segunda-feira, junho 02, 2014

Informando Szohôd

"Há uma semana, aqui em Portugal, o PS ganhou as eleições europeias por uma vantagem de cerca de 4% sobre a coligação de direita. Dentro e fora do partido, surgiram de imediato vozes a considerar esse resultado como pouco expressivo, atendendo em particular ao elevado desagrado que a política do governo havia criado no país e que, aliás, reduziu a maioria a um resultado muito baixo, sem paralelo na História democrática recente. Essa leitura interpretou negativamente o facto do PS ter captado apenas 32% dos 72% dos votos que não beneficiaram os candidatos da maioria e atribuiu isso a uma prestação insatisfatória do atual líder socialista, António José Seguro, nomeadamente pela formulação do que foi considerada uma pouco convincente alternativa política.

Convirá notar que Seguro tem no seu palmarés de líder da oposição duas vitórias eleitorais (autárquicas e europeias) e, nesta última, deixou a quase 10 pontos o PSD (a coligação teve 28%, podendo presumir-se que isso corresponde a 22 ou 23% para o PSD e 6 ou 5% para o CDS). Acresce que Seguro assumiu a liderança do PS após uma derrota fragorosa deste partido, em junho de 2011, que largos setores da opinião pública ligaram a um juízo fortemente negativo sobre o saldo financeiro dos últimos anos de gestão socialista. Seguro herdou um PS internamente dividido e preso ao compromisso assumido com a "troika", ainda subscrito pela anterior liderança, de cujos principais protagonistas se afastou e cujo património político foi acusado de não defender. Ao longo do programa de ajustamento, confrontou-se com um governo que, dia após dia, foi recebendo de quase todos os setores da comunidade internacional vagas constantes de elogios - que acabou por instalar em muitos e diversos meios internos a ideia de que não havia uma real alternativa à política de austeridade - e com um presidente da República cuja atuação muito favoreceu, na globalidade, a maioria no poder. Na sua gestão da oposição, Seguro foi obrigado a colocar-se no caminho muito estreito entre o cumprimento das metas internacionais previstas no acordo com a "troika" e a propositura de outras alternativas em matéria de política económica, sendo que a maioria das ideias que apresentou vieram a encontrar escasso eco externo e abertamente contrariavam as orientações do BCE, da Comissão Europeia e do FMI. A perceção desta relativa "solidão" internacional de Seguro não terá deixado de ter consequências na sua credibilidade interna.

As linhas positivas que alguns detetam na prestação do líder socialista não convencem, contudo, os seus críticos internos, que os resultados das eleições europeias estimularam a abandonar o silêncio tático que vinham mantendo, decidindo apoiar com entusiasmo a esperada candidatura à liderança de António Costa, o popular presidente da Câmara de Lisboa. O antigo ministro, apreciado em áreas à esquerda e à direita do PS, é dado por muitos como tendo uma imagem pública capaz de melhor mobilizar a oposição para uma vitória nas eleições legislativas previstas para 2015. Trata-se de um dos mais experientes políticos portugueses, de quem muito também se fala como futuro candidato presidencial. Em 2011, Costa escusou-se a disputar a liderança do PS contra Seguro, após a saída do anterior PM Sócrates, tendo recusado também a possibilidade de o voltar a desafiar no Verão de 2013, quando outra crise idêntica, embora menos tensa, atravessou o partido. Há quem diga que este não seria ainda o seu "timing" mas que, se recusasse este novo ensejo, poderia estar a comprometer definitivamente as suas ambições. Não se conhece ainda a Costa o corpo de ideias que possa vir a apresentar como programa para uma futura liderança da oposição, mas o desagrado que deixou claro quando o PS aprovou o Tratado Orçamental e a sua atitude, mais entusiástica do que a de Seguro, favorável a uma reestruturação da dívida pública são elementos que podem indiciar a sua adesão a uma linha mais confrontacional no plano externo - o que também é reforçado pelo leque de apoios partidários que tem vindo a recolher. Mas será errado presumir-se que Costa possa ser tentado a dissociar-se de uma política de responsabilidade, em matéria financeira internacional, se acaso vier a ascender à liderança da oposição.

Sob forte pressão, Seguro decidiu sublinhar a sua legitimidade e não facilitar a iniciativa desafiadora de Costa, recusando-se a convocar um congresso do partido, escudado nos estatutos e num aparelho que maioritariamente (pelo menos, por ora) o apoia. Em contrapartida, e num movimento de surpresa, sugeriu a realização de um processo eleitoral do futuro candidato socialista a primeiro-ministro, através de umas inéditas "eleições primárias", seguindo aparentemente o modelo francês de 2012, esclarecendo já que se demitirá de secretário-geral do PS em caso de derrota no sufrágio. Os observadores não adiantam prognósticos quanto ao saldo final deste debate.

