quinta-feira, abril 30, 2009

Descolonização

Texto de um "take" da Agência Lusa de hoje: O embaixador de Portugal em Paris, Francisco Seixas da Costa, opinou quarta-feira, em Paris, que no seu "ponto de vista pessoal", a descolonização "foi uma tragédia, tal como foi a colonização, mas não era possível fazer de outra maneira."

A expressão, em rigor, foi esta: "A descolonização foi uma trágédia, da mesma maneira que a colonização foi uma tragédia. Esta é uma frase de Melo Antunes que eu subscrevo". Mais adiante referi: "A descolonização foi feita da forma que foi porque o estado a que o regime anterior tinha conduzido a situação nas colónias não possibilitou outra solução", tendo também referido que uma solução negociada teria sido possível, se para tal houvesse vontade política, nos anos 50, e tendo ainda detalhado as muito difíceis condições político-militares nas colónias com que o novo poder se viu confrontado e que impediam que se seguissem outras vias.

As sínteses têm sempre riscos, o principal dos quais é a imprecisão.

10 comentários:

F.C. disse...

Uma tragédia não só para Portugal, mas também para os países descolonizados, que em alguns casos, entraram imediatamente em guerras cívis, que se perpetuaram durante 30 anos, como Angola, e em que morreram milhares de pessoas.

Anónimo disse...

Foi pena de facto que não se tenha podido descolonizar antes do início da década de 60, como outras potências coloniais o vieram a fazer. Naturalmente, tal foi possível pelas razões que todos sabemos: “o velho manholas” (como alguém aqui neste Blogue já o designou, a meu ver com muita graça) e o seu Regime jamais conceberiam semelhante gesto político. Vou mais longe, se me é permitido: creio mesmo que nem sequer visão teria para tal. Regimes como aquele enfermam de um atavismo próprio, de uma inércia e muita teimosia à mistura que os impedem de avaliar e depois de tomar decisões desse tipo.
Quanto ao que se seguiu depois, em 74, sejamos realistas e com a distância razoável destes 35 anos já passados: alguém conseguiria fazer melhor? Não defendo, nem critico, limito-me a questionar. Interrogo-me, a bem dizer. Eu próprio ainda hoje não tenho resposta.
P.Rufino

Anónimo disse...

Concordo em absoluto. E Melo Antunes tinha toda a razão

I. Meireles

Anónimo disse...

Durante uma longa conversa com Melo Antunes - uma das muitas que tivemos, felizmente - ele disse-me exactamente a mesma coisa sobre a descolonização. Corriam os anos oitenta, se bem me recordo, aproximavam-se mesmo do fim. Exactamente. Estavamos em 1989 e dez anos depois, ele finava-se.

Foi no «Jornal Novo» que o conheci realmente, ainda que nos tenhamos cruzado em Angola em tempo de guerra colonial. Porém, no diário do Alto de Santa Catarina, fui aprendendo a descobrir a sua personalidade. Homem culto, preparado politicamente, foi considerado o ideólogo do Movimento dos Capitães. Nunca quiz ser mais um general de aviário, recusou o que considerava as promoções de favor no ninho.

Discutimos o famoso Documento dos Nove, de que fora o autor principal daí que fosse chamado
o documento Melo Antunes. Estava-se no Verão Quente e muitas vezes servi de elo de ligação entre o jornal e os subscritores do texto. Recordo que já redigira como figura principal o documento O Movimento das Forças Armadas e a Nação e o programa do MFA. Explicou-me, minuciosamente, com grandes pormenores (que por vezes o afastavam da matéria) coisas a latere do processo de descolonização em que participara activamente. Só lhe ficara atravessado o Alvor, onde estive em serviço de reportagem. Dada a sua preparação política viria a ser Ministro dos Negócios Estrangeiros durante os Governos Provisórios.

Daí que esta extrapolação a que se deu o nome de notícia de agência, mais precisamente da LUSA possa ser entendida como o sapateiro que foi alem da chinela. Malhas que o Império tece - e algum jornalismo também, mas com pontos soltos...

JMC Pinto disse...

