É um " self- service", aviso já para os que não são grandes apreciadores do género - e eu, em regra, estou com eles. (Houve um tempo em que minha preguiça ia ao ponto de considerar que a "fondue" e a "raclette" me davam demasiado trabalho).
domingo, outubro 20, 2024
"1.° Direito"
É um " self- service", aviso já para os que não são grandes apreciadores do género - e eu, em regra, estou com eles. (Houve um tempo em que minha preguiça ia ao ponto de considerar que a "fondue" e a "raclette" me davam demasiado trabalho).
sábado, outubro 19, 2024
"Ararate"
O ambiente é um pouco barulhento. O serviço é atento e competente, embora a noite fosse de muito movimento, o que me dizem ser frequente, dado o êxito comercial do restaurante.
Assustei-me quando vi um menu com fotografias dos pratos (a imagem daqueles infernais "caçadores de turistas" da Baixa lisboeta veio-me logo à ideia), mas não tinha razão para isso: a singularidade daquela gastronomia justifica plenamente que possamos ter, por antecipação, uma imagem daquilo que nos propõem, que ali vem acompanhada por uma descrição muito competente de cada prato.
Éramos quatro pessoas. Com um couvert leve, quatro pratos, três sobremesas, um razoável vinho arménio (a carta de vinhos é bem construída, com propostas portuguesas e arménias, estas utilmente explicadas com as castas e sabores), cafés e água, pouco passou das três dezenas de euros/pessoa.
O mais importante: comeu-se muito bem, todos ficámos muito satisfeitos. Vou regressar em breve ao Ararate. Ficaram-me os olhos e o apetite para alguns outros pratos que por ali vi.
sexta-feira, outubro 18, 2024
O telefone preto
quinta-feira, outubro 17, 2024
António Correia de Campos
O seu nome apareceu, aos olhos dos portugueses, muitas vezes ligado à Saúde, de que foi ministro em duas ocasiões, circunstância que sempre me pareceu algo limitativa face àquilo com que o país muito teria ganho - a sua colocação como figura cimeira, e com o necessário poder, à frente da nunca executada reforma do Estado. Com uma formação internacional muito rara, o António foi um excecional presidente do Instituto Nacional de Admininistração, e sem prejuízo do trabalho que desenvolveu na área específica onde é altamente competente, creio que Portugal o pode ter desperdiçado naquilo em que ele teria sido de uma extrema utilidade nacional.
António Correia de Campos lançou ontem o seu segundo volume de memórias. Eu diria mais, de rigorosas memórias. Para um descuidado com as lembranças como sou, o minucioso registo que o António tem vindo a fazer dos seus dias na vida pública mostra um trabalho admirável, que é, ao mesmo tempo, um índice dos anos da nossa contemporaneidade. Num diário sempre assumidamente crítico, ele conduz-nos pelos anos recentes nosso país político, através de uma escrita de grande qualidade e sem arrebiques, marcada por uma linguagem exigente, como exigente é a sua ética cívica.
Um dia, em 2001, em Nova Iorque, eu tinha levado Jorge Sampaio a visitar o "The New York Times", proporcionando-lhe um encontro com a respetiva direção editorial. Sampaio e eu partilhávamos uma imensa admiração pelo jornalismo daquela que o nosso presidente qualificava como um "bíblia laica". No meio desse encontro, o Ajudante de Campo de Sampaio trouxe-lhe um telefone portátil: tinha uma chamada urgente de António Correia de Campos. Durante uns escassos minutos, o presidente português interrompeu a visita e eu fiquei a fazer as honras dos visitantes da casa. No final, Sampaio disse-me: "Era o António Correia de Campos. O Guterres acaba de o convidar para a Saúde. Há muito tempo que isto devia ter acontecido, não acha?" Eu era da mesma opinião, embora fosse amigo de ambas as ministras que Guterres havia sucessivamente escolhido para aquela pasta e com quem tinha trabalhado muito bem: Maria de Belém e Manuela Arcanjo. A chegada de António Correia de Campos àquele "impossível" ministério não foi a tempo de dar um último alento ao segundo governo de António Guterres, do qual eu tinha saído alguns meses antes.
Desde então, passei a encontrar o meu amigo António Correia de Campos com muita e agradável frequência, no Brasil, em França, em sua casa ou em casa de um grande amigo comum, Eduardo Ferro Rodrigues, em Almoçageme, aldeua onde o António exerce com visível gosto o cargo de presidente da Assembleia Geral dos bombeiros locais, como orgulhosamente refere na badana daquele seu último livro.