Neste entretanto, o governo, confrontado com mais uma recusa do Tribunal Constitucional em aprovar algumas das últimas medidas de austeridade que tinha acordado com a "troika", o que pode redundar num novo pacote de impostos, pode contar com a supracitada situação no principal partido da oposição, entretido nas suas guerras fratricidas, e, por essa via, fragilizado na sua capacidade de combate. Segundo alguns meios, cuja credibilidade não é possível precisar, esta situação poderia levar o primeiro-ministro a propor ao presidente da República uma "clarificação" política, através de uma antecipação das eleições legislativas para o segundo semestre deste ano, confiante em que algumas melhorias na situação económica do país e um eventual descalabro visível na oposição poderiam desenhar um cenário que acabaria por lhe ser favorável.

Mas, neste país, atlântico na franqueza, europeu nos costumes visíveis, mediterrânico nos hábitos públicos e levantino na insuperável capacidade para tornar complexas as coisas mais simples, nada é mais imprevisível do que o futuro daquilo que hoje se toma por certo. O que, aliás, é muito pouco".

(Tradução do telegrama que o embaixador da Bordúria em Lisboa enviou há minutos às suas autoridades em Szohôd)

13 comentários:

Anónimo disse...

Convenhamos que neste cenário só faltou mesmo Amado vir a terreiro com uma soante lapilassada que nada acrescentou à compreensão dos factos mas nem por isso menos repercutida nos media. Onde é que se meteu Luis Amado?

Anónimo disse...

Muito perspicaz o embaixador da Bordúria em Lisboa ! :)

Isabel BP

Anónimo disse...

O que "escapou" ao embaixador da Bordúria em Lisboa:

O actual PM português estava muito confiante e seguro da sua vitoria, caso fosse a votos com o actual secretário geral do PS.

J.Tavares de Moura disse...

O senhor embaixador da Bordúria tem andado muito distraído e eu diria que é certamente amigo do Seguro.

Unknown disse...

Caro Francisco

Este embaixador sabe-a toda. Se o Dr. Portas não se precata o diplomata é homem para renegar a Pátria e assim deixar de informar Szohôd, ocupando o lugar de patrão das Necessidades. Já se tem visto pior...

Peço por obséquio ao anónimo das 00:48 que me informe a que propósito mete o Sr. Dr. Luís Amado ao barulho. Logo ele que é tão soft. Obrigado

Abç Francisco

Anónimo disse...

"Esclarecedor" texto do senhor embaixador "retirado" Francisco Salomão da Costa.
Esclarecedor!

Anónimo disse...

do blog "Corta-Fitas":

"A Grande Ilusão

Estou persuadido de que António Costa tem mais tarimba política que António José Seguro e até dou de barato que a sua figura associada à institucionalidade dos cargos que já exerceu no governo infunda ao Zé Povinho acrescida “ilusão”. Mesmo que os tenha exercido sob a liderança de José Sócrates, o primeiro-ministro que conduziu o País à falência e que assinou o acordo de resgate com a Troika que acabámos de cumprir com língua de palmo. Mas se em situações de aperto histórico é conhecida a tendência dos portugueses para o sebastianismo, nem isso justifica as expectativas infantis que gera a possível troca de liderança no Partido Socialista. Mais a mais na actual conjuntura em que o centro de decisão das mais importantes questões políticas e económicas para o País se transferiu para tão longe de S. Bento. Tentar iludir os portugueses sobre isso, além de uma puerilidade, constituirá uma fatal machadada no regime.
Estou persuadido de que António Costa tem mais tarimba política que António José Seguro e até dou de barato que a sua figura associada à institucionalidade dos cargos que já exerceu no governo infunda ao Zé Povinho acrescida “ilusão”. Mesmo que os tenha exercido sob a liderança de José Sócrates, o primeiro-ministro que conduziu o País à falência e que assinou o acordo de resgate com a Troika que acabámos de cumprir com língua de palmo. Mas se em situações de aperto histórico é conhecida a tendência dos portugueses para o sebastianismo, nem isso justifica as expectativas infantis que gera a possível troca de liderança no Partido Socialista. Mais a mais na actual conjuntura em que o centro de decisão das mais importantes questões políticas e económicas para o País se transferiu para tão longe de S. Bento. Tentar iludir os portugueses sobre isso, além de uma puerilidade, constituirá uma fatal machadada no regime. "

Alexandre

ignatz disse...

vitórias eleitorais autárquicas!!!
qual foi a câmara que o seguro ganhou???

Anónimo disse...

