quinta-feira, janeiro 24, 2019

A Bica


Ontem passei e passeei pela Bica. Almocei na Liège, saí pela rua onde ficava a tasca do Martins, em que, nos anos 70, tinha mesa marcada com os meus colegas de emprego, e, sob o sol deste inverno, tomei café (em inesperada calma de gentes) numa agradável esplanada no Alto de Santa Catarina (a “dona” tinha uns olhos lindíssimos), rondei depois o ateliê do Romualdo, onde o Olívio me levou um dia a comprar dois quadros que já nem sei bem onde param, quase em frente ao bar (hoje restaurante a armar ao fino) onde charlava nos seus dias lisboetas com o Eurico Gama, não muito longe da (ex-famosa, quando a Bica se tornou moda) Bicaense (agora fechada?!), onde uma noite, desembarcado de Paris, fui jantar com o Zé Barreto, e também do Toma-Lá-Dá-Cá, em que, há uns tempos, não se comia nada mal, e por aí me veio à memória a figura pausada (sempre e apenas ao final da manhã) do Manuel de Almeida, que ali cruzei algumas vezes, e, nesse mesmo instante, por coincidência fadista, passei junto à casa onde, segundo a placa, iniciou carreira o Fernando Farinha, o “miúdo da Bica”. E saí dali a pé por São Paulo. Nunca fui um “habitué” da área, mas que a Bica tem bastante graça, lá isso tem! Percam/ganhem uma hora por lá, se puderem, e não se arrependerão.

Raças


Na minha infância, colecionei cromos para um álbum de “raças humanas”. Posso garantir que essa criança que então falava abertamente dos “pretos” e dos “índios”, não era diferente da pessoa que sou hoje. No que me toca, o respeito pelos outros, em que peço vaidosamente meças, tem barómetros mais importantes do que o ambiente que faz com que, ao escrever este artigo, me sinta obrigado a “pescar” as palavras, para fugir à severidade de alguns polícias da linguagem.

Mas é sobre outros polícias que eu quero aqui falar. Os graves incidentes – porque foram graves, não nos iludamos – que se passaram nos últimos dias entre as forças policiais e grupos de cidadãos de etnia negra (nem sei se posso dizer isto) demonstram que o problema da convivência inter-étnica está longe de resolvido em Portugal. Desde o fim do ciclo colonial, criaram-se, em especial à volta de Lisboa e em outras periferias, bolsas de pobreza em que predominam cidadãos oriundos de África ou deles descendentes. Fruto da exclusão social e da ineficácia da sua integração, essas pessoas vivem em geografias muito estigmatizadas no imaginário público. Constatar que esses ambientes sociais favorecem o surgimento de criminalidade é apenas uma obviedade. Embora perceber o que potencia o crime não deva ser caminho para desculpá-lo, entenda-se.

A atividade policial nessas zonas torna-se extraordinariamente difícil e assume por vezes formas vistas como hostis por aquelas comunidades. A nossa polícia, embora tenha evoluído muito nos últimos anos em matéria de formação, está ainda longe de poder assegurar uma rigorosa disciplina de atuação em situações de elevado stress. A cultura social de onde muitos dos seus agentes são originários, e em que o seu quotidiano se insere, continua marcada por estereótipos e preconceitos que estimulam o ocasional recurso a formas excessivas de reação, em particular se sujeitos a níveis elevados de provocação física ou verbal. Tentar entender essas condições conjunturais é diferente de fechar os olhos a abusos e à violência desproporcionada.

O que se passou nos últimos dias não pode nem deve ser visto como um mero e isolado incidente. Não somos a sociedade de “brandos costumes” com que gostamos de nos pintar. Enquanto alguns se entretêm com o jogo das palavras tabu, está a nascer por aí um país feito de ódios recalcados. Se os poderes públicos não montarem rapidamente uma ação eficaz, que comporte o binómio diálogo-justiça, a realidade, que também é política, encarregar-se-á do resto.

