quinta-feira, outubro 16, 2025

Gozar ?

Trump vai encontrar Putin na terra de Orbán. Na véspera, o seu alucinado ministro da tropa tinha dado sinais aos atarantados colegas da NATO de que Washington ia endurecer a posição face à Rússia. Até parece que Trump anda a gozar com a malta.

"A Arte da Guerra"


Esta semana, em "A Arte da Guerra", com António Freitas de Sousa, analiso a situação política em França, as propostas de paz de Trump para Médio Oriente e os jogos tarifários entre os EUA e a China, quiçá com a Rússia como efeito colateral.

Pode ver aqui.

quarta-feira, outubro 15, 2025

Ação climática


Foi uma animada mesa-redonda aquela que, ao fim da tarde de hoje, o Clube de Lisboa / Global Challenges organizou no magnífico Museu de Lisboa, no Palácio Pimenta, sobre "A ação climática entre agendas nacionalistas e tensões geopolíticas".

Duas dezenas de especialistas e outras pessoas interessadas aceitaram participar e intervir neste exercício. 

A apresentação inicial foi feita por Kalil Cury Filho, um especialista brasileiro com uma experiência em projetos de infraestrutura, desenvolvimento de negócios e sustentabilidade corporativa. Helena Freitas, catedrática da Universidade de Coimbra, e Bernardo Ivo Cruz, docente universitário e diretor do Clube de Lisboa, comentaram depois a apresentação, abrindo uma discussão que envolveu vários participantes. 

Tínhamos previsto duas horas, mas o entusiasmo dos presentes fez com que esquecêssemos o tempo...

Um belo e muito útil fim de tarde!

Quem nunca ... ?


Um comboio da CP deixou ficar para trás uma carruagem! E logo houve quem se tivesse mostrado escandalizado. Há gente tão sectária! Perder um elevador na Glória ou uma carruagem no Alentejo não é sinal de incompetência nem de descuido com o material. Vendo bem, pode acontecer a qualquer um...

Chamar os bois...

Se a filosofia do trumpismo fosse expressa na Europa, a imprensa dar-lhe-ia o nome daquilo que ela é: extrema-direita. Em Portugal, tal como no caso do Chega, usam-se para ela prudentes circunlóquios semânticos: populismo, direita "radical" e coisas fofas assim. Será por medo?

terça-feira, outubro 14, 2025

"Olhe que não, olhe que não!"


Hoje, no "24 Horas", foi editado o primeiro programa "Olhe que não, olhe que não!", uma conversa sempre deliberadamente "caótica", entre mim e Jaime Nogueira Pinto. Falámos da geografia das Revoluções em Portugal e de alguns dos seus atores. 

Veja aqui.

Só para lembrar

A quantos aplaudem que os EUA tenham imposto um cessar fogo em Gaza, lembraria que, desde há décadas, a América aceita que Israel incumpra as resoluções da ONU que tentavam proteger os direitos dos palestinos e alimenta a máquina militar que chacinou dezenas de milhares em Gaza.

Crimes de guerra

Uma figura acusada de crimes de guerra não deixa de o ser apenas pelo facto da guerra ter eventualmente acabado ou sido suspensa. Os acusados de Nuremberg não deixaram de ser condenados só porque o conflito terminou. Portugal, subscritor do TPI, deve lembrar isto na Europa.

segunda-feira, outubro 13, 2025

Uma vergonha nacional


Como cidadão português, voltei hoje a sentir vergonha, ao passar no inenarrável aeroporto de Lisboa, pelo incómodo que ali se faz passar às pessoas que utilizam as suas instalações. Em particular a quantos, oriundos do estrangeiro, acabam por ser, nos dias de hoje, responsáveis por parte importante da riqueza que o país recolhe.

Quisemo-nos ou transformámo-nos num país que se dedica a receber e a lucrar com os turistas estrangeiros. Eles chegam na TAP, hospedam-se nos nossos hotéis, comem nos nossos restaurantes, utilizam o nosso comércio. E, no entanto, à sua chegada a Portugal, são tratados da forma que a imagem mostra, como manadas humanas, mantidos em longas filas, que são ainda mais penosas para muitos que chegam depois de longas horas de voo. 

Encostadas a uma parede, constato há meses que jazem por ali umas dezenas de máquinas de leitura dos passaportes eletrónicos, novinhas em folha, pelos vistos sem o menor préstimo. Não funcionam, vá-se lá saber porquê. Quanto custaram? Não me digam que foram pagas por fundos europeus...

Ao fundo daquelas imensas filas de gente, lá estão os insuficientes funcionários daquilo a que já se chamou SEF e agora deve ter outro nome qualquer. E, pessoa a pessoa, longos minutos decorrem, até que  os tais turistas, ou gente que viaja muito simplesmente para aqui vir trabalhar, serem atendidos. Ou, já agora, nós, portugueses, que pagamos impostos, taxas e somos assim retribuídos no nosso contributo de cidadania.

Hoje foi assim. Depois de acabado o primeiro suplício, o dos passaportes (já tínhamos estado encafuados em autocarros, parados por longos minutos na placa), fomos obrigados, para receberem as malas, a atravessar um corredor longuíssimo, com um fluxo de gente em sentido contrário, o torna tudo muito incómodo. Nada de tapetes rolantes, de ser para ajudar à forma fîsica do pessoal! Depois de descer à sala de recolha de bagagens, tivemos que fazer um outro percurso, agora no sentido oposto. A nossa passadeira era a 13, logo por azar, lá no fundo da sala. Recebida a mala, volta-se outra vez para trás, até finalmente se sair. É a fase da busca de um taxi, na fila das chegadas. É o momento "siciliano" do dia, por razões que me abstenho de desenvolver.

Mas voltemos à questão do controlo dos passaportes. Um amigo, hoje como eu naquele ambiente de infuncionalidade, lembrava-me uma coisa simples: contrariamente a uma urgência hospitalar, que pode ter picos difíceis de prever, o número de pessoas e as horas a que os passageiros chegam a um aeroporto é a coisa mais previsível do mundo. Com antecedência, sabe-se os horários a que os aviões aterram, sabe-se, no essencial, quantas pessoas trazem, é possível conhecer, com forte aproximação, o número de passageiros que, numa determinada manhã ou tarde, se apresentarão às autoridades de fronteira. Então pir que não têm lá gente necessária para tornarem aquilo mais expedito? Desconfio, muito seriamente, que é por pura incompetência dos serviços "competentes". E, já agora, por falta de vergonha e de sentido de responsabilidade por parte quem que dirige aquilo. 

domingo, outubro 12, 2025

Carmine


Lembro-me de que era um tipo para o alto, no que se distinguia dos restantes contínuos que fiscalizavam os corredores do nosso liceu, lá por Vila Real, nos anos 60 de século passado. Em geral, era gente mais atarracada: o Rocha, o Marques, o Sousa, etc, além da menina Arminda que, quando a conheci, de menina já só tinha o titulo carinhoso. 