Caro Antunes Ferreira,

Leia por favor o DN e veja o sound bite largado por fontes laranjas sobre quem poderiam ser os candidatos a Comissário Europeu: Moedas(uma gargalhada), Maduro( sério embora inexperiente), Silva Peneda (ultrasério e credível) .... e Amado, nome que não é para ser levado a sério mas que testemunha uma, aliás mais-do-que justificada complacência do PSD a seu respeito.
Sempre defendi que quem não está bem muda-se e tenho francamente mais simpatia por Eurico Figueiredo que saíu do PS para poder apoiar outro candidato do que por Alegre ou Amado que jogam um jogo dúplice e ambíguo dificilmente compatível com quer continuar a ser militante.

opjj disse...

Dr. Seixas da Costa, então não era previsível o que está a acontecer no PS!
Áquela distância muitos não disseram que AJSeguro
era uma lebre!
Só um cego é que não via que ACosta está cheio de ambições, embora pense que é muita parra e pouca uva. Aliás não vejo obra sua que ficasse em memória.
Vai haver 2 surpresas, aguardemos as próximas eleições.
Cumps.

Anónimo disse...

Telegrama do embaixador da Sildávia em Lisboa

Sendo embora residente em Paris, não deixo de seguir o que se passa em Portugal, país onde estou acreditado, Estado nosso amigo e cada vez mais nosso aliado, graças à minha acção persistente e incansável. A nossa firme atitude contra a Bordúria, após o grave incidente de fronteira na ribeira Tentenokayas, em que invasores expansionistas borduros caçaram e grelharam um cabrito sildavo, em clara violação dos acordos de Nogent-sur-Marne de 1990, tem-nos grangeado vivas simpatias da parte de todos os partidos responsáveis de Portugal e o eco destes incidentes na imprensa local excedeu as minhas melhores expectativas ( ver meu 111).

A recente crise no PS português insere-se no drama geral das sociais-democracias na Europa que, apanhadas nos laços de uma malha normativa europeia que apenas permite aos Estados a execução de uma política ordo-liberalista (ver meu 222) , se debatem como peixes fora de água acabados de pescar, à procura de uma palavra a dizer. De um lado, o radicalismo idealista, filho da ética da convicção e sem necessidade de atender à responsabilidade, que alguns traduzem num simples "rasgar o memorando", que eles sabem impossível de rasgar; do outro, os que estão prontos a alinhar na Grande Missa Europeia, que à alternância veio substituir a mera dança de cadeiras e que aparecem a público, com grandes promessas de mudança, para depois virem simplesmente fazer o que lhes mandam - a França está muito perto daqui para se poder esquecer o resultado dessas políticas.

Os que os "rebeldes" do PS podem representar é a possibilidade de um outro jogo: de, através de uma plataforma com forças políticas diferentes, para além da clivagem tradicional esquerda-direita, se construir uma política "patriótica" (sem medo da palavra) de defesa dos interesses da economia portuguesa contra os telecomandados pela nova "ideologia alemã". Será possível? Talvez não, mas é a única saída. Renzi não hesitou em apunhalar Letta e o capital de entusiasmo ali está. Servirá para alguma coisa? Tentemos. Navegar é preciso.

Longa vida a Sua Majestade Muskar XV e que o espectro da abdicação de um rei de um país aqui vizinho nunca possa assombrar a nossa amada Sildávia!

a) Klopstock

Anónimo disse...

Conclusão: Mandaram-me abrir a Embaixada na Suíça. É mais segura do que a França e Portugal juntos. Enquanto tal não acontecer, ficarei instalado em "les cygnes" (Rolle) já que o hotel Cornavin passou de cinco para quatro estrelas - e só vale três. Roubei o Nestor Portas a Haddock, a Maria Luigi Sanzot à sua família de Moulinsart, e o Pietro Castafiore à sua Irma Merkel e ao seu Igor Barroso. Estão a chegar o professor Tournecrato e o Séraphin Machete. Louis Dupond e Marc Antoine Dupont vão treinar a minha segurança. Haverá mais. O salário mínimo, para os dois últimos, será aqui de 4000 francos suícos. A nova Milú, que até agora é Maria, é de borla: será oferecida pelo Aníbal Tim-tim, que até paga os custos do transporte. Virá ao colo de Abdallah Liberato. Espero - ou não no fundo - que chegue viva. Felizmente, o Oliveira de Frasquilho terá as contas em ordem. E o general Alcabranco os homens na rua. Continua...

Isabel Seixas disse...

Esqueceram-se de o informar sr. Embaixador que o partido abstencionista do já se está por tudo está-se nas tintas e é incolor, mas maioria absoluta e vai governar com legitimidade na vanguarda, diga-lhes que não se ponham a pau não!!!

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...