Ontem, ao ouvir Vital Moreira apresentar, ao lado de Leonor Beleza, no Palácio Galveias, esse segundo volume das suas memórias - "Do Pântano à Pandemia" - sorri intimamente ao recordar uma noite, em 2010 ou 2011, em que o António, o Vital e eu saíamos da Brasserie Stella, em Paris. Do outro lado da avenue Victor Hugo passou uma figura que o Vital ou o António julgaram identificar como podendo ser o prolífico, famoso, embora literariamente menos unânime, escritor brasileiro Paulo Coelho. Ambos se voltaram para mim, como se eu, único dos três que por ali vivia, pudesse ter autoridade para fazer uma identificação autêntica da figura. Tive então a "lata" que ambos não tiveram e, em voz bem alta, lancei para o outro passeio da Victor Hugo: "Paulo!" Paulo Coelho olhou-nos, estugou por um segundo o passo, logo retomando o seu andamento, quiçá por ter pressentido não estarem por ali uns seus devotos leitores.
Ao António (e à Belinhas) deixamos o nosso forte abraço de felicitações pela publicação deste segundo volume das Memórias, cuja leitura já iniciei, mas que, mesmo chegado às quase três da manhã, ainda não concluí. Ontem, não conseguimos ficar a tempo de recolher uma dedicatória: o coro da Gulbenkian não esperava mais por nós.
quarta-feira, outubro 16, 2024
À mesa da Máfia
terça-feira, outubro 15, 2024
Prémio Mário Quartin Graça
segunda-feira, outubro 14, 2024
2011 e a ausência de um gravador
Não é objetivo deste texto falar dos heróis e dos vilões que cada um apoiou ou detestou no filme desse tempo. Já quase tudo foi escrito sobre esses protagonistas e está claro o que cada um pensa. Não vou por aí.
Como se imaginará, por aqueles dias, as antenas de Portugal pelo mundo - as nossas embaixadas - estiveram atentas e, cada uma à sua medida e à escala daquilo que lhe era solicitado que fizesse, procurou desenvolver o trabalho que lhe competia, umas melhor outras pior, como é da lei da vida. Cada caso foi um caso e cada experiência foi diferente das outras, se bem que integradas num todo complementar, que significou a contribuição dada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros nesse período.
Pode haver quem tenha pena que, num almoço de hoje, num discreto lugar de Lisboa, não tivesse havido um gravador para recolher os testemunhos ali prestados pelos embaixadores portugueses que, nos meses que antecederam e que sucederam ao pedido de ajuda externa, estavam então colocados em três importantes capitais: Berlim, Paris e Londres. Por quase três horas, cruzámos episódios, conferimos versões e olhámos retrospetivamente o que Lisboa significou então para nós, como centro de instruções e de informação. E também o que não significou, as nossas angústias e a nossa solidão. Nessa conversa, solta e sem peias nem baias, falámos livremente da parte que a cada um competiu naquela história. E tudo por ali ficou.
domingo, outubro 13, 2024
O tráfego
Nesse dia, no início dos anos 90, cruzei-me num dos movimentados corredores com dois diplomatas estrangeiros que, entre si, me pareciam envolvidos num conciliábulo algo segredado. Fiz menção de não interromper, mas fui chamado à conversa. Com a maior naturalidade, um deles perguntou-me: "Francisco. Você, normalmente, usa hotel ou tem "garçonnière"?" A pergunta era muito clara: onde é que eu me acolhia em caso de supostas escapadinhas românticas. A expressão "garçonnière", de origem francesa, foi muito usada em outros tempos do Brasil, antes do motel virar moda.
Comecei a preparar uma inocente resposta quando esse mesmo amigo se adiantou: "É que eu cansei de pagar hotel e estou arrumando uma "garçonnière". Lembrei-me que aqui o Paulo e você podiam querer partilhar comigo um espaço que encontrei, perto de King's Cross, a um preço bastante bom". Isto foi dito com o ar mais natural do mundo, naquela cumplicidade machista que desarma o interlocutor, simultaneanente "flattered" pelo convite, mas embaraçado na organização da resposta.