Esse contínuo chamava-se Carminé, nome que, por pouco vulgar, sempre me ficou na memória. O senhor Carminé, imagino que por uma bula excecional que lhe terá sido concedida por alguém do poder liceal, vendia, nos intervalos, num estreito balcão no início de uma nova ala entretanto construída no liceu, algum material de papelaria e, se não me engano, também chocolates, coisa um tanto bizarra para um comércio dedicado a material didático.

Do que é que eu havia de me lembrar no dia de hoje, aqui por Nova Iorque! E porquê? Porque ontem fui jantar a um restaurante que há bastantes anos conhecia de nome, mas que nunca tinha experimentado: o Carmine's. Como não me constava que o nosso velho contínuo tivesse migrado para a restauração em Manhattan, vim a constatar que a história deste espaço com ressonâncias italianas é bem outra. 

Nota de prova: o tinto da casa não era nada mau. E até se comeu bem.

Amália no Carnegie Hall


Foi emocionante ouvir em fundo a voz de Amália Rodrigues a cantar, na memorável noite de ontem, no Carnegie Hall, em Nova Iorque. Parecia que ela estava ali, como há décadas esteve.

A Orquestra Sinfónica Portuguesa encheu aquele palco e trabalhou, com sonoridade criativa rara, as extraordinárias interpretações de Raquel Tavares, Ricardo Ribeiro e de Cristina Branco, que evocaram êxitos de Amália e alguns hits americanos.

Foi uma excelente festa de encerramento dos 40 anos da FLAD - Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Muitos parabéns!

sábado, outubro 11, 2025

Diane Keaton


Não sei qual é a cara de Diane Keaton que recordo mais. Sei que a vi em todas as suas idades, em muitos filmes, alguns magníficos (com Woody Allen, com "Annie Hall" no topo), outros assim-assim. Há muito que ela faz parte do meu arquivo íntimo da cinematografia americana. (E já sei que vou levantar um escarcéu ao dizer que nunca me pareceu ser uma atriz por aí além.) 

Keaton era, para mim, uma cara de Nova Iorque. Ligava a sua imagem e o seu estilo (irritavam-me os chapéus) a esta cidade onde, por um mero acaso da minha vida, estou hoje, agora e na hora da sua morte.

Recornu

 


sexta-feira, outubro 10, 2025

Olhe que não, olhe que não!

 


Está aí a chegar, no "24 Horas", um debate semanal de 24 minutos, sem moderador.

Parabéns, Maduro!

Parabéns a Nicolás Maduro! A útilma pessoa que Trump ajudará a subir ao poder na Venezuela é Corina Machado. Que perfídia do Comité Norueguês! 

Ó diabo!

Isto é muito esquisito! Está-me a acontecer cada vez mais. Entro numa livraria vejo e revejo estantes, descubro livros novos que me interessam, coisas magníficas, memórias sobre ou de gente cuja vida e obra me motiva, ensaios sobre assuntos de que preciso de saber mais, e, ao fim da meia hora de busca e folheanço, saio sem comprar rigorosamente nada. Que diabo se passa? Ainda há pouco tempo isto nunca me acontecia! Tenho uma suspeita: é que, no momento da tentação da compra, vêm-me à ideia as estantes atulhadas de livros por ler que tenho por Lisboa e por Vila Real, a vergonha íntima que foi ter lido, em férias, apenas dois dos cerca de vinte volumes que levei para a praia. Quase o mesmo número de livros que, em Lisboa, ocupam a parte superior da minha mesa de cabeceira (disse bem, superior; nas prateleiras inferiores devem estar outros tantos). Deve ser isso, a consciência de que toda o resto da minha vida, por muita que ela venha a ser, será sempre pouca para ler o muito que entretanto comprei e nunca conseguir ler. Estarei a ficar mais "sábio", mais razoável? Não, estou é a ficar velho! Essa é a única coisa "nova" em mim. Ou melhor, o que é verdadeiramente novo é eu atrever-me a confessá-lo.

Paz


Há uma palavra que se aplica à decisão do Comité Nobel de Oslo de ter resistido à incomensurável pressão a que foi sujeito por parte de um poderoso auto-designado candidato ao Prémio Nobel da Paz: dignidade. 

A palavra seria coragem se a nomeada tivesse sido Francesca Albanese.

Robert Badinter


Robert Badinter, que morreu em 2024, está depositado, desde ontem, no Panteão Nacional francês.

Poucas semanas depois de ter assumido funções como embaixador em Paris, fui apresentado a Robert Badinter. Disse-lhe então do prazer que tinha em conhecê-lo pessoalmente, pelo profundo respeito que a sua figura de retidão ética me inspirava, desde há muito. E, devo confessar, não há muitas pessoas a quem eu me sentisse tentado a dizer o mesmo.

Robert Badinter foi, durante quatro anos, ministro da Justiça de François Mitterrand. Foi então o proponente da medida legislativa que, em outubro de 1981 - faz, no dia de hoje, precisamente 36 anos - apresentou a lei que iria proibir a pena de morte em França. 

Tenho bem na memória a campanha de vilificação de que à época foi alvo, com acusações miseráveis, que o qualificaram como "o advogado dos assassinos".

Num tempo em que, um pouco por todo o lado, a política imediatista tende a esconder os princípios por detrás do populismo, vale a pena relembrar que Badinter soube conduzir a França para a linha da frente da defesa das liberdades - abolição dos tribunais militares, supressão do delito da homosexualidade, sujeição ao Tribunal europeu dos direitos do Homem, etc.

No seu livro de memórias, sugestivamente intitulado "Les épines et les roses", Badinter não deixa de notar que a democracia está longe de ser a reprodução mecanicista do sentimento popular: quase 2/3 dos franceses eram favoráveis à manutenção da pena de morte, no momento em que ela foi abolida. 

Liderar, politicamente, é também ter a coragem de tomar medidas impopulares, quando se entende que o bem público e os avanços civilizacionais as justificam.

Faz bem ao mundo ter homens com a retidão de Robert Badinter. É com pena que se constata que, em Portugal, o país que, no século XIX, foi saudado por Vitor Hugo pelo seu pioneirismo na abolição daquela sinistra pena, ainda emergem espécimens públicos, vergonhosamente protegidos, a preconizar a retoma daquela infâmia.

Que pena Badinter não ter tido o Prémio Nobel da Paz! 

quinta-feira, outubro 09, 2025

Nova Iorque, sempre


Desembarquei pela primeira vez em Nova Iorque em dezembro de 1972. Recordo uma cidade gélida, ventosa, com um sol sem calor. Mas tudo tinha então uma imensa graça: os esquilos do Central Park, que nos vinham comer à mão, os porteiros da Park e da 5ª Avenidas, fardados como generais soviéticos, as clássicas nuvens de vapor a sair do asfalto e aquele coro de ambulâncias e carros de bombeiros que ninguém me convence que não fazem parte de uma coreografia de som deliberadamente alimentada para animar o turismo.

