sexta-feira, abril 03, 2009

A excepção e a regra


Em 1966, o presidente De Gaulle cansou-se do que entendia ser uma insuportável tutela americana sobre a segurança e defesa europeias. A saída da estrutura militar integrada da NATO foi o modo como a França entendeu poder garantir caminho livre para a criação da sua “force de frappe” nuclear e, de certo modo, iniciar o que viria a ser a sua política de “excepção” no quadro ocidental.


A França, contudo, não saiu da Aliança Atlântica, não se dessolidarizou nunca dos seus objectivos, mas conseguiu criar, numa gestão de colaboração cujo casuísmo identificou a sua diferença, uma independência reforçada, a qual, em especial durante a Guerra Fria, não deixou de ter consequências interessantes no seu posicionamento à escala mundial.


Entretanto, o muro de Berlim caiu, a Alemanha reergueu-se, o terrorismo passou a global, a Europa alargou-se até às portas de Moscovo e os EUA, depois de mais um ciclo de unilateralismo, redefinem o modo de proteger os seus interesses no mundo. É neste contexto que a NATO discute o seu novo conceito estratégico, ao qual não será indiferente a jurisprudência de segurança resultante da sua acção “out of area”, na qual a França amplamente participa.


Para a França, ficar fora da NATO já só significava manter um símbolo datado, face ao interesse maior de preencher em pleno um lugar de decisão. Para a NATO, a França representa a possibilidade de ter no seu seio uma voz aculturada a um registo de alguma singularidade estratégica. Na perspectiva de Portugal, o pleno regresso da França à NATO pacifica a dimensão transatlântica, que é nosso interesse reactualizar construtivamente, coloca o peso francês no comando em território português e, de certo modo, reequilibra uma relação de forças intra-europeia que deve servir de base à densificação de uma dimensão de segurança e defesa à escala da UE, na qual estamos interessados.


Por isso, o fim da “excepção” francesa na NATO, com a retoma da regra da sua participação plena, é, para Portugal, uma excelente notícia.


(Artigo de Francisco Seixas da Costa publicado na edição de hoje do "Diário Económico)

3 comentários:

Helena Sacadura Cabral disse...

De Gaulle foi, de facto, um homem a quem a França muito deve. Mas nem sempre a histtória lhe deu o devido valor. Sobretudo, nos dias de hoje, em que ser nacionalista é sinónimo de ser reaccionário...
Por mim, antes de ser europeia, sou e com muito orgulho, portuguesa. Com tudo o que de bom e menos bom tal comporta.
É que gosto tanto de Portugal, que chego a gostar dos nossos defeitos.

Anónimo disse...

Um artigo muito interessante, designadamente por nos fazer compreender porque se deve apoiar esta atitude da França.
O contributo francês para o que se irá pretender doravante da Nato (a partir, sobretudo, de 2010-11) é do maior interesse e da maior relevância. Há vários “desafios” no horizonte, desde o novo relacionamento com Moscovo, a sua expansão, a sua actuação “out of area”, terrorismo, novas ameaças, etc, que seguramente beneficiarão com este envolvimento mais profundo por parte da França.
Tenho grande respeito político pela figura que foi De Gaulle, mas os tempos, hoje, são de facto bem diferentes do que os daquela altura e, como tal, requerem posturas e comportamentos correspondentes à realidade actual. Nos planos político, estratégico e de defesa.
P.R.

ARD disse...

Para De Gaulle, a saída da NATO era, entre outras, uma das formas de obstar ao declinioda França, de evitar, como ele dizia, a "portugalização" da França, como ele dizia a Alain Peyrefitte: "Regardez le Portugal, il a ´té grand. Ce petit peuple a conquis le Brésil, les côtes d'Afrique, de l'Inde, de la Chine. (...)Aujourd'hui, c'estun pauvre petit pays. La France va-t-elle décliner aussi?Va-t-elle se portugaliser?".
Então viviam-se, é claro, os tristes dias do Portugal salazarento e atrasado.
E a arrogante "grandeur" da França também já passou à História.

Poder é isto...

Na 4ª feira, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal que desde há quatro anos faço no Jornal Económico com o jornalista António F...