Foi na quarta-feira. Uma boneca pequena, de pano, estava pousada ao lado do balcão. Quando entreguei a carta, soou-me estranha a pergunta: "Não quer levar essa boneca, para oferecer a uma criança?". Gelei, por um segundo: minutos antes, soubera que uma pessoa próxima perdera uma criança, a horas do parto, pelo que eu próprio estava um pouco de luto. Uma boneca, noutro contexto mais feliz, poderia significar uma prenda. Mas logo me refiz. Estava na estação dos correios do aeroporto de Lisboa.
(Os Correios eram uma instituição com simbolismo, na minha juventude, lá por Vila Real. As "senhoras" dos correios eram gente conhecida, quando nos abeirávamos dos balcões perguntavam-nos pelos estudos e pelos pais. Mais tarde, conheciam os meus vícios filatélicos, guardavam as novas emissões, os envelopes "do primeiro dia". Até os carteiros faziam parte da nossa paisagem urbana, conheciamos-lhes os nomes, estranhávamos quando iam de férias, surgiam impecáveis nas suas fardas - hoje alguns que me entregam cartas assustam, pelo aspeto, mas admito poder estar a ser injusto.)
Bonecas à venda, nos Correios? Olhei o homem, face ao que me pareceu ser o insólito da proposta. Mas logo concluí que o "defeito" era meu. Raramente entro numa estação de correios. Por detrás e ao lado do homem havia uma parafernália de coisas para vender. Aa cartas pareciam um mero acessório, naquele mundo de quinquilharia em que os antigos CTT se transformaram. Registada a carta, o homem não desarmou: "Não quer um bilhete da lotaria?". Parecia que a sua "performance" dependia das vendas que fizesse. Fiz que não com a cabeça. Mas não resisti e, com um sorriso, perguntei: "Tem ações dos Correios para vender?" Atrás de mim, um cavalheiro respondeu por ele: "Isso é que é um bom negócio". É verdade: os Correios são um bom negócio. Exceto para os portugueses, cujo Estado deixou de possuir uma importante empresa de serviço público que, além disso, lhe era rentável.
22 comentários:
Eu aqui na minha estação dos correios é contra as máquinas automáticas que protesto. Quando quero comprar um selo ou registar uma carta consigo ainda encontrar um funcionario, ou fincionária, que me vai "ensinar" como aquele monstro finciona. Mas decerto também serei vencido. A ver como se passa com as SCUTS em Portugal, onde não há barretes vermelhos...
José Barros
Eu aqui na minha estação dos correios é contra as máquinas automáticas que protesto. Quando quero comprar um selo ou registar uma carta consigo ainda encontrar um funcionario, ou fincionária, que me vai "ensinar" como aquele monstro finciona. Mas decerto também serei vencido. A ver como se passa com as SCUTS em Portugal, onde não há barretes vermelhos...
José Barros
Eu aqui na minha estação dos correios é contra as máquinas automáticas que protesto. Quando quero comprar um selo ou registar uma carta consigo ainda encontrar um funcionario, ou fincionária, que me vai "ensinar" como aquele monstro finciona. Mas decerto também serei vencido. A ver como se passa com as SCUTS em Portugal, onde não há barretes vermelhos...
José Barros
mas há tempos que é assim, hoje há de tudo nos correios, selos, apartados, envelopes e embalagens, livros de literatura, de colinária, escolares, discos,brinquedos, legos, puzzles,jogos, recordações, lotaria, produtos financeiros...
vou regularmente aos correios e sinto um serviço acolhedor, moderno, eficiente, as funcionárias/as simpaticos, o ambiente luminoso e alegre, não quer levar uma lotaria? é uma pergunta corrente quando acabamos o que estamos a tratar e porque não por vezes. os funcionários se vamos com frequencia conhecem nos e perguntam pela vida, férias, familia e, importante, não é caro.
contas de gás, alguns impostos, taxas, podem ser pagos nos correios, tambem pensões, a boneca se há ocasião e menina para oferecer é de levar, etc
espero que a venda de grande parte das acções não leve os novos accionistas a querer despedir gente atenta e simpatica, a fechar mais estações em aldeias e vilas isoladas, os trabalhadores dos correios não conseguiram comprar o total do lote de acções que tinham reservadas, é pena, que continuem no estado as que sobraram, algumas até lhes deviam ser oferecidas, faço pois o panegirico dos correios onde ainda há dias comprei um livro dos que ia folheando enquanto esperava e acontece que por vezes dá fome pois têm muitos livros de colinária, vamos vendo as fotografias dos pratos enquanto esperamos, e a proposito de lotaria as funcionárias/os desejam boa sorte e que não nos esqueçamos de lá ir se ganhamos algo, eles querem festejar tambem, que levemos algo, etc
um serviço eficiente e humano,continuo o panegirico, hoje diversificado, assim continue, etc etc...
e tirar sempre a senha de vez mesmo que não haja mais ninguem, que esteja vazia a estação ou posto, a senha tambem é uma estatistica do nr de actos, pois é ir mais aos correios, enviar encomendas, lá ter um apartado, e por aí adiante...
