quinta-feira, novembro 15, 2012

Vária

1. Ontem, olhava distraído para a televisão, "zappando" entre canais. Como, por deliberada opção pessoal, não tenho acesso à nossa televisão (excepto as inenarráveis RTP internacional e SIC internacional, que vêm com o cabo francês), fixei-me num determinado canal, ao ouvir um filme falado em português. A representação era patética, teatral no mau sentido, com uma implausibilidade de cenas que raiava o absurdo, não obstante uma excelente imagem e alguns planos criativos. Fiquei a ver até ao fim, meia hora depois. Vim a constatar que era o "Singularidades de uma rapariga loira", que julgo ser uma adaptação do conto homónimo de Eça de Queiroz, que, recordo, tinha referências bem simpáticas às mulheres de Vila Real (não faço ideia se o filme as recupera). O realizador do filme era, como vim a constatar, Manoel de Oliveira. Embora talvez seja politicamente incorreto um embaixador de Portugal estar a escrever isto, face a um autor nacional tão celebrado por todo o mundo como é Oliveira, a honestidade leva-me a ter de confessar que achei o (que vi do) filme bem medíocre. Mas o defeito deve ser meu.

2. Desde há meses que, nas conversas que tenho com colegas e interlocutores franceses, tenho vindo a procurar sublinhar o caráter pacífico das manifestações que, em Portugal, têm tido lugar, por virtude da crise económica, subliminarmente tentando passar o contraste com o que vai ocorrendo noutras capitais, onde algumas reações assumiram, desde há muito, expressões bem mais violentas. A minha "inocência" acabou ontem, com as televisões europeias - e, no que me importa, as francesas - a mostrarem os desagradáveis incidentes em frente à Assembleia da República, com cargas de polícia, após as persistentes agressões e as inaceitáveis provocações de que os agentes foram objeto. Ou muito me engano ou, depois desta pouco salutar evidência de que, entre nós, os brandos costumes já foram arquivados, devo voltar a ser chamado a depor em algumas televisões francesas, agora que, de novo, aqui se "acordou" para o que se passa em Portugal. Ficaria muito satisfeito se assim não acontecesse, como se imaginará.

3. Luis Castro Mendes e Paulo Castilho, figuras prestigiadas da nossa diplomacia, recebem agora (e mais uma vez) prémios literários por obras suas, respetivamente nas áreas da poesia e do romance. Com Marcello Mathias, aqueles dois colegas fazem parte da "troika" de glórias da escrita de que muito nos orgulhamos, no seio da diplomacia portuguesa. Alguém me pode lembrar alguma outra carreira do serviço público português de onde, nos tempos que correm, tenham saído escritores premiados? Eu não conheço...     

12 comentários:

Anónimo disse...

Também existe Francisco Duarte Azevedo, que lançará a sua segunda obra, desta vez - poesia - "As Habitações Interrompidas", no dia 27,pelas 18h30, no Museu da Música, Rua João Freitas Branco, em Lisboa.

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador
Tem razão. Arriscava dizer que os médicos têm fornecido alguns artistas. Mas a média deve ser inferior.

Dalma disse...

Sr. Embaixador, deixo-lhe aqui transcrito o que uma minha amiga italiana(com a qual me correspondo em inglês) me disse à cerca de uma manifestação violenta em Roma.

"The riot in Rome was an episode of no importance, the usual things that happen when there are some political manifestations, but absolutely nothing to worry about. You know that if you isolate a single episode, and the press is very clever at it, a spectator from outside may even think that there is a civil war going on!"

O que se viu na nossa TV foi também isso pois não me consta que acontecimentos destes se tenham dado no resto de Portugal!

Rui Franco disse...

O problema não é do embaixador. Manoel de Oliveira é mau, mesmo. E que sorte teve de o filme não ser, por exemplo, o "Cristóvão Colombo, o enigma". A cena da senhora Oliveira cantando na proa de um barco é um monumento de (involuntária) comédia.