Por essa época, eu já tinha viajado alguma coisa pela Europa, mas tudo aquilo era muito diferente. Era, claramente, um outro mundo, ou então era eu que o via como tal. Um mundo que, na minha imaginação, tinha bastante a ver com o cinema americano que conhecia, o qual funcionara como um "trailer" da América que eu ia começar a ver. O facto de ficar instalado, nessa semana, no Edison Hotel, onde tinham sido filmadas cenas de "O Padrinho", bem perto de Times Square, ajudava a adubar o mito. E, com vinte e poucos anos, como é sabido, os mitos fazem toda a diferença.

Percorri então a Nova Iorque de todos os clichés turísticos, que me abstenho de listar: foram esses mesmos em que estão a pensar. Até fui às Torres Gémeas, com uma delas ainda incompleta. Não adivinhava que, quase trinta anos depois, comigo então a viver em Nova Iorque, as duas seriam derrubadas numa terrível manhã.

Lembro-me de que, nesse inverno de 1972, eu usava um guia da TWA, que se referia a New York como a "porta da America", expressão que, nas diversas vezes que voltei aos States e em que lá vivi, constatei ser uma rotunda falsidade: Nova Iorque tem bastante pouco a ver com o resto do país. A cidade, na sua génese cultural e paisagen humana, parece às vezes bem mais próxima de alguma Europa do que do resto da América. 

Levava no bolso algum dinheiro: eram as minhas primeiras férias depois de um ano de funcionário da Caixa, emprego que não pagava mal. Nas viagens que, em anos anteriores, tinha conseguido fazer pelas capitais europeias, com bastantes menos posses, tinha aprendido a ser poupado, a "defender-me", na expressão cuidadosa do meu pai. Por isso, imagino que tenha feito poucas "extravagâncias", como à época se dizia. 

Tenho uma vaga ideia de uma ida a um clube de jazz, de ir comer pasta nuns italianos baratuchos, de ir a uns filmes proibidos na Times Square, de comprar, no sul de Manhattan, aqueles espetos orientais que deitam fuminhos com cheiro, iguais aos que então encontrávamos em casas de amigos que gostavam de armar a hippies ou modernaços. Para dar uma de sério, e também porque era mais barato, fui a uma peça de teatro "off Broadway", que detestei: saí convencido que isso se devia à minha incultura da época. O que era capaz de ser bem verdade. 

Trouxe muito poucos livros dessa ida a Nova Iorque (ainda tenho um dicionário Webster's e um magnífico World Almanac, este que se vendia por menos de um dólar), mas adquiri dois posters: um era a cara do Nixon, com a pergunta sobre se compraríamos um carro usado a um tipo com aquele aspeto (quem havia de dizer que, por contraponto atual, Nixon nos iria surgir hoje como um poço de virtudes). O outro poster, prenunciava a canção do Sérgio Godinho: "Today is the first day of the rest of your life". Ainda ontem, num velório, lembrei isso a um amigo que se interrogava, nostálgico, sobre o que irá ser o nosso futuro. Tentei ser realista: o futuro, seja ele o que vier a ser, é o lugar onde vamos passar o resto da nossa vida. Por isso, corações ao alto, que é como eu olho sempre para os jogos do Sporting.

Nessa primeira estada em Nova Iorque ("estada" é para pessoas, "estadia" é para barcos, sentenciaria, anos mais tarde, um chefe snob que tive no MNE), passei uma longa tarde na Biblioteca Pública de Nova Iorque, a fazer uma pesquisa bibliográfica sobre Lewis Carroll, a pedido do meu saudoso amigo Sérgio Moutinho, que andava então em Coimbra. Aproveitei o ensejo para ler ali, um pouco à pressa, porque é um calhamaço, mas ainda tomando notas, o "Missão em Portugal" do embaixador brasileiro Álvaro Lins, livro que estava proibidíssimo no nosso país, porque conta a saga de Humberto Delgado refugiado na missão brasileira. Até hoje, nunca me perdoei ter perdido essa tarde de sol numa biblioteca, nesses escassos primeiros dias na grande cidade. Um dia desperdiçado na nossa vida nunca mais se recupera. Asneiras da juventude.

Nova Iorque é uma cidade plana, ideal para se flanar a pé. Lembro-me de ter deparado, pelas ruas, com cenários que vira em filmes, com locais sobre os quais lera em livros ou em imagens nas páginas da "Time" ou da "Newsweek", as revistas que então nos revelavam o que julgávamos que era a América, a par da "Reader's Digest", essa a tentar endoutrinar-nos subliminarmente com a sua mensagem anti-comunista. 

Acabo de chegar hoje a Nova Iorque. Não obstante continuar com um trânsito infernal, talvez ajudado pelo "shutdown" dos serviços públicos, num caos urbano que quase nos reconcilia com Lisboa, a cidade continua um deslumbre. Mais para o turista que hoje sou do que para o diplomata que por aqui já fui, quando cá vivi ou estive em trabalho. É que o trabalho "destroi" as cidades. Convenci-me disso em Paris, em Viena e em Londres, onde, quando agora por lá me acontece passar, me divirto muito mais do que quando por ali trabalhei. Estou a escrever isto e a tentar convencer-me de que isto é a pura verdade. E, às tantas, não é: sempre fui um "workaholic" e, no fundo, o trabalho (mesmo o muito trabalho) deu-me sempre um imenso gozo. Ser um pouco masoquista ajuda bastante a contentarmo-nos com a vida, sabiam?

Mas, "prontos!", como dizem alguns, vamos lá gozar Nova Iorque, porque esta vida são dois dias, e agora até já começa a ser noite e tenho de sair para a uma rua agitada, que não espera por mim.

França: o jogo presidencial das direitas

Em particular desde Sarkozy, a direita republicana francesa vive num tentação crescente de mimetizar a narrativa da extrema-direita. O objetivo é simples, captar o eleitorado que vota Rassemblement National.

Passados os tempos de Jacques Chirac e de Alain Juppé, em que a preocupação com as "linhas vermelhas" ainda existia, já com François Fillon essa tentação tinha emergido.

Constata-se que o discurso securitário, somado à diabolização da imigração, com o mito da "grande substituição" pelo meio (embora o seu principal divulgador, Éric Zémmour tenha já aparentemente perdido o seu tempo político) tem vindo a ganhar crescente eco no Les Républicains, o último dos heterónimos daquilo que, num tempo longínquo, já foi o partido de De Gaulle.

Nos dias de hoje, enterrado o pai Le Pen, com a filha "normalizada" pelo conveniente arquivamento das incómodas alusões ao "détail" do holocausto, o RN já se converteu no partido mais forte na Assembleia Nacional francesa. Por isso, captar quem nele vota é hoje o claro objetivo do antigo partido gaullista, parte do qual já se aliou a Le Pen - como se viu com Éric Ciotti e com Thierry Mariani, entre outros.

Mas Marine Le Pen não está ainda livre de algumas trapalhadas financeiras, por alegado descaminho de verbas do Parlamento Europeu. As suas hipóteses de assumir uma candidatura presidencial em 2027 não são, de todo, uma certeza. Se essa inelegibilidade de confirmar, o único nome possível para o RN seria Jordan Bardella, um jovem de 29 anos que tem passado o último ano a cultivar uma imagem de Estado, como putativo sucessor de Le Pen, se os caminhos da justiça a isso obrigarem.

É neste cenário de hesitação interna na área da extrema-direita que o Les Républicains aposta. Mimetizando já as bandeiras da extrema-direita, o partido aposta na possibilidade de apresentar uma candidatura que, simultaneamente, capte votos que poderiam ir para a extrema-direita e garantam a fidelidade da direita pós-gaullista tradicional. Isso pode ser ainda mais facilitado com o caos que atravessa o mundo do macronismo, em crescente desagregação e embaraçante conflitualidade interna. Essa candidatura presidencial do Les Républicains vai cair, ao que tudo indica, em Bruno Retailleau.

Durante meses, contudo, a luta foi intensa dentro do partido. Laurent Vauquiez, que continua a chefiar os deputados do Les Républicains, perdeu a luta interna para Retailleau, uma figura subitamente emergente no olimpo da direita republicana, que se agarra como uma lapa ao Ministério do Interior, uma posto que, em França, é sempre uma interessante rampa de lançamento político.

Oriundo do nacionalismo folclórico de Philippe de Villiers, agora promotor de uma tentativa de referendo sobre a imigração, Retailleau foi o principal "culpado" do falhanço do governo de Sébastien Lecornu, numa arriscada lógica de "destruição criativa", cujo efeito final na opinião pública ainda não é muito evidente.

Para já, deixa claro que o Les Républicains não apoiará uma nova solução governativa titulada por socialistas ou macronistas. Vistas as alternativas possíveis, quase se pode adivinhar que só um seu militante colocado em Matignon o satisfaria.

Para os analistas, isto tem graça. Desconfio que terá menos para os franceses.

Já agora...

Eu sei que é capaz de ser um pouco tarde, mas talvez valesse a pena tentar que o auto-proclamado promotor da paz mundial incluísse no seu currículo de estrondosos êxitos o caso do conflito de Olivença. Não custava nada fazer esse esforço...

quarta-feira, outubro 08, 2025

Catarina de Albuquerque


Foi-se-nos o sorriso da Catarina de Albuquerque. Era uma força da natureza, entusiasmada pelo mundo multilateral, onde era reconhecida como uma das grandes especialistas sobre as questões da Água. Vai fazer muita falta, desde logo aos seus, para quem envio o meu sincero pesar.

terça-feira, outubro 07, 2025

A política no Reino Unido...


... a propósito do congresso do Partido Trabalhista, num podcast do Expresso que pode ouvir aqui.

segunda-feira, outubro 06, 2025

Em Jerusalém, faz agora 30 anos ...


... com Mário Soares e um israelita, Prémio Nobel da Paz, Yitzhak Rabin.

La France

"Comment voulez-vous gouverner un pays où il existe 258 variétés de fromage ?" De Gaulle tinha razão. Hoje caiu mais um primeiro-ministro francês, este ainda antes de ter sido empossado. Assim se prova que a "genial" demissão da Assembleia Nacional, decidida por Macron em 2024, só juntou o caos à confusão.

Macron testará agora outro nome ou decide-se por fazer uma nova dissolução? Se optar pela primeira "solução", é quase certo que terá de ir buscar alguém mais à esquerda, com Cazeneuve com hipótese mais abrangente ou Faure para esgotar as hipóteses socialistas. Contudo, só por milagre qualquer deles teria hipótese de formar um governo que passe no parlamento.

No caso de uma dissolução parlamentar, parece afastada a possibilidade da esquerda se unir numa renovada "Nouveau Front Populaire". As ambições de Mélenchon quanto à presidenciais de 2027 ("il ne pense qu'à ça!") impedem uma nova união das esquerdas. A prazo, a clarificação política pode vir a favorecer o PSF.

Se acaso houver novas eleições, a possibilidade do Rassemblement National vir a reforçar a sua atual preeminência parlamentar é bastante grande. Nesse cenário, a hipótese de Macron ter de vir a chamar Jordan Bardella para primeiro-ministro é assim muito elevada. A hipótese de vir a recriar-se um "front républicain" para travar o Rassemblement National, que já só foi limitado nas eleições de 2024, já não é plausível nos dias de hoje.

Macron poderia também escolher sacrificar-se e resignar, por falta de soluções e com o estafado argumento de "dar a voz ao povo". Não parece ser esse o seu estilo, tanto mais que ele se considera um líder na Europa, onde de facto o apreciam mais do que no seu país, onde hoje naufraga nas sondagens. A sua autoridade europeia fragilizar-se-á à medida que o descalabro interno da França se acelerar.

Acaba por ser muito triste o percurso político de Macron! Em 2017, parecia ter conseguido fazer a impossível quadratura do círculo - "ni droite, ni gauche" - de quantos, sendo intimamente de direita, acham que o disfarce centrista iludirá eleitores de esquerda. Como sempre, até que um dia o "bluff" se desfaz!

domingo, outubro 05, 2025

Em Vila Real, há 115 anos...


... o rei não apareceu, o jantar não aconteceu mas o menu existiu e sou proprietário de um dos exemplares.

Em Gaza, faz agora 30 anos...


... com Mário Soares e um palestino, Prémio Nobel da Paz, chamado Yasser Arafat. 

sexta-feira, outubro 03, 2025

O Carvalho e o Yom Kippur


Corria o ano de 1973. E nós, cadetes na Escola Prática de Infantaria, relutantes frequentadores do Curso de Oficiais Milicianos, corríamos duas vezes por semana um "cross" pela tapada de Mafra. Cada pelotão era uma trintena de pessoas arrancadas à vida civil, alguns com umas barrigas que, nos dias de hoje, seriam insultosas para o rigor apolíneo de Pete Hegseth. Em muitos casos, tinham curso superior e emprego interrompido, alguns eram casados e com filhos, Mafra era uma escala da vida que quase todos bem dispensariam. Mas por alguma razão é que o serviço militar era obrigatório.

O "cross", com G3 ao ombro, naquelas manhãs frias, era um esforço que, apesar de tudo, durava menos minutos do que aqueles que o nosso cansaço parecia indicar. Mas era um suplício, pelo menos para mim. Alguns "arreavam" e ficavam para trás, a maioria tentava seguir, estóica, o passo do Carvalho. É que se este desconfiasse que estávamos a fingir o cansaço, podia haver como castigo uma recusa de saída do quartel no fim de semana.

Quem era o Carvalho? Era um alferes de carreira, comandante do nosso pelotão. Bastante mais novo do que quase todos nós, tinha a autoridade que lhe era conferida pelos galões (na realidade, só um galão, o de alferes) e, fora disso, aquela que fosse conseguindo impor ao grupo que comandava. Era um tipo simples, algo rural, que foi tendo a inteligência de procurar uma aliança implícita connosco. No pelotão, eu irritava-o bastante, porque mandava muitas graças e, frequentemente, indisciplinava o resto do pessoal. Mas o Carvalho desde cedo que percebeu que era melhor não esticar a corda, não abusar da sua autoridade.

Um dia, contudo, o Carvalho acordou "chicalhão" e dedidiu prolongar o "cross" para além daquilo que era humanamente aceitável. Teve a consciência que estava a exagerar, ria-se e parecia gozar connosco. Não gostei e, sempre em passo de corrida, aproximei-me dele e, em voz baixa, disse-lhe: "Quer ser o meu alferes a acabar com o cross ou acabamos nós?" Não percebeu e perguntou-me o que queria dizer com aquilo. Com as palavras a saírem-me difíceis, pela exaustão, esclareci: "Estamos todos muito cansados. Ou dá ordens para voltarmos ao passo normal ou todos nós paramos, e lá se vai a sua autoridade". Ele entendeu e, segundos depois, deu voz de comando para acabar a corrida e começarmos a andar normalmente. Vi que ficou furioso comigo. Eu não tinha mandato dos meus colegas, mas arrisquei e ganhei. Até ao fim da recruta, o Carvalho nunca mais olhou para mim direito.

Mafra acabou em junho. Em outubro, eu estava no Lumiar a fazer o segundo ciclo de uma especialidade que já me não obrigava a fazer "cross": Ação Psicológica. Por essa altura, o governo de Marcelo Caetano tentou "puxar dos galões" e quis condicionar os americanos no uso da base das Lajes, para ajudarem militarmente Israel, que vivia dias de acosso pela guerra do Yom Kippur. Portugal tinha todo o direito a fazê-lo, à luz do acordo que regia a presença americana na base. Mas os americanos não estiveram com contemplações e, praticamente, disseram a Lisboa: ou o governo português dá autorização formal para o uso das Lajes com aquele propósito ou a força aérea americana utiliza de qualquer forma a base e Lisboa perde a face e a sua autoridade formal. Marcelo Caetano recuou.

Fugindo às malhas da censura e graças a informações oriundas das Necessidades, nessas semanas que foram muito mais tensas do que aquilo que o país soube, os diplomatas que estavam comigo na tropa - o António Franco e o Vasco Bramão Ramos - relataram-nos, nas pausas na parada da Escola Prática de Administração Militar, no Lumiar, os apuros em que o sucessor de Salazar estava, pela pressão de Washington. Confesso que me foi então difícil explicar o sentido de uma curta frase que meti no meio da conversa: "No fundo, o Marcelo Caetano ficou na posição do Carvalho". E lá tive eu de contar a história de Mafra, com apoio de um outro camarada que tinha testemunhado a cena.

Por que me lembrei agora disto? Ora essa! Não é óbvio?

Gaza

A questão de Gaza tem sido, aqui pelas redes sociais, um excelente separador de caráteres. Aprendi bastante sobre pessoas que eu julgava estarem do lado da decência e que, afinal, vieram a revelar que a sua verdadeira natureza era outra. Alguns eram meus amigos. Ao tê-los conhecido melhor, não deixei de ser seu amigo - porque, ao contrário deles, não sou sectário. Apenas me desiludiram. 

quinta-feira, outubro 02, 2025

Palestina, Moldova e Brasil

 


Na conversa que esta semana tive com o jornalista António Freitas de Sousa, no podcast com imagem do "Jornal Económico", abordámos sucessivamente a questão palestina, a ambição europeia da Moldova (eu digo e escrevo Moldova) e o novo momento de Lula no Brasil.

Se tiver meia-hora para nos ouvir, clique aqui. Se não, amigos como dantes.

quarta-feira, outubro 01, 2025

Adeus, "Costa do Sol"!


Há já uns bons anos, alguém me disse que, em Vila Pouca de Aguiar, tinha surgido um novo restaurante. Conhecia então toda a oferta de restauração, com um mínimo de qualidade, entre Vila Real e Chaves - e não era muita. Logo que pude, fui experimentar a novidade. E, desde esse dia, para sempre, fiquei cliente da casa. Com o tempo, passei a amigo e a admirador do trabalho da família Machado.

Neste blogue e em outros lugares, como alguns se lembrarão, escrevi coisas simpáticas sobre o "Costa do Sol", o restaurante do Hotel Aguiar da Pena. Apenas porque era muito justo fazê-lo. Convenci muita gente a passar por lá e nunca  - mas nunca! - recebi delas a menor reclamação, antes pelo contrário. O restaurante tinha uma constância, uma auto-exigência de qualidade e uma relação satisfação/preço muito raras de encontrar. E a bela vista que a fotografia mostra.

Há dois dias, um amigo avisou-me: "O Costa do Sol vai fechar". Tinha passado por lá em agosto e nada presentira. Agora, confirmei a notícia. Era verdade! Algum cansaço da equipa familiar, que também gere o hotel, crescentes dificuldades em garantir pessoal com estabilidade e outras razões ponderosas terão conduzido à decisão. Hoje, dia 1 de outubro, o "Costa do Sol" encerrou.

Deixo um abraço ao meu amigo António Machado, ao seu filho Pedro e a toda a família. E também o meu sincero agradecimento por toda a simpatia e extremo profissionalismo com que ali sempre fui acolhido. Quando, de futuro, estiver a comer um lombelo, seja lá onde for!, lembrar-me-ei sempre daqueles que comia no "Costa do Sol" e que, para mim, passaram a ser um "benchmark".

Who dares wins

Unanimidade

A dificuldade de chegar a certas decisões, nas relações externas da UE, suscita em alguns a ideia de usar maiorias qualificadas para ultrapassar a exigência da unanimidade. Lembro apenas que foi graças a essa mesma unanimidade que Portugal conseguiu manter Timor-Leste na agenda europeia.

Deco


Sou associado da Deco Proteste há muitos anos. Em outros países onde vivi, fui sócio de entidades similares, que me protegiam como consumidor.

Hoje, telefonaram-me da Deco. (A Deco passa o tempo a importunar os seus associados com telefonemas). Propunham mandar-me uma revista que editam sobre investimentos. Como associado da Deco, eu teria 40% de desconto no preço da assinatura. Se, pelo telefone, eu dissesse que aceitava receber a revista, ela passaria a ser-me enviada e cobrada. Como prémio, para adocicar, teria a oferta de um aparelho elétrico qualquer. Se um dia decidisse cancelar a assinatura, teria de contactá-los.

Embora a senhora com quem falei fosse muito delicada e atenta, não gostei deste tipo de abordagem, desta fossanguice de obter assinaturas a todo o custo, com uma "prenda" para compensar. Já no passado me tinha cansado de receber chamadas telefónicas da Deco, precisamente aquele tipo de assédio de que, como consumidores, detestamos ser objeto.

Tenho muita pena que a Deco tenha enveredado (e sinto que já não é de agora) por este caminho, idêntico ao de muitas empresas que levam a que um consumidor se queixe à Deco. 

Será que me posso queixar à Deco da Deco?

Muito a sério. Vou repensar a minha condição de associado da Deco.

terça-feira, setembro 30, 2025

Moldova

A Moldova apresenta os requisitos básicos para poder integrar a UE, como o seu eleitorado mostra desejar. Idêntica legitimidade teria aliás uma decisão em sentido contrário, se acaso essa tivesse sido a vontade dos moldavos. Uma decisão popular não é má só porque agrada a Moscovo.

segunda-feira, setembro 29, 2025

Imigração

Um país tem o direito de definir o modo como se processa a entrada e estada de estrangeiros no seu território. As únicas limitações a esse direito são os compromissos que tiver entretanto assumido no plano bilateral e aquilo a que livremente se vinculou na ordem multilateral.

Bloqueio

Que critério sigo para bloquear alguém nas redes sociais? Não, não são as ideias dessa pessoa, por mais extremistas que elas sejam. É exclusivamente a urbanidade na forma de se expressar. Não gosto de ter em minha "casa" gente mal educada e grosseira, que não sabe estar com os outros.

Trump e Israel

Olhando o comportamento de Trump, desde o início do seu primeiro mandato, parece claro que Israel é o único tema internacional em que ele sente não ter as mãos completamente livres. O lóbi interno nos EUA impede-o de constranger Netanyahu. E este sabe disso.

Repetir

Repito isto tantas as vezes quantas seja necessário, até entrar na cabeça de alguns: a única exigência absoluta para um estrangeiro que queira viver em Portugal é a observância estrita das leis do nosso país. O resto é racismo, xenofobia e intolerância.

Cultura de tuk tuk


Aquele taxista, ao contrário do costume, falava do assunto com ar divertido. Queixava-se do incómodo que a onda de tuk tuk cada vez mais representa para a fluidez do tráfego em Lisboa. "Param em todo o lado, impedem a passagem dos carros. Há zonas onde quase não se pode andar!", comentou. E, com um sorriso, adiantou mesmo: "Muita dessa malta que anda aí nos tuk tuk quase não fala português, mas fazem de guias turísticos. Alguns, quando passam no Marquês, apontam para a estátua com o leão e dizem 'ali está o Camões', mostram o Cristo-Rei e dizem: 'Vejam o Salazar de braços abertos' ". 

Os taxistas bem dispostos podem ser uns exagerados, mas, a grande distância, são preferíveis aos outros, macambúzios e mal-encarados. Porém, às vezes, tenho-me perguntado: se eu fosse taxista, com que estado de espírito chegaria ao fim de um dia de trânsito em Lisboa?

Religiões

A deriva ultra-conservadora que atravessa os EUA, marcada por uma cada vez maior influência religiosa, começa a diluir a fronteira que protege a laicidade do Estado. Se for passada esta linha, a América cairá num modelo de sociedade similar ao islâmico, só que em versão cristã.

domingo, setembro 28, 2025

Obséquio


Passei há pouco por lá. Era quase em frente ao antigo "Stones", numa rua da Lapa. Creio que se chamava "Chá da Lapa". Fechou já há muito. Lanchava-se num ambiente elegante e relativamente silencioso. Era-se servido por um cavalheiro muito delicado, que revelava um profissionalismo à antiga - e isto, em mim, é um elogio. Os meus pais, quando estavam por Lisboa, gostavam muito de passar por lá, a meio da tarde. 

Há dias, esse extraordinário divulgador da língua portuguesa que se chama Marco Neves falou, num vídeo, na palavra "obséquio", referindo que ela quase caiu em desuso em Portugal. (Escrevi-lhe a lembrar que, no Brasil, ela subsiste mais do que por cá). 

Ora o tal cavalheiro que oficiava no "Chá da Lapa", nos seus modos educados, usava com frequência a expressão "Por obséquio". O meu pai, que apreciava esses modos, nunca tendo inquirido o nome do senhor, passou a referir-se ao local como o "obséquio", sugerindo: "E se fôssemos lanchar ao 'Obséquio'?"

Elogio dos blogues


Frequentemente, perguntam-me: "Ainda escreves o teu blogue?" Quase sempre, respondo: "Por que não vais ver?" Alguns interlocutores ficam atrapalhados, quase todos acrescentam: "Há muito que não leio blogues", ou mesmo um definitivo: "Deixei de ler blogues". 

Num dos (confirmo, poucos) blogues que habitualmente leio, o excelente "Delito de Opinião", mantido pelo Pedro Correia e os seus parceiros com idêntica teimosia àquela que por aqui solitariamente me mantem diariamente, vai para 17 anos, li há pouco esta nota deliciosa de uma sua leitora:

"Creio que os blogues estão ultrapassados, sim. Mas esse é um dos factores que me atrai nos que frequento. O que passou de moda e continua a existir, vale mais: ficaram os fiéis, sem luzinhas a piscar e florinhas que abrem e fecham e demais enfeites - ficaram as palavras no mais intrínseco de si. Hoje, os blogues são lugar de sossego. Dão assunto e tempo para pensar; rasam as novidades e a notícia sem espalhafato, contam histórias verosímeis e tanta vez verídicas, opinam sem alarde.

Tendemos até a julgar conhecer quem está por detrás das palavras, suposição incorrecta: ninguém é o que escreve senão em parte ínfima e tanta vez incerta.

Sou pelos blogues tal como estão: existência pacata e sem alarde de quem ama a escrita."

Se acaso precisasse de um estímulo para continuar o meu blogue (e não preciso), este belo texto servia à perfeição.

sexta-feira, setembro 26, 2025

A ONU e as suas obras


Ver aqui.

As duas Américas


Ver aqui.

Dilema

A condenação de Nicolas Sarkozy levanta um problema à direita francesa: defender abertamente o antigo presidente, arguindo com um exagero da medida, será colocar-se em contraciclo com uma opinião pública que anseia por punir a corrupção e vê nos (ex) "poderosos" um alvo legítimo.

O sonho de Trump


Libé


O "Libération" de hoje não é nada meigo. Sobre a fotografia de Sarkozy coloca o título "La taule", um "argot" escrito de forma a sugerir umas grades. O termo equivale, em calão português a "a pildra".

Orelhas de aço


Aqueles funcionários solitários que estão de plantão em algumas delegações nacionais no auditório da ONU costumam ser designados por "orelhas de aço". Têm de aguentar, por horas, um aparelho plástico sobre as orelhas, competindo-lhes tomar nota de algo de mais surpreendente que seja dito, quase sempre por figuras de países que contam pouco, digam o que disserem.

quinta-feira, setembro 25, 2025

Sarkozy


O antigo presidente francês, Nicolas Sarkozy, foi hoje condenado a cinco anos de prisão efetiva. Em outubro, saberá a data em que terá de recolher a um estabelecimento prisional. Não há recurso que possa evitar este encarceramento. A eventual passagem a um regime menos pesado, como a prisão domiciliária com pulseira eletrónica, só poderá ocorrer passado algum tempo.

A pena a que Sarkozy foi condenado deve-se a acusações de associação criminosa, com o objetivo de recolha de fundos para o financiamento da sua campanha presidencial em 2007. Não obstante indícios fortes nesse sentido, o tribunal não conseguiu dar como provado que o governo líbio tenha de facto entregado verbas a emissários de Sarkozy, mas ficou convicto de terem sido feitas diligências nesse sentido. O objetivo seria que o futuro presidente pudesse ajudar a aligeirar as sanções que impendiam sobre a Líbia e à "normalização" do seu regime no campo internacional. Especula-se que o facto de Sarkozy, enquanto presidente, ter vindo a alterar, de modo radical, o seu comportamento face a Kadhafi, trabalhando ativamente para a sua queda, terá feito vir ao de cima todas as anteriores operações. 

Este processo que agora envolve Sarkozy deve-nos fazer refletir sobre o facto da atenção pública sobre o financiamento das campanhas eleitorais, no mundo democrático, se ter intensificado fortemente nas últimas décadas. Há não muito tempo, em França como em outros países, a entrada de dinheiro "por debaixo da mesa" (ou para o "caixa dois", como se diz no Brasil), destinada aos partidos, era uma prática condenada com apenas moderada indignação. A questão, contudo, assume outra e naturalmente maior gravidade quando esses fluxos de dinheiro redundam em promessa de contrapartidas. E, como é óbvio, tratando-se de suborno por parte de governos estrangeiros essa gravidade sobe de escala. Terá sido esse o caso de Sarkozy.

Se bem que marcada por toda esta nota infamante, a imagem de Nicolas Sarkozy permanece curiosamente ainda como uma referência constante na direita francesa. Há dias, o novo primeiro-ministro, Sébastien Lecornu, foi-se aconselhar com o antigo presidente, o líder da extrema-direita, Jordan Bardella, fez há tempos o mesmo e é notório, em comentários de diversas personalidades da direita, que o nome de Sarkozy ainda funciona pela positiva. Sarkozy não passou ainda à categoria que os franceses designam por "infréquentable". Assim a continuará a ser quando estiver na prisão?

Sarkozy é uma personalidade com um percurso muito interessante na vida política francesa. Sem se envergonhar da sua ultra-visível ambição, o que o levou a titular algumas traições pelo meio da vida, fez uma notável ascensão no seio do partido de tradição gaullista (que já teve vários nomes, o último sendo o "Les Républicains"). Foi maire de Neuilly, ministro do Tesouro e ministro do Interior, antes de chegar a presidente (2007/2012). Nessas funções, teve um papel destacado na política europeia, num "tandem" improvável com Angela Merkel, com evidência no período da crise das dívidas soberanas. Foi derrotado por François Hollande, em 2012, na tentativa de permanecer no Eliseu. Depois disso, jurou não voltar à política. E, claro, a ambição levou-o a tentar esse regresso, saindo humilhado, em 2017, ao ser derrotado por François Fillon, ficando mesmo atrás de Alain Juppé, nas eleições primárias para a liderança do "Les Républicains" - algo de que quase já ninguém lembra.

Native


Na carreira diplomática, quando um profissional cria uma empatia excessiva com o país onde está colocado, que o impede de olhar a realidade local com independência e distância, costumamos dizer que "went native". Aqui está um bom exemplo.

quarta-feira, setembro 24, 2025

A empreitada


Observo a vida internacional, com bastante atenção, há várias decadas. Já vi muitas coisas e, nos dias de hoje, poucas conseguem surpreender-me. Mas devo confessar, com humildade, que ter ouvido ontem o presidente dos Estados Unidos, na tribuna das Nações Unidas, no mais importante dos seus discursos ao mundo, queixar-se de, em tempos, ter sido preterido num concurso de construção civil, para a renovação daquele edifício, excedeu tudo o que eu considerava possível. O mais poderoso líder mundial descer a dar uma nota daquela natureza, num contexto daqueles, é, verdadeiramente, o "grau zero" da política. 

Há bem mais de meio século, com o salário do meu primeiro emprego, escolhi os EUA como destino de férias. As torres gémeas estavam então em construção. Muitos anos depois, eu vivia em Nova Iorque quando elas caíram. Conheço razoavelmente alguma América (embora muito menos do que gostaria), interessei-me sempre bastante pela sua vida política, admiro-lhe a música, os filmes, as artes, a literatura, a fabulosa cultura das suas universidades. Tenho amigos americanos, gente sofisticada e cosmopolita. Nos dias de hoje, sinto alguma pena por eles, pelo período que o seu país está a atravessar. Sei do seu desgosto de ver a liderança americana abastardada a este nível, sem vergonha e convertida num ridículo perante um mundo que, às vezes, só não se ri dela por receio, e já não por respeito. 

Laptop


Já não me lembro de quando comprei o meu primeiro laptop. Mas recordo-me muito bem de que, à saída de Nova York, há mais de vinte anos, investi num Toshiba, bem caro, que era então considerado um topo de gama. Hoje, ele jaz numa estante em Vila Real. A sua capacidade é ínfima e não serve rigorosamente para nada. Como não servem outros dois ou três laptops que entretanto, com os anos, fui deixando de parte e nem sei bem onde estão. Resumindo: deixei, por completo, de usar laptops - curiosamente o género de computador que, fora dos escritórios, creio ser o mais utilizado no mundo. Mas não, em definitivo, por mim.

Hoje, salvo umas raras horas em que me sento em frente a um imenso Mac, que já me arrependi de ter adquirido, e face a outro desktop, com mais de uma década, que tenho lá no Norte, a minha vida informática, tirando o iPhone, reduz-se aos tablet. Sem um iPad - e já tive vários - quase não conseguiria organizar a minha vida. Por isso, "para mal dos meus pecados", passo o meu tempo a "debicar" no ecran do meu tablet - onde tenho as mensagens, o Whatsapp e através do qual chego mesmo a falar ao telefone. Muitas vezes, é pelo iPad que intervenho em televisões e participo em reuniões. 

Por que venho agora com esta conversa? Porque ontem, numa reunião, alguém me passou para a mão um laptop. A ideia era que eu visse um documento com várias páginas. E foi então que me descobri a tentar, com o dedo, mover a página em causa. Estava nisto, sem sucesso, há uns segundos quando uma voz feminina, onde só ligeiramente detetei uma réstia de aceitável ironia, me esclareceu: "Olhe que isso é um desktop...". E foi estão que me lembrei, na ausência de um "rato", de tocar as teclas necessárias para "andar" através do documento. 

O momento foi embaraçante? Não foi. Tive a reação que teria um miúdo de oito ou nove anos, o que só me rejuvenesce...

Claudia


Só a conheci assim na tela. Ao vivo, mas muito mesmo muito diferente desta imagem com muitas décadas, vi-a um par de vezes na assistência de teatros, em Paris, curiosamente sempre acompanhada por Pedro Almodóvar. 

Claudia Cardinale morreu ontem, com 87 anos. 

Imaginam de quem me lembrei no instante em que li a notícia? De Jacques Chirac. Sei lá bem porquê... 

terça-feira, setembro 23, 2025

Santos de casa


Deve ser reconfortante para um líder político ter um grande reconhecimento internacional, como Macron está a ter na ONU. Mas deve ser triste saber que, se acaso andasse pelas ruas do seu próprio país, onde a sua impopularidade é superior a 80%, o acolhimento seria bem diferente.

Protagonismo

É talvez efeito de uma reiterada sugestão coreográfica, mas tenho a crescente sensação de que Ursula von der Leyen ganhou, em definitivo, a "guerra" não declarada de preeminência (mas também de proeminência) entre a Comissão e o Conselho de Ministros da UE. Por mim, acho péssimo.

Palestina

Houve várias coisas interessantes no movimento europeu (e "likeminded") para o reconhecimento da Palestina. A iniciativa de Macron, num país onde a comunidade judaica tem grande peso e onde a velha chantagem do anti-semitismo se mantém viva, foi determinante.

Com um partido que, num passado não muito longínquo, foi atravessado por acusações de anti-judaísmo, precisamente ligadas a uma liderança de sentido oposto, Keir Starmer foi corajoso. Ironicamente, fechou um ciclo centenário, aberto pela Declaração Balfour.

Rangel supreendeu pela positiva. Mostrou determinação perante um PM que, ao contrário dos seus homólogos estrangeiros, se escondeu atrás do MNE e teve de engolir a humilhação de ver o seu parceiro de governo puxar o tapete à coligação. Montenegro não desilude: é igual a si mesmo.

Ninguém ?

Com tantos amigos no mundo do "jet set", por que será que não saltou, até agora, o nome de nenhum "socialite" português amigo de Jeffrey Epstein?

Um para o outro

Admito que o defeito possa ser meu, mas não consigo integrar o coro dos que exultam com o discurso do edil de Oeiras sobre o líder da extrema-direita parlamentar.

segunda-feira, setembro 22, 2025

É também isto

 


Diga palestino

Como se designa em inglês um habitante da Jordânia? "Jordanian". E em português? "Jordano". Ninguém diz "jordaniano", pois não? Então por que diabo (salvo por seguidismo da forma inglesa ou francesa) alguns dizem "palestiniano"? Deve dizer-se palestino e Autoridade Palestina.

Os dois Brasis

 


Comentários


Há semanas, decidi suspender (por algum tempo) os comentários neste blogue. Pensei: vão diminuir as visitas. Enganei-me. Subiram bastante. Hoje, para o período dos últimos 30 dias, a estatística mostra 116 mil visitantes, uma média de 3.800 por dia. É um número que excede as minhas expetativas e, mais do que isso, coloca o blogue sob uma "exposição" um pouco excessiva face àquilo que é o meu objetivo.

Reconhecimento

O governo português tomou a decisão correta de reconhecer o Estado da Palestina, como resposta moral à crescente e bárbara agressão de Israel ao povo palestino, em Gaza e na Cisjordânia. É uma óbvia - mas expectável - palermice dizer-se que esta atitude favorece o terrorismo.

domingo, setembro 21, 2025

Palestina


Há uns meses, numa tertúlia sobre temas internacionais, uma docente universitária brasileira referiu que, em vários círculos da Palestina, muitas pessoas se interrogam sobre se a luta pelos "dois Estados" ainda tem algum sentido, atenta a dificuldade da sua concretização, por muitos piedosos "reconhecimentos" que o mundo vá fazendo. Na perspetiva dessas pessoas, os palestinos devem lutar pela sua plena integração no Estado de Israel e, dentro dele, utilizando democraticamente o seu crescente peso demográfico, procurar fazer valer os seus direitos. Claro que o mais provável é que os israelitas não concedam direitos de cidadania plena aos palestinos - de Gaza à Cisjordânia. Isso levaria a que os palestinos passassem a ter um estatuto de cidadãos de segunda, dentro do Estado de Israel, algo equivalente ao "apartheid" que ocorreu na África do Sul, ou ao "estatuto do indigenato" que vigorou no colonalismo português. No plano prático, duas outras opções podem também ser assumidas por Israel: tentar expulsar os palestinos para os países vizinhos, ou liquidá-los.

O outono...


... começa bem!

sábado, setembro 20, 2025

Liberdade


Há muitos anos, ao tempo em que eu estava como embaixador junto das Nações Unidas, Jorge Sampaio disse-me ter curiosidade em visitar o "The New York Times", no quadro de uma deslocação oficial que ia fazer a Nova Iorque. 

Foi muito fácil obter essa visita para o chefe de Estado português. Sampaio conversou com a direção do jornal e, regressado a Lisboa, mandou-me uma fotografia dessa "nossa visita a uma Bíblia laica", como está na dedicatória que escreveu.

O "The New York Times" é, de certo modo, uma instituição simbolizadora da liberdade de expressão, para os EUA e para o mundo. Nestes tempos em que Donald Trump mostra uma continuada intenção de abafar os media adversos, a coragem diária demonstrada pelo NYT é um exemplo. É um jornal que tem opinião, discutível, mas que não brinca com os factos. Ou, como manda a boa regra: todos temos direito a ter as nossas opiniões, mas não temos direito a ter os nossos factos, a ter "factos alternativos", como um dia crismou uma trumpista histórica, agora longe da Casa Branca, Kellyanne Conway.

Ontem, um amigo que vota no Chega (tenho amigos que votam no Chega, e nem por isso deixam de ser meus amigos, sublinho), mas que é levemente crítico de algumas atitudes de Trump (mas não, curiosamente, das sua proximidade com Putin), disse-me ter ficado escandalizado pelo facto de o NYT ter recusado publicar um artigo de Joe Biden, com medo à reação do presidente americano.

"Isso não pode ser verdade!", disse-lhe, de imediato. O mundo muda muito, a América tem mudado de forma impensável, mas eu tinha a certeza, quase absoluta, de que o jornal de que sou assinante digital desde há anos, não teria um gesto desses. E, minutos depois, confirmei isso mesmo.

"Onde leste essa notícia?" Ele não sabia. Eu desconfiava. Tinha-a lido, com certeza, num desses sites de falsidades e de teorias da conspiração que alimentam o quotidiano informativo de muita gente, onde se publica tudo e mais alguma coisa, onde não é necessário dar qualquer referência sobre as fontes. Leem, não se interrogam sobre a verosimilhança da notícia ou a credibilidade da fonte, e depois divulgam pelos amigos, que ajudam à "pirâmide". Como se ainda vivêssemos no tempo em que se pensava: "Se veio na imprensa é porque é verdade". 

Gozar ?

Trump vai encontrar Putin na terra de Orbán. Na véspera, o seu alucinado ministro da tropa tinha dado sinais aos atarantados colegas da NATO...