(Artigo ontem publicado no Jornal de Notícias”)

quarta-feira, janeiro 23, 2019

Casa Liège


Em 1929, há precisamente 90 anos, o meu pai, recém-ingressado como jovem funcionário na Caixa Geral de Depósitos, frequentava com regularidade esta “casa de pasto”, a “Casa Liège”, situada no alto do elevador da Bica. Era uma tasca de galegos, que à época dominavam a restauração lisboeta. Na sua memória atenta, talvez atiçada pela solidão e pela saudade da sua Viana do Castelo, de onde saíra para trabalhar na capital, nesses seus então 19 anos, permaneceu para sempre a imagem de um empregado galego, de seu nome Ramón, que para dentro, para a cozinha, pedia “um péxe!”. Fixei isto, desde sempre.

Já por aqui contei uma história que ele testemunhou, passada na “Liège”, que envolveu gente da vida política, intensa e tensa, que se viveu nesses dias sombrios da Ditadura Militar. Um “duelo” físico, entre Dutra Faria, à época um propagandista do nacional-sindicalista Rolão Preto, e o republicano vila-realense Carvalho Araújo, viria a marcar, na memória do meu pai, a sua história pessoal com a “Casa Liège”, que fora criada em 1926, e que está hoje nas mãos da hospitaleira família Vieira.

Tenho pena de já não poder contar entre nós com o meu amigo José Sarmento de Matos, o olissipógrafo que ontem foi objeto de uma mais do que merecida homenagem no Museu da Cidade, para ele poder opinar sobre se a “Liège” não será, de facto, nos dias de hoje, um dos mais antigos restaurantes de Lisboa.

Nos anos 80, reverenciador da sua memória, levei o meu pai, numa “romagem”, a almoçar à “Liège”. Descreveu-me então a coreografia da luta a que ali tinha assistido, nesse final dos anos 20 do século passado. Já não me lembro o que comemos, mas o objetivo da nossa visita não era, definitivamente, de natureza gastronómica. O momento fez-nos bem a ambos!

Hoje, animado pelo sol, deu-me para passar por lá, para umas pataniscas (altas mas saborosas, talvez com um pouco de óleo a mais, como expliquei à cozinheira, que se teria evitado enxugando com papel absorvente), um vinho da casa bem razoável e uma conta, depois da sobremesa, a rasar uns bem aceitáveis dez euros. A casa, felizmente, não está descaraterizada e, ao que observei, vive entre a clientela tradicional e o turismo, inevitável e desejável, do lugar. Que se conserve assim! 

Só posso desejar à Casa Liège cem anos mais de história e que, se possível, não venha a ser apanhada pela especulação imobiliária. Não sei, contudo, se não será pedir muito...

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Raças


Pode ser lido aqui o artigo que hoje publico no “Jornal de Notícias”.

terça-feira, janeiro 22, 2019

Viana


Hoje, apetece-me pôr aqui esta fotografia melancólica da ponte Eiffel, sobre o rio Lima, que “roubei”, com autorização, a Rui Bravo.

segunda-feira, janeiro 21, 2019

Ana Barata


Creio que foi em 13 de agosto de 1975 que verdadeiramente nos conhecemos, em pleno "verão quente" desse ano tão político, no dia da nossa comum entrada para as Necessidades. A Ana fazia parte do grupo muito restrito de mulheres que, naquela ocasião, puderam aceder, pela primeira vez, à carreira diplomática. Falo de Ana Barata, uma amiga e colega que acabam de me dizer que morreu.

Vi-a, faz pouco tempo, na Versailles. Seria a última vez. Era frequente encontrá-la por lá, a caminho ou saída há pouco da Gulbenkian, ela que era uma conhecida "habituée" de concertos. Tinha a música como um dos seus grandes hóbis. Em 2004, em Viena, quando se preparava para me substituir como embaixadora na OSCE, recordo-me que fomos uma noite juntos à ópera. Imagino que tenha sido bem feliz por lá.

A Ana era uma amiga que fui cruzando pelo mundo, de Madrid a Belgrado, de Londres a Bruxelas, de Zagreb a Viena. Tinha um sorriso permanente, uma atitude sempre positiva, uma gargalhada sã. Muito culta, devo-lhe preciosas indicações bibliográficas. E, muito mais do que isso: devo-lhe uma imensa solidariedade pessoal, o que não é a menor coisa na nossa vida.

Sinto uma grande pena pela sua morte. 

Trump, dois anos depois


O professor Eduardo Paz Ferreira “convocou-nos” hoje, para a Faculdade de Direito, com vista a refletir sobre Trump, dois anós após a sua posse: Luísa Meireles, Irene Pimentel, Carlos Branco, Rui Tavares, Sandra Monteiro e eu próprio. Alguns de nós tinhamos já estado por ali, a refletir sobre este mesmo assunto, precisamente há dois anos e há um ano.