Uma tragédia? Para quem? Para o colonizador e para o espirito colonial. Não me lembro de Melo Antunes ter dito isso - ele que era genuinamente anticolonialista e terceiro-mundista - , mas não ponho minimamente em causa a proveniência, até porque há o Melo Antunes anterior e posterior à doença.
Dizer que a descolonização foi uma tragédia para os descolonizados é o mesmo que afirmar que o fim da escravatura nos Estados Unidos foi uma tragédia para os escravos...que passaram nas fábricas do norte a ser muito mais explorados do que fazendas agrícolas do sul...

Francisco Seixas da Costa disse...

Melo Antunes disse isso numa entrevista na RTP1.
A forma como se processou a descolonização constituiu uma inevitável tragédia para centenas de milhares de portugueses que tiveram que abandonar, em condições penosas e à pressa, as antigas colónias, por virtude das situações de instabilidade nelas criadas. Do comentário anterior, poderia deduzir-se um desprezo e uma menor consideração pelo drama pessoal dos retornados que chegaram a Portugal ou a outros países em condições quase miseráveis. Não creio ter sido esse o objectivo.
E as guerras civis que, em alguns casos se sucederam, fez com que essa mesma tragédia se alargasse aos colonizados, por vezes ainda por longos anos.
Estas são realidades indesmentíveis.
Outra coisa é a atribuição de responsabilidades por essa tragédia - que o meu texto, na Cidade Universitária, deixa muito clara - e a avaliação, que é óbvia, de que essa tragédia foi o preço a pagar pelos povos coloniais pela sua própria liberdade.
Dito isto, a frase de Melo Antunes continua verdadeira e justa.

JMC Pinto disse...

Não quero entrar em polémicas consigo - uma pessoa que eu estimo, prezo e admiro – e muito menos em termos ou com termos que possam parecer inapropriados.
O que eu quero veemente sublinhar é que a descolonização não foi uma tragédia. A descolonização foi para os colonizadores a possível e para os colonizados um grandioso acto de libertação.
A colonização, como facto histórico que é – e a história não se reescreve, nem é um presente cujo devir possa ser alterado -, constituiu sob muitos aspectos uma tragédia para os colonizados e também para os colonos, mais do que para os colonizadores, por lhes ter criado expectativas absolutamente infundadas sobre o futuro e não os ter preparado minimamente para o que mais tarde ou mais cedo aconteceria.
A nossa geração sabe, porventura melhor do que nenhuma outra, que a obsessão colonial do regime e a sua incapacidade para mais cedo encontrar uma saída para as guerras de libertação tinham a sua justificação no facto de o destino do regime estar indissoluvelmente ligado ao resultado das guerras coloniais. Salazar acreditava que a agudização do conflito leste-oeste acabaria por favorecer a posição portuguesa e por isso esperava que uma mudança de atitude dos países ocidentais, mais tarde ou mais cedo, acabaria por se verificar.
Posição típica de uma pessoa e até de um regime que viviam fora do seu tempo.
E quando se fala que a descolonização poderia ser outra, o que se pretende dizer? O que se pretende dizer é que a descolonização poderia ter mantido a anterior situação patrimonial dos colonizadores e dos colonos, bem como do respectivo estilo de vida. Na altura em que a descolonização pôde ser feita já não havia condições para isso. A descolonização efectuada no contexto de uma derrota militar não é comparável à que poderia ter sido feita noutras circunstâncias.
E chegados aqui, uma pergunta se impõe: e teria tal descolonização, a ter sido possível, sido benéfica para o interesse nacional? A minha resposta, baseada na história das descolonizações belga, francesa e inglesa e no actual estádio de relacionamento de Portugal com as ex-colónias, é claramente NÃO!

Francisco Seixas da Costa disse...

Também eu não quero envolver-me numa polémica, que sei essencialmente semântica, com José Manuel Correia Pinto, a quem me ligam velhos e profundos laços de amizade e cumplicidade, para além de ser uma personalidade intelectual a quem reconheço muito elevados méritos.
JMCP reconhece que a descolonização portuguesa, na forma como se processou, acabou por ser uma tragédia para os colonos, iludidos por políticas nas quais foram arrastados. Este era um dos meus pontos. Adiante.
No que - parece - divergimos é na ideia, que mantenho, de que, igualmente pela forma como ocorreu, a descolonização acabou por ser, para os povos que tiveram de suportar guerras (e era apenas a estes que me referia - Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Timor-Leste), uma tragédia, que teria sido evitável se um modelo negociado tivesse sido tentado e conseguido. Isso não significa, contudo, que não concorde em que, mesmo com essa tragédia, a resultante final tenha acabado por lhes ser favorável. Em tese, contudo, poderiam ter chegado ao mesmo resultado com menos perda de vidas e com menos sacrifícios.
Finalmente, o último parágrafo de JMCP é, para mim, ...uma imensa surpresa! E acho a sua elaboração perigosa, porque algo eurocêntrica e um louvor implícito aos méritos da guerra. Não vou por aí, desculpe lá!

