre a Ucrânia , a Rússia e a Europa) culturais e de comunicação (espionagem todos azimutes , incluindo os amigos e aliados) à margem das normas internacionais.
Acções de ingerência e subversivas, violentas e destrutivas e de declarações hostis, e provocando invasões militares, golpes de Estado, movimentos secessionistas, guerras mediáticas, cyber espionagem , mesmo dos seus amigos e amiados, e operações psicológicas secretas com o apoio de grupos paramilitares e de companhias de mercenários.
A reconfiguração US da geopolítica do mundo por métodos violentos é ligada à necessidade imperiosa ditada pelas oligarquias dominantes US de dominação neo colonial e de acesso aos mercados e aos recursos energéticos. Vejamos os casos do Iraque ,da Líbia, do Afeganistão, da ex Jugoslávia, da Colômbia, da Síria, do México e recentemente da Ucrânia.
Claro que tudo isto passa despercebido aos olhos de milhões de habitantes do planeta. Estas acções sediciosas, subversivas e secretas dos EUA contam com o apoio de uma teia de aranha de altos funcionários , de personalidades, de agências governamentais, empresas multinacionais, do exército, dos centros universitários, de "think tanks", de fundações, organizações não governamentais e intelectuais, cujos directores e conselheiros se encontram de maneira indistinta nos conselhos de administração de grupos como Chevron, Exxon Mobil, Carlyle, Halliburton, Blackwater, e nos postos de comando da CIA, do Pentágono, etc.
Os EUA mantêm cerca de 13 000 elementos das Forças de Operações Especiais (FOS) operacionais em 75 países ! Eles são unidades de elite do exército, da marinha e da força aérea US, às quais se juntam as famosas "Forças Delta", especializados em actividades clandestinas, sabotagem, espionagem, assassinatos pontuais etc.
A táctica que consiste em criar as condições levando eventualmente a uma "intervenção humanitária" ocidental e /ou a uma ingerência militar directa do Pentágono, foi experimentada frequentemente. A "experiência" mais recente foi em Kiev, onde vimos um grupo nazi provocar um golpe de Estado com o apoio da NATO e da UE.
(Suite)
Que o regime venezuelano ou bolivariano nos agrade ou não, o facto é que o Manual TC-18-01 das FOS do Pentágono é aplicado actualmente na Venezuela, onde os barões do capital privado, a hierarquia católica conservadora e a extrema direita local, agem com o objectivo de provocar a queda do governo democraticamente eleito de Nicolas Maduro.
Francamente, como é possível considerar os EUA como um amigo ao qual nos devemos aliar, quando este grande pais aplica tão mal os valores fundamentais da democracia ?
Os Impérios têm cada um a sua maneira, não somente de alargar e prosperar, mas também de declinar, antes de expirar. Que os EUA não nos arrastem na sua queda é o que espero.
Apresento as minhas desculpas pelo espaço utilizado.
J. de Freitas
ideias para pensar que nada devem ao mundial portugal eua embora coincidam.
no preambulo, acrescentaria a comunidade portuguesa nos eua e mundo como outra prioridade da politica externa, não como é levada, mas duma forma activa, oferecendo utilidades (uma eficaz politica de ensino da lingua portuguesa no exterior, onde há comunidades importantes) e tirando partidos das comunidades lá (convencendo as a interessar se pela politica local e nela participar activamente, investindo em portugal, p ex)
é chique e obrigatório entre a esquerda ou muitos que se dizem esquerdistas dar mostras de desprezo pelos eua com afirmações infantis como os americanos são estupidos, são incultos, são uns gordos, não sabem comer, só comem macdonalds, e daí se parte para outros factos, alguns produto de erros dos eua como a luz verde de kissinger para a invasão de timor em 75, as armas escondidas do iraque, chile em 73, vietnam, actoa aliás ditados pela guerra fria e bipolaridade. que obama não mande agora tropas para o iraque...
certo que só temos a ganhar com uma relação forte, util e eficaz com os eua, não só com a europa a que estamos amarrados por obrigação.
dito isto, concordo que são um grande país com uma enorme vitalidade cultural, econó
mica, politica e democratica antiga.
os nossos serviços de turismo que promovam portugal e tragam muitos turistas americanos até aqui, incluindo açores e madeira, ficam a conhecer isto, sentirão simpatia e, afinal, no sector turismo estará sem duvida boa parte do presente futuro económico de portugal, não na grande industria para exportação que já perdeu o seu tempo, oferecemos aos turistas qualidade europeia a preços baixos.
e o mne que reforce as embaixadas e consulados por aqueles lados, mais gente, mais serviços, muito mais penetração e presença por lá, etc etc.
Inteiramente de acordo com J.DeFreitas! Um bom comentário.
Luís Branco
Timor, Senhor Patrício Branco, é uma das páginas mais negras da diplomacia americana no mundo. Antes de falar de Timor convém não esquecer a maneira como o general Suharto chegou ao poder em 1965. Centenas de milhares de agricultores sem terra foram massacrados nalguns meses. O Partido Comunista foi completamente destruído. O Ocidente celebrou o "grande êxito", felicitando o borrego do povo indonésio. Roberto McNamara falou de "grandes dividendos" da política de cooperação e treino dos militares indonésios concedido pelos Americanos. Grandes dividendos = a 500.000 mortos!
Entretanto os EUA venderam 1 000 milhões de $ de armamento a Suharto. O mesmo armamento que vai servir mais tarde, em 1975, contra os Timorenses.
A diplomacia americana era simples : A Indonésia conta e o Timor Oriental não conta nada". Dito doutra maneira: A Indonésia, rica em matérias primas, 200 milhões de habitantes, e Timor Leste , 800 000 habitantes, pobres e que querem a independência.
Esta é a moral americana, sob a bandeira dos valores ocidentais.
Entao, quando escreve : "como a luz verde de kissinger para a invasão de timor em 75, as armas escondidas do iraque, chile em 73, vietnam, actoa aliás ditados pela guerra fria e bipolaridade. que obama não mande agora tropas para o iraque..."
e considerar que eram "actos ditados pela guerra fria" , não caro Senhor. Não acho que estas acções imperialistas americanas tinham qualquer coisa a ver com a guerra fria , mas antes a cumplicidade habitual com as ditaduras que servem os interesses dos EUA.
Quer se queira quer não se queira os Estados Unidos da América são o baluarte da democracia no mundo.
Desde a sua independência em 1776 que consagraram na sua constituição e vivência os Direitos do Homem e a vivência democrática.
É certo que fizeram, e continuam por vezes, a cometer erros, mas foram eles que salvaram a Europa e o mundo dos dois totalitarismos, o nazismo e o comunismo.
O poder económico e militar dos EUA derrotou tanto Hitler, com Estaline e os seus sucessores e espero que a América assim continue a atuar, nomeadamente em relação ao pacífico onde a agressividade da China está a causar ondas de perturbação.
Bela análise, caro Embaixador. Só o grande conhecimento das coisas permite fazer esta análise certeira. Este artigo faz muito pelas relações sãs entre Portugal e os Estados Unidos. É bom que estas coisas sejam ditas. Parabéns!
CSC
a luz verde para a invasão de timor foi uma página negra e triste, a guerra fria não justifica nem desculpa o atropelo e as atrocidades, mas ajuda a compreender a lógica geoestrategica dos anos 60, 70, e as acções partiam dos 2 blocos, quanto a kissinger foi um personagem particularmente diabólico sem duvida...
Algumas contra-verdades no comentário do comentador anónimo das 14:34.
A propaganda pro-americana que desde o fim da guerra quer fazer crer que foram os EUA que ganharam a guerra de 39-45 não resiste à análise que os especialistas mais autorizados do mundo inteiro fizeram, provando que sem o sacrifício de dezenas de milhões de soviéticos a guerra não teria sido ganha pelo Ocidente.
Durante a Segunda Guerra mundial, o Exército Vermelho incorporou 29 574 900 soldados, que vieram juntar-se aos 4 826 907 em serviço em Junho de 1941.
Sobre o total de 34 401 807 soldados, ela perdeu 6 329 600 mortos em combate, 555 000 mortos por doenças ou feridos e 4 559 000 desaparecidos. O numero total de mortos militares eleva-se portanto a 8 668 400.
Esquecer este facto é simplesmente uma injustiça feita ao povo que nos permitiu realmente de escapar ao nazismo.
Quanto à democracia estamos de acordo que é o sistema menos mau. Mas poderíamos debater longamente para compreender como é que hoje, 85 pessoas no mundo possuem a mesma riqueza que 3,5 biliões doutras pessoas, e que morrem 10 milhões de humanos, de fome, cada ano, enquanto o mundo nunca produziu tanta riqueza como hoje.
Culpa do comunismo , que não existe praticamente em nenhum lugar nem nunca existiu realmente? Ou culpa dum sistema injusto que ultrapassa todos os dias limites inaceitáveis ?
Creio antes que deveríamos combater por um futuro a oferecer aos nossos filhos, em vez de aceitar de continuar a ser vítimas de indivíduos sem escrúpulos que trabalham unicamente para a perpetuação do seu próprio poder.
Hoje percebo porque a minha carreira estancou subitamente quando disse não a uma colocação na pátria de Washington. Se este artigo não tivesse vindo a lume nunca teria chegado a perceber...
Um breve comentário a Defreitas.
Não se contesta o empenho dos soldados da URSS na luta contra os soldados alemães.
Convém contudo referir que na logística do exército vermelho foi fundamental o apoio de equipamento dos EUA, nomeadamente a nível de camiões e jeeps. Sem eles não teria sido possível movimentar em tempo útil os soldados e equipamentos que contribuíram para a derrota do agressor nazi.
Breve comentàrio ao anonimo das 11:48:
Sem dúvida. Mas a base da ajuda que foi dada pelos EUA à URSS, através do famoso "Contrato de Leasing" , foi explicada por Lord Beaverbrook que : Ao conceder este apoio aos Russos, Hitler teria muito mais dificuldades a utilizar o seu pleno potencial militar contra o Reino Unido.
Não esquecer que foram 300 divisões alemãs que os Russos bloquearam no leste europeu.
E a partir de Dezembro de 1941 , data da entrada dos EUA na guerra, este apoio foi considerado como um meio importante de salvar a vida de milhares de soldados americanos, o que era uma preocupação, sempre presente, para todo presidente dos EUA.
O sacrifício de milhões de soviéticos valia bem os dólares dos armamentos fornecidos à URSS. Imaginemos a sangria no Ocidente se os Russos tivessem capitulado.
Quando recordo os termos do Contrato de Leasing dos EUA à URSS, não posso deixar de sorrir com respeito ao artigo V : " Todo e qualquer material que no fim da guerra não tiver sido utilizado, destruído ou usado, e que o Presidente dos EUA considerar ainda útil à defesa dos EUA ou aos seus aliados ou para qualquer outra utilização, deverá ser retrocedido aos EUA " ! O que foi feito.
Não previram nenhum artigo ou alínea para o retorno dos 8 milhões de mortos , mortos definitivamente! Business 's business e "Money 's money" !
Enviar um comentário