Iniciei a minha intervenção dizendo que a boa notícia era o facto de Trump não ter provocado nenhuma guerra (como há dois anos se temia) e a má notícia o facto de ele ter conseguido induzir uma inédita crise de confiança à escala global (como há dois anos já se temia). 

Num nota não muito pessimista, terminei a minha intervenção afirmando que, apesar de todos os virulentos ataques de Trump ao sistema internacional de base multilateral, e não obstante o forte poder condicionante que a força dos EUA sempre objetiva em todas as circunstâncias, o quadro institucional global, com a ONU no centro, tem sobrevivido. Até quando?

A arte dos inspetores


Ontem, ao ver o grande ator cómico Rowan Atkinson a desempenhar o papel “sério” de Maigret, numa nova série televisiva, não pude deixar de me lembrar do tempo em que Raul Solnado também interpretou um inspetor, na “Balada da Praia dos Cães”. Um grande ator é sempre um grande ator.


Vamos apostar?


Há dias, uma amiga dizia-me que ia acompanhando a atitude dos britânicos face ao Brexit pela consulta, com regularidade, dos “sites” das casas de apostas no Reino Unido. Ao contrário de que acontece por cá, por lá existem apostas a propósito de tudo e de nada, desde estes episódios da vida política às datas dos casamentos dos príncipes. E se pensarmos que cada um arrisca o seu dinheiro naquilo que acha mais plausível, talvez devamos concluir que o modo como os apostadores olham os episódios em que o Brexit se vai sucessivamente declinando não deixa de ser um barómetro interessante sobre o estado daquela opinião pública. 

O caso do divórcio britânico da Europa irá, no futuro, dar origem a muitos livros. E em todos eles, estou certo, se especulará, com alguma razão, sobre como foi possível, a um país com a importância e a experiência histórica do Reino Unido, deixar-se aprisionar num tortuoso processo negocial de saída de uma estrutura institucional a que havia ligado o seu quotidiano por décadas.

É que o Brexit acabou por transformar-se, para o Reino Unido, numa verdadeira ratoeira. O referendo em que a decisão de saída foi tomada, cuja legitimidade democrática é incontestável, resultou de uma campanha muito marcada por temas emocionais, pelo potenciar de alguns medos, que uma análise serena veio a demonstrar serem completamente infundados. A isso se somou a obsessão, que era antiga, de recuperar a “soberania” e de deixar de estar “sob as ordens de Bruxelas” (como se não fossem os ministros britânicos quem também votava a legislação que ali se produz).

Escrevi atrás “ratoeira” com plena intenção. Obrigado a seguir o resultado do referendo, o governo britânico viria a deparar-se com uma missão quase impossível. Quando a poeira assentou, Londres terá percebido a imensa dificuldade daquilo a que não iria poder fugir. Foi assim obrigado a uma complexa negociação, tendo do outro lado da mesa a vontade, institucionalmente federada pela Comissão Europeia, de 27 Estados, surpreendentemente atuando em uníssono e que não lhe facilitaram a vida. Se o Reino Unido queria abandonar a UE, e porque desde logo informou que a alternativa de ficar não existia, então o pacote de condições iria ser severo. E foi.

Qualquer governo britânico, perante um resultado negocial obtido sob uma inescapável pressão, iria ter sempre uma grande dificuldade em garantir o voto maioritário de Westminster. Mas uma primeira-ministra que começara por ser a favor da permanência na UE, para depois fazer uma cambalhota, com uma maioria escassa e politicamente periclitante, era o pior interlocutor para um acordo que implicava grande sentido de compromisso e o “engolir” de alguns sapos.

Na vida profissional, aprendi que nada é pior do que negociar com uma parte marcada pela fraqueza, debilitada na sua capacidade de fazer vingar aquilo a que se comprometeu. Theresa May é isso tudo e, talvez por essa razão, só os videntes nos possam hoje ajudar a pôr o nosso dinheiro nas casas de apostas, acerca do resultado final desta imensa trapalhada em que se transformou o Brexit.

(Artigo publicado no dia 18 de janeiro de 2019)

Chover no molhado

As coisas são o que são e não o que gostaríamos que fossem. Diz-nos a TSF que, em Ferreira do Alentejo, deixou de haver jornais em papel à venda. Quantas ”Ferreiras do Alentejo” não existirão por aí, cada vez mais? Os jornais em papel estão, de facto, a desaparecer? É que se, entre os que eventualmente “sobram”, e sabe-se lá por quanto tempo, ficarem apenas o “Correio da Manhã” e os desportivos, isso diz muito do futuro da imprensa em papel no nosso país. Não vale a pena chover no molhado, mas lá que acho isto muito triste, lá isso acho. E, vale a pena dizer, não é culpa de ninguém, é a vida!

domingo, janeiro 20, 2019

Futebóis


O sofá é um grande inimigo do futebol. Dei conta disto há uma semana, quando me tirei dos meus cuidados e decidi rumar a Alvalade, para ver, ao vivo, o Sporting-Porto. 

Quantas vezes, ao longo dos últimos anos, havia reprimido esse impulso e optei por me instalar no confortável sossego das almofadas caseiras, para assistir (sempre em diferido, na televisão, nunca vejo jogos em direto do Sporting, para não me incomodar) aos jogos do meu clube! Desta vez, empurrado pelo sol de inverno que fazia, lá me decidi a ir para a bancada central, com o bilhete comprado na net duas horas antes do jogo, com uma longa fila de entrada a suportar. 

Estar num estádio não tem nada a ver com ver um jogo pela televisão - desde logo, porque as jogadas não são repetidas, o que nos alimenta até à noite a dúvida sobre se “foi mão” ou se o fora-de-jogo foi mal ou bem marcado. Mas o ambiente, a cor, o barulho, é outra coisa! É verdade que, quando olho para as claques do meu clube, para aquelas faixas com símbolos a roçar o sinistro, me pergunto o que é que eu tenho a ver com aquela gente, aliás a mesma que apoiou por anos um demente palavroso. Mas, depois, olho em volta, para homens e mulheres normais que ali vão de modo saudável, e dou conta que sou dessa “tribo”, a qual, vale a pena admitir, é tão má ou tão boa como as dos rivais, só que, por razões que cada um explicará, é a nossa.

O meu cachecol era verde escuro, sem emblema, mas ergui-o, algo relutante, ao lado dos outros, quando o entusiasmado locutor o pediu. Foi um gesto para me forçar a sentir-me ali entre “os meus”, mas o meu à-vontade era igual ao que sinto quando, nos momentos eleitorais decisivos, decido ir assistir a um comício político dos que pensam como eu. Os franceses têm uma bela expressão que qualifica esse meu conjuntural sentimento nesses momentos massificados: “mal à l’aise”. Sou assim, o que é que se há-de fazer?

Não lhes vou contar o jogo, aliás péssimo, de ambos os lados, que acabou num nulo, quando devia ter acabado com um resultado negativo para cada lado, se a justiça existisse. 

A minha bancada era, homogeneamente, de sportinguistas. Ou os que o não eram estavam calados como ratos. À minha esquerda calhou um mal-disposto desde o apito inicial, que logo qualificou o árbitro de filho de uma senhora de profissão conhecida, para logo generalizar, sem se rir: “Aliás, são todos!” Depois, foi criticando as escolhas em campo, com sugestões de constituição ótima da equipa, que “só não vê a besta do holandês”. A “besta do holandês”, para minha surpresa, não encontrou apoios em praticamente ninguém à volta, até ao final do jogo.

À minha direita, encontrei uma alma gémea. Era tanto que, a certa altura, passou a incomodar-me. Se eu clamava (mesmo não estando acompanhado, não sei estar num estádio sem comentar alto algumas jogadas, razão por que sempre detesto ser convidado para tribunas) que o corredor direito estava desguarnecido, o tipo reiterava e repetia, berrando alto, duas ou três vezes, o que eu tinha dito em voz normal: “Este senhor tem toda a razão, não está ninguém na direita, ó ceguinho!”, o que levava algumas caras a olhar para mim, esperando encontrar ali um discreto “expert”, quando eu apenas tinha sublinhado uma evidência. A meia hora do fim, caí na asneira de dizer: “Parece que estamos a jogar para o empate!” O que eu fui dizer! Foi um ror de vezes que o tipo repetiu: “Este senhor aqui é que tem razão! Estão a jogar para o empate! Calões!”. E “este senhor” sentia-lhe olhado como um guru. Só não saí um pouco mais cedo, até para evitar a molhada final, porque estava no meio da bancada, confesso.

Saí do estádio com “mixed feelings”. Desde logo, desagradado pelo resultado e, bem mais, pela fragilidade endémica da minha equipa. Mas saí satisfeito comigo mesmo, por ter vencido o comodismo. Voltarei em breve? Dependerá do sol, da paciência, da sedução do sofá, do programa alternativo que tiver. Não prometo nada, nem a mim mesmo, o que é sinal de que confio muito pouco em mim.

Se o Sporting estiver à espera de adeptos desta laia para o levar aos triunfos, está bem arranjado...

sábado, janeiro 19, 2019

Pedro Gonçalves


Houve “capitães de abril”, mas também houve “milicianos de abril”. Nesse ano de algumas coisas já muito longínquas que foi 1974, alguns de nós - civis por natureza, militares por acaso - oferecemos com entusiasmo os nossos dias à concretização de um belo sonho. Pelo caminho, cometemos alguns erros, mas fizemos outras coisas que valeram bem a pena. O saldo aí está: a sociedade livre em que vivemos. Ajudámos a mudar o país e, com imenso orgulho, contribuimos, à nossa modesta medida, para a liberdade que hoje todos partilhamos. Nenhum de nós recebeu a “Ordem da Liberdade”, nem tinha de a receber. O país não nos deve nada, nós é que, para sempre, lhe ficamos a dever a oportunidade histórica de ter podido estar num certo lugar, no tempo certo. E isso, ninguém nos tira!

Hoje, sob farta chuva, lá estivemos a despedir-nos de um de nós, de um amigo, parceiro dessa aventura, do Pedro Gonçalves. Há mais de quarenta anos que o seu sorriso, a sua bonomia, a sua graça, aquela figura alta iluminava os regulares almoços do nosso grupo de “militares de abril” - que junta alguns amigos profissionais “do quadro” a quantos, como o Pedro ou como eu, andaram, apenas por uns tempos, ”emprestados” a essa “guerras” da Revolução. Mas, todos, sem exceção, “abrilistas” ferrenhos.

Daqui a dias, quando de novo nos juntarmos, não deixaremos de fazer uma emocionada saudação à memória do Pedro Gonçalves e, tal como sabemos que ele teria gostado, lançaremos um imenso “viva o 25 de abril!”

Deixo uma fotografia incompleta do nosso grupo, com “faltas justificadas” do Carlos Contreiras, do Martins Guerreiro e do Jorge Abegão - que hoje estiveram connosco a despedir-se do Pedro. Na imagem,também não estão os mais “refratários” (já quase “desertores”) membros da tertúlia, o José Maria Brandão de Brito e o Jorge Calheiros, seguramente algures “de serviço” no dia em que ela foi tirada. O Pedro surge na fila da frente tendo no seu ombro a mão do Carlos Figueira, o “secretário-geral” perpétuo destes nossos encontros.

sexta-feira, janeiro 18, 2019

Baron Noir


Fujo quanto posso a ver séries na televisão. Porquê? Porque temo ficar “agarrado” a elas. Como fiquei agora com este “Baron Noir”, que a RTP 2 está a transmitir. Com uma realização ágil, que o mesmo é dizer, pouco francesa, servida por uma banda sonora envolvente e contemporânea, uma vez mais pouco francesa, o “Baron Noir” tem-me feito perder horas de sono (só consigo ver de madrugada), mas ganhar horas de prazer visual. Para quem, como eu, (julga que) conhece bem a vida política francesa, é muito interessante observar a coreografia cruel da sua luta política ficcionada. Uma frase que hoje ouvi num dos episódios quase que sintetiza todo espírito desta bela série: “Em política, o ódio é melhor do que um diploma”. Será mesmo assim?

quinta-feira, janeiro 17, 2019

Condomínio


“Isso é um inferno!”, exclamou um amigo, com quem tive de apressar um telefonema, quando lhe disse que ia para a Assembleia Geral do meu condomínio. E lá fui. Durou um quarto de hora. Verdade seja que haver só três condóminos - gente simpática, educada e colaborante - muito facilita. Assim, tudo foi aprovado por unanimidade e foi reeleito, por discreta aclamação, o gestor que, desde há vários anos, com obras extraordinárias e alguns inevitáveis incidentes do quotidiano à mistura, tem ajudado a levar a bom porto a administração do prédio. O nome? A modéstia não me permite divulgá-lo...

A política da forma



Na reação pública ao desafio que agora lhe foi colocado, Rui Rio voltou a suscitar, num tom até um pouco a despropósito, a questão da forma de estar na política. Reagia assim às críticas que lhe são regularmente feitas de que o seu estilo de liderança não é mobilizador e que, se persistir ir por esse caminho, o PSD se arrisca a ter um resultado desastroso nas próximas eleições legislativas e, ainda antes, nas europeias.

Não sendo um observador independente na matéria, creio possível fazer um exercício analítico relativamente objetivo. E tentar responder às questões: quem terá razão? Rui Rio ou os seus críticos?

Rio deu, desde o primeiro momento, sinais de querer introduzir uma nova atitude no debate político: não fazer oposição só para mostrar que está contra o “outro lado”, criticar apenas quando tem razões para tal, apoiar quando entender que o adversário esteve certo, caminhar sempre que possível no sentido de compromissos de regime. Todos concordarão que esta atitude introduz uma clivagem clara no modo de estar dos líderes partidários portugueses - e não só no PSD. Dir-se-á que apenas António José Seguro tentou ir um pouco por esse caminho, até ao momento em que terá percebido que essa postura não lhe trazia quaisquer dividendos ou reconhecimento público.

Um ano depois de ter assumido funções, o líder do PSD já se deve ter dado conta de que essa forma de atuar, no imediato, não lhe irá render muitos votos. Estará Rio a negar assim a realidade objetiva dos factos? 

Se repararmos bem, salvo em algumas notas despiciendas de pormenor, os mais vocais críticos de Rui Rio nada apresentam de concreto, em termos de propostas políticas, como base para a sua contestação. (Alguns acusam-nos de estar apenas a lutar por lugares). O que criticam é a forma, é a ausência de agressividade, é a não personalização de ataques na pessoa do primeiro-ministro, como a líder do CDS faz a toda a hora. A oposição feita por Rio parece-lhes “mole”, não congregadora dos votantes potenciais do PSD.

Acho que Rio tem razão, mas os seus críticos também. Rio tem uma visão “decente” da política que, a vingar, nos faria caminhar para um país bem melhor, mais moderno, com bem menos tricas e bastante mais verdade. Montenegro e os saudosos de Passos Coelho argumentam que, a atuar desta forma, o PSD se afasta inexoravelmente do poder. E, implicitamente, concluem: a vida política em Portugal é o que é! Ninguém chega ao poder de outra maneira. O que também não deixa de ser uma verdade possível. 

A “monarquia” do Norte


Morreu em 1925, com 52 anos. Chamava-se António Emílio da Costa e era meu avô. 

Na família do meu pai, sobreviveu para sempre um grande orgulho pelo facto desse republicano maçónico ter combatido, de arma na mão, a tentativa “talassa” de restaurar o regime que, quase nove anos antes, havia caído na Rotunda. E ganhou.

Há precisamente 100 anos, teve lugar essa tentativa de golpe contra a República, que ficou conhecido pelo nome, quase irónico, de “monarquia” do Norte. E que falhou, claro.

quarta-feira, janeiro 16, 2019

Incomuns nos Comuns



Nestes dias de debates sobre o Brexit, a Câmara dos Comuns britânica tem estado muito em evidência. 

Do lado esquerdo de quem entra, fica o partido no poder e o seu governo, do lado direito sentam-se os deputados dos partidos a que a fórmula (ainda) em vigor chama "Her Majesty's Most Loyal Opposition". Mas não todos: a Câmara dos Comuns não tem lugares suficientes para acomodar os seus 650 membros, pelo que, nas sessões mais concorridas, alguns usam os degraus das escadas e uma multidão de outros tem de ficar de pé. Alguns, por tradição respeitada, têm o seu lugar assegurado, a maioria senta-se onde pode, sempre colocando-se do seu "lado".

Duas dicas para se entender melhor a complexa coreografia verbal da câmara: quando alguém se refere a um "honorable gentleman" (com exceção do “speaker”, o presidente, não se pode referir o nome das pessoas, mas pode usar-se o nome da "constituency" eleitoral que elas representam) quer significar um membro da bancada que se lhe opõe. Pelo contrário, se o orador falar em "honorable friend" está a indicar um membro da sua própria bancada. Se acaso se ouvir a palavra "right" (como em "right honorable friend/gentleman"), isso significa que se trata de alguém que faz parte do "Privy Council" da raínha, um orgão de aconselhamento em que ingressam, de forma vitalícia, por seleção, alguns membros do parlamento mais qualificados.

Churchill, quando primeiro-ministro, usava uma fórmula irónica para descrever a câmara: à sua frente sentavam-se os "adversários", atrás de si (na bancada do seu partido) estavam os "inimigos". Theresa May deve estar a sentir isso bem, por esses dias...

Deixo-os com uma história de que fui testemunha, passada nessa sala, junto ao "dispatch box", aquele centro de mesa com caixas de madeira e livros, de onde falam o governo e o "shadow cabinet” (o ”governo sombra”), que é o "frontbench" (banco da frente) da oposição - por contraste com o "backbench", constituído por todos os deputados, de ambas as alas, que se sentam nas filas traseiras.

Em 1993, durante a sua visita de Estado ao Reino Unido, o então presidente Mário Soares fez uma visita informal à Câmara dos Comuns, numa hora em que esta não estava em sessão, passeando-se com a comitiva por toda a sala. 

A certo passo, notei que o acompanhante oficial que o Palácio de Buckingham tinha designado para estar com o presidente português ao longo de toda a visita, um aristrocrata, membro da Câmara dos Lordes, demonstrava um inusitado e quase turístico interesse pelos pormenores do mobiliário e pelo conjunto de símbolos que ocupam a mesa central, em frente aos quais governo e oposição se degladiam. 

Talvez porque eu notasse visivelmente essa sua atitude, a certa altura, aproximou-se de mim e disse-me: "Sabe, sinto-me um pouco emocionado!". No instante, não percebi bem a razão dessa emoção. "É que, como membro da Câmara dos Lordes, estou formalmente impedido de visitar a Câmara dos Comuns e, em toda a minha vida, esta é a primeira vez que consigo entrar aqui." 

Estas também são as peculiaridades do sistema político britânico.

“Fake news” ou “wishful thinking”?


Uma edição falsa do “The Washington Post” está a circular hoje pela capital americana, anunciando a demissão de Trump. Traz em título o que muitos desejariam.

Não pode ser só ele a ter direito a dizer mentiras...

Armando Vara


A justiça portuguesa concluiu que Armando Vara cometeu vários crimes de tráfico de influências. Todas as instâncias judiciais foram unânimes, pelo que a decisão, além de inapelável, tem uma legitimidade irrecusável. Armando Vara continua a dizer-se inocente, alguns acham que a pena que lhe foi determinada pode ser algo desproporcionada, mas é óbvio que isso agora é irrelevante, atenta a unanimidade da justiça.

A nossa justiça não tinha sido, até agora, muito eficaz em matéria de crimes de "colarinho branco". Mais do que isso, o crime de tráfico de influências, que surge muito ligado à corrupção, tinha sempre passado "por entre os pingos da chuva", talvez por ter como "primo" distante a "cunha", esse arraigado hábito lusitano (e não só). Ver este tipo de crimes começar a ser punido significa um claro avanço social, um salto de modernidade e de transparência pública com que todos nos devemos congratular - todos aqueles que lutam por uma sociedade mais decente.

Armando Vara vai agora preso. É perfeitamente natural que as pessoas fiquem satisfeitas com a circunstância da justiça se ir cumprir. Mas percebo bastante menos o gozo alarve que se prende ao sentido de humilhação pessoal que se quer somar a este facto. Como se não bastasse Armando Vara ir pagar pelos crimes que cometeu, a alguns parece importante objetivar nele uma espécie de vindicta social. O que se lê por estes dias nas redes sociais e em alguma "imprensa" prova que, mais do que sentido de justiça, alguns setores da nossa sociedade vivem marcados pelo desejo de vingança - esse que é um sentimento mesquinho, típico da mediocridade humana.

Pivot

Morreu Bernard Pivot. Tinha 89 anos. Há hoje uma França (e não só) de luto. Não terá chegado a receber a chamada telefónica que mais temia: ...