Numa coisa, no entanto, Oliveira é bom: sabe-se rodear de técnicos capazes. Do mal, o menos.

Dito isto, "O gebo e a sombra" (a mais recente obra do "mestre") é muito agradável de ver. Uma exceção, entenda-se.

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

Senhor Embaixador,

Se fôr chamado pelas Televisões Francesas para comentar a "violência" diga-lhes que é uma experiência para o equilibrio do SNS através do aumento das receitas com taxas moderadoras.

Anónimo disse...

Há muito de verdade no que diz Dalma e que tem a ver com o que vende e o que não vende em termos mediáticos .

Mas a mim , vindo de muitas outras "guerras" , o que me surpreende (só um pouco , já ando cá há uns anitos) é como é que determinadas forças partidárias e sindicais começam a ser ultrapassadas pela "rua" em tão pouco tempo .

RMG

patricio branco disse...

professores universitarios, medicos, gente da tv, advogados, têm escritores em quantidade e qualidade.
diplomatas há ainda pinto da frança (diários, contos), albano nogueira ("uma agulha no céu")e alguns mais de menor qualidade, (pinto machado,"o secretario da embaixada") alem de um ou outro memorialista com razoavel qualidade.
médicos vamos a f namora e lobo antunes.

sinto o mesmo em rlação a manuel de oliveira, um cineasta que nunca consegui perceber bem o valor, para alem do aniki bóbó e douro cidade fluvial. é um cineasta cujos filmes têm algo de infantil.

a violencia dos protestos de rua é a expressão do desespero e iguala-nos a espanhois, gregos, italianos, franceses (st denis há 4ou 5 anos).
o que houve não foi ainda verdadeira violencia mas disturbios ruidosos e pedras da calçada atiradas, uns contentores incendiados, o que dá nas vistas mas dentro da escala é ainda violencia baixota.

patricio branco disse...

permito-me transcrever parte doutro comentário (dalma) sobre assunto manifestações:


"The riot in Rome was an episode of no importance, the usual things that happen when there are some political manifestations, but absolutely nothing to worry about. You know that if you isolate a single episode, and the press is very clever at it, a spectator from outside may even think that there is a civil war going on!"

aqui foi isso tambem.


Francisco Seixas da Costa disse...

Caros Comentadores: eu falei em profissionais da diplomacia que sao escritores "premiados". Nada mais.

Anónimo disse...

A velha senhora quase se irritou com o seu admirado (amado?) 'jov'embaixador', surpreendida e chocada, disse-me, com tão má opinião acerca do cineasta maior que é, para ela, Manoel de Oliveira. Mas resolveu sorrir, complacente, e ironizar:

filho amor vê meia hora
desse filme do oliveira
e sai logo cá pra fora
sentença 'honesta' certeira

eu vi a parte de baixo
da guernica de picasso
pareceu-me um mamarracho
não dava traço com traço

Anónimo disse...

A velha senhora minha amiga, hoje aqui de visita (recebo-a sempre com ternura, e a minha mulher com paciência...), parece que está ligada à corrente. Agarrou-se ao tema e não se cala com emendas e inovações (juntei pontos e vírgulas, à revelia):

vê, filho e amor, meia hora
do filme, esse, do oliveira,
- e logo sai cá pra fora
co' fatwa 'honesta' certeira:
- 'medíocre' há lá quem queira?

vejo eu a parte de baixo
da guernica do picasso,
parece-me um mamarracho,
não me dá traço com traço
- e ao lado do génio passo!

o cavaco, esse, não viu
nada da nossa manif :
do que não viu, concluiu
que é o povo que é patife
- estamos feitos ao bife!

pra combater a violência
usa a violência a polícia:
diga-me sua excelência
se não é crime ou estultícia
- não quer pra si tal delícia?

Anónimo disse...

.. E a velha senhora não se cala:

cavaco esteve co'o passos
na manif, disfarçados
de polícia ou de relapsos
provocadores zangados?

e seus sósias no 'trabalho'?
- que vão ambos pró serralho!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...