Vivemos numa terra surreal. Os Correios hoje não são uma sombra do que eram em termos de eficiência e qualidade de serviço. Entre outras modernices, entranharam a cultura dos números e do elemento humano descartável: cada vez menos funcionários nas estações, obrigados a venderem toda a espécie de quinquilharia. As estações abertas menos tempo, fechadas à hora do almoço, etc... Serviços caros...
Admirável mundo o nosso nestas pequeninas coisas...
Sem comentarios!!!
Tenho a certeza que poucas pessoas associaram a rápida degradação dos serviços dos CTT, incluindo a raquitiquização do número de estações e postos, à preparação da privatização.
Tudo isto é grotesco.
Sr. Embaixador, o Sr. que conhece o mundo, não se devia admirar de há uns anos os CTT vendam de tudo! Há mais de 40 anos, de visita a Londres fiquei admirada com o que se vendia nos Post Offices incluindo chupa-chupas!
Estes só estão a fazer o que os outros assinaram! Na realidade são os carrascos de serviço...
Ontem na janta um dizia: Nunca houve governo pior do que este! Retorqui: espera, até veres o próximo...
antónio pa
Tudo muda, mas continuamos a resistir a uma inevitabilidade.
Tudo muda e "nem sempre para melhor" ou " sempre para pior", como resmungam tantos, pouco acrescenta ao facto.
Há muito que os correios se transformaram em lojas e disso se aproveita quem precisa. Continuam a prestar o serviço essencial, que é o que importa.
Do negócio bolsista, o tempo dirá o tamanho do disparate que foi. Estamos vendidos ou, no mínimo, penhorados, há décadas. Talvez mesmo séculos; continuamos é apegados às glórias de antanho e aos sonhos permanentes.
Não fora isso e deixávamos de existir enquanto esboço de nação que ainda (se) importa.
Receba os meus sentimentos pela tremenda perda que a pessoa que lhe é próxima sofreu, uma dor desatinada que - essa sim - não tem palavras.
E, logo que possa, compre a boneca dos correios, sim?
No jornal Público da semana passada, vinha notícia que em Ervidel, no Baixo Alentejo, fechou a Estação dos CTT e o serviço faz-se agora numa mercearia local. Mas já nos anos 50, lá na minha aldeia, o serviço postal era feito na mercearia. Quanto às ações CTT, vamos ver os futuros ganhos dos pequenos investidores...
Estou espantado.
Com tanto "mundo exterior", esquece-se que Portugal evolui sem dar cavaco ao actual-politicamente-correcto da dir pingada/esq "novo rumo (?)" e outras-existências do Séc XIX!
Alexandre
Apesar da impermanência ser um dos aspectos mais positivos da vida, há quem sofre com as mudanças. O budismo chama a esse sentimento de sofrimento de mudança.
Mudanças fazem parte da vida e trazem movimentação à rotina, por isso, é preciso aprender a lidar com elas.
Vida é transformação constante, não existe maneira de mudar essa lei. De nada adianta querermos impor a perpetuação, a imutabilidade das coisas. Nada é permanente, tudo é passageiro. Enquanto não aceitarmos essa irrevogabilidade, não conseguiremos encontrar a harmonia.
Nesse momento, o melhor que podemos fazer é um balanço consciente do que está errado, do que não funciona mais como antes, e, com coragem e determinação, promover consciente e objectivamente a própria mudança, antes que a vida se encarregue de fazer essa mudança por nós.
Devemos aprender com os budistas: contemplar a transitoriedade, aceitar a inevitabilidade.
Quando aceitamos essa realidade e ficamos atentos à inevitabilidade das mudanças, tudo irá melhor. Ou pior, como escreve Margarida! Mas para a geração "qui s' en va" , a inevitabilidade é inaceitável. Trop tard !
Senhor Embaixador: e a somar a isso tudo há acrescentar o facto de lhes ter sido, em pleno processo de privatização, uma licença bancária; somos governados por um grupo de fanáticos!
V.Exª. fez-me lembrar um amigo que não vejo à mais de 20 anos, talvez ainda vivo como eu,trabalhava nos TLP e montava telefones. Numa viagem de autocarro em Lisboa, me disse;em Lisboa conheço todas as ruas e nos prédios as pessoas nem se conhecem e nem se falam,mas em Torres Novas não conheço os nomes das ruas mas conheço as pessoas pelos nomes e onde moram.
Cumprimentos
Caros comentadores críticos: eu lembrei os CTT do passado apenas por graça. O serviço era pior, mais lento e menos eficaz do que hoje. Só que as obrigações de serviço público impunham a necessidade de servirem os pontos mais recônditos do país, fosse a que preço fosse. Veremos se os correios privados cumprem essa função. Estou para ver...
Caro Francisco
Pelo menos, já somos dois a estar para ver...
Para o anónimo das 22h00: acho.
uma vergonha. mais uma cicatriz que este governo deixa ao país. entre uma direita de vampiros e uma esquerda de lunáticos não há país que resista. apetece morrer.
António,
Estás com bom aspecto! Gosto da tua frontalidade.
Grande abraço!
Um teu colega do MNE
(gozemos a nossa reforma, embora com cortes!)
Sr. Embaixador: como forçosamente coloco advogado no remetente, mantenho a dúvida de que será um bom desafio perceber se as cartas chegarão todas ao destino se o destinatário de algumas das interpelações que enviamos for porventura um dos próximos accionistas dos CTT.
Aguardemos...
JC
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