JMC Pinto disse...

Meu Caro Amigo

Fui muito mal interpretado no último parágrafo. Não estou a fazer a apologia da guerra entre os descolonizados (guerra que a colonização germinou, fomentou, incentivou e em que activamente participou)- ela foi uma inevitabilidade da descolonização decorrente da própria colonização e, não sejamos ingénuos, também do conflito leste-oeste-, o que estou a afirmar é que o Estado português está hoje muito mais confortável nas suas relações com as ex-colónias do que estaria se pudesse ter seguido uma via neo-colonial e que os portugueses em geral que hoje vivem nessas mesmas ex-colónias se encontram numa posição bem mais cómoda e segura do que estariam se Portugal tivesse podido seguir a tal via neo-colonial.
E o que quero dizer ainda é que as últimas duas décadas desmentiram, em muitos países africanos, a tal transição pacífica para a independência de que franceses e ingleses se vangloriavam.
Como referi logo de início, a História não tem "ses" e Portugal e a sua democracia podem sentir-se orgulhosos por terem realizado esta descolonização. Pelo contrário, vergonha devem sentir os que contra a História e os mais elementares princípios de dignidade humana persistiram numa colonização condenada ao insucesso.

CM disse...

Não obstante me encontrar longe do pensamento ideológico que se respira nestas páginas, é todavia um grande prazer ler as mesmas, pelas frequentes incursões na nossa História e na “pequena” historia, em geral sempre deliciosa.

Concordo com o autor deste blog quando afirma que a descolonização constituiu uma tragédia para os portugueses que viviam em território que ao tempo era parte integrante da Nação (palavra hoje mal vista…), e que “tiveram que abandonar, em condições penosas e à pressa, as antigas colónias, por virtude das situações de instabilidade nelas criadas”


E dói, pela insensibilidade e crueza demonstrada, o conteúdo de comentários como os acima reproduzidos. Então os portugueses que viviam nas então denominadas províncias ultramarinas (juridicamente assim o eram de facto) deveriam ter sido sacrificados em nome de uma ideologia? Sacrificados em prol dos interesses de uma União Soviética? De uns Estados Unidos? – todos quiseram substituir-se a Portugal naquelas paragens…

Que dizer da acção lamentável do exército português que fez o jogo dos movimentos ditos de “libertação”, como o MPLA em Angola, baixando os braços e deixando toda uma população (branca e negra) à mercê de vinganças? De facto, o movimento dos Capitães previa expressamente a preservação das províncias ultramarinas e não a sua entrega (que se fez deliberadamente atabalhoada).

Foi intenção de realizar naquelas um clima de verdadeiro terror a fim das populações brancas regressarem à Metrópole. Então a África portuguesa não poderia ser um espaço de sã convivência para todos? Ou será que África é só para os negros? Então agora faz-se “apartheid” de raças por continentes? E os negros que estão aqui? Vamos expulsá-los? Haja bom senso e não sectarismos…


Em muitos discursos de Marcello Caetano (esse homem impoluto que deveria ter chegado ao poder muito mais cedo), já se previa a hecatombe humana que se seguiria a uma eventual entrega das províncias aos “movimentos de libertação”.

Ninguém o quis ouvir. Não lhe deram tempo. Nem os “ultras” do Regime, nem os enfeudados aos “amanhãs que cantam”, nem os comprometidos com “interesses subterrâneos” que hoje dominam a sociedade portuguesa.


Muito há a dizer, de facto, e o espaço (e tempo) é pouco para a explanação de toda a Verdade. E interrogo-me se será “saudável” um cidadão exprimir, nestes dias que correm, opiniões frontalmente contrárias aos poderes instituídos… afinal, a “democracia” pode revelar-se perversa…

Poder é isto...

Na 4ª feira, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal que desde há quatro anos faço no Jornal Económico com o jornalista António F...