Olhei o Paulo, por um segundo não entendendo se ele ainda estava a refletir no assunto. Ambos sabíamos que o nosso amigo era muito ativo no registo para o qual nos convocava, pelo que a proposta era a sério. Modesto, guardei para sempre a frase com que reagi: "Agradeço muito o seu convite, mas não tenho tráfego que justifique".
O Paulo deu uma gargalhada e disse qualquer coisa parecida. E o assunto morreu ali. Às vezes, nesses meus anos de Londres, quando passava em King's Cross, onde costumava visitar um alfarrabista, punha-me a olhar para casas e interrogava-me se em alguma delas seria a tal "garçonnière".
Há muito que deixei de ver o terceiro amigo que então organizava o aluguer (aluguel, para ele) da "garçonnière". Sei que a sua vida, sentimental e não só, deu algumas voltas. Com o Paulo, em mais de uma ocasião, recordei a história, entre gargalhadas. Ah! E, claro, fi-lo sempre diante das nossas respetivas mulheres, porque quem não deve não teme.
Resumo da novela
Para que o eleitorado entenda um gesto político, este tem de ser muito simples: sim ou não, sem "sim, mas..." pelo meio. A atitude do PS face ao orçamento, seja ela qual for, deve ser de uma completa clareza e sem subtilezas retóricas. Se sim, por isto; se não por aquilo. Ponto.
O PS, lamento dizê-lo, conseguiu deixar a transformar a "novela" do orçamento numa questão consigo mesmo. O governo conseguiu "passar-lhe a bola". Agora, nos media, a notícia já são os socialistas que querem ver o orçamento aprovado contra os (que parece) que não pensam bem assim.
Não fossem as trapalhadas entre Montenegro e Ventura e a situação dos socialistas seria ainda pior. Todos já tínhamos percebido, nos Açores e na Madeira, que "não é não" enquanto der jeito. (Lembrem-me: de que partido era Ventura militante, antes de criar o Chega?)
O PS deveria ter dito, desde o início, uma só coisa: um governo minoritário tem de ser capaz de apresentar um orçamento capaz de passar no parlamento. A responsabilidade é exclusivamente do governo e este só não apresenta um orçamento em condições de ser aprovado porque não quer.
Há quase um quarto de século
sábado, outubro 12, 2024
Albion
A vida não tem corrido bem a Keir Starmer, o novo primeiro ministro trabalhista, chegado ao poder depois de um longo consulado dos conservadores. O facto destes estarem prestes a escolher, para novo líder, uma figura da sua ala radical é a primeira boa notícia para Starmer.
Atuar
Num outro tempo, quando se dizia de alguém que era "atriz", significava uma pessoa com traquejo e história nos palcos. Hoje, ao que se vê, "atriz" é uma modelo laroca que fez umas "pontas" numa telenovela e que namora com um toureiro, um corredor de automóveis ou um futebolista.
sexta-feira, outubro 11, 2024
A inveja da sarjeta
Há pouca coisa que, na nossa terra, irrite mais os medíocres: ver alguém destacar-se. Por isso, porque já perceberam que não conseguem sair dos respetivos buracos, só têm uma solução para alimentar a inveja que os rói: dizer mal de quem teve sucesso ou de quem é visto como tendo. É a vida, António Guterres!
Económico com a verdade
Há um líder de um partido de extrema-direita que tem vindo a colecionar declarações contraditórias e que, a cada dia, se revela mais "económico com a verdade". O seu grau de descredibilização tem vindo a crescer de forma exponencial, para natural alegria da direita tradicional.
Conferência
Todos os debates das Conferências de Lisboa são sintetizadas graficamente pelo génio de Daniel Perdigão, que "segue" e ilustra as intervenções dos oradores.
Nobel
Nunca acreditei que o comité Nobel de Oslo viesse a atribuir o Prémio Nobel da Paz a António Guterres, o qual, aliás, nunca foi "candidato" ao galardão e não foi havido nem achado para a evocação do seu nome neste contexto. Acho, aliás, que o Nobel foi muito bem atribuído.
6ª Conferência de Lisboa
Não cabia muito mais gente, na Gulbenkian, na sessão de abertura da 6ª Conferência de Lisboa. Foi o início de dois dias de debate sobre o tema "Um Mundo Dividido", onde ainda pode inscrever-se no site do "Clube de Lisboa".
quinta-feira, outubro 10, 2024
quarta-feira, outubro 09, 2024
Biografia do exílio
As culturas de exílio são marcadas por ruturas, por dramas familiares, por dificuldades e, muitas vezes, por imensas incompreensões. O refugiado político vive numa transitoriedade que limita a ancoragem da sua vida, muitas vezes tendo uma realização profissional mínima, quase sempre em ambientes políticos marcados pelo secretismo e pela suspeição. A conflitualidade e a insegurança marcaram os tempos dessas pessoas durante a ditadura portuguesa. Do Brasil à Espanha republicana ou à União Soviética e a outros países do "socialismo real", da França à Suíça e ao Benelux, da Argélia aos Estados Unidos ou à Inglaterra, é imensa a geografia do exílio antifascista português.
Quando fui embaixador no Brasil, procurei, em diversas ocasiões, recordar o diáspora política que a ditadura forçara. Por ali falei, na imprensa e em intervenções públicas, dos nomes de Humberto Delgado, de Henrique Galvão, mas também de Sarmento Pimentel e de Jaime Cortesão, entre muitos outros. Lembro-me de também me ter associado à evocação de memória de Francisco Cachapuz/Paulo de Castro, numa intervenção na Associação Brasileira dos Jornalistas. E tive o gosto de entregar pessoalmente, no Consulado-Geral de Portugal no Rio, uma medalha evocativa da liberdade, oferecida pela Associação 25 de Abril ao mais antigo refugiado político português, Edgar Rodrigues. Mas reconheço que fiquei muito aquém do queria ter feito.
Um dia, pedi para me encontrar com a historiadora Heloísa Paulo, que então trabalhava no Brasil. Tinha lido coisas que ela escrevera sobre o exílio português no Brasil e tentei estimulá-la para ir mais longe nesse trabalho, assegurando o apoio do embaixador português junto de entidades que pudessem facilitá-lo. À ocasião, juntei outro historiador, Douglas Mansour, que tinha em curso um interessante trabalho sobre o "Portugal Democrático", um jornal da comunidade exilada, com grande importância nos anos 60 e 70. Infelizmente, a sequência da nossa conversa acabou por se perder na onda de atividades a que um embaixador português é chamado num país da imensidão do Brasil.
Fiquei assim muito satisfeito, hoje à tarde, quando, na Fundação Mário Soares - Maria Barroso, Heloísa Paulo, que eu já não via há mais de quinze anos, se dirigiu a mim desta forma: "Viu? Segui o seu conselho e o livro que hoje aqui apresento deve muito ao seu estímulo". E, na sua intervenção na sessão teve a amabilidade de repetir o seu agradecimento por essa minha "co-responsabilidade" na obra que agora apresentou em Lisboa, numa edição da Âncora, a editora do meu amigo Baptista Lopes.
Na sessão, falou também a historiadora portuguesa, residente em França, Cristina Clímaco. Ora tinha sido precisamente com ela, com Fernando Rosas e com Luís Farinha que, em 2011, eu organizei, na Embaixada em Paris, para onde entretanto tinha sido transferido, um muito participado colóquio sobre o Exílio português em França. Foi interessante reencontrá-la, uma vez mais em torno do tema do exílio, de que tem bibliografia publicada.
A sessão da tarde de hoje culminou com uma magnífica intervenção de um antigo exilado português no Brasil, um militar do "golpe de Beja", o coronel Manuel Pedroso Marques. O Manuel, do alto dos seus mais de 90 anos, desenhou-nos um fresco sobre as gerações de oposicionistas que cruzou nos seus tempos do Brasil.
Vai ser um gosto poder ler esta obra de Heloísa Paulo. Quem me dera ter podido tê-la como guião, no meu tempo no Brasil, para o esforço que então fiz para honrar quantos por ali tinham lutado pela liberdade em Portugal. Mas mais vale tarde do que nunca.
Pobre RTP
A RTP era um dócil instrumento dos governos até ao momento em que Poiares Maduro, contra ventos e muitas marés, instituiu um regime de tutela que quase nulificou a interferência ministerial. Nessas condições, a RTP deixou de ter interesse para os governos - e não só de um lado...
Retirar a publicidade à RTP era, há muito, o sonho das televisões privadas. Ao realizar esse sonho, ganha a sua boa vontade, o que politicamente é um ganho. Ao não aumentar a "contribuição audiovisual", o governo asfixia a RTP, obrigando a despedimentos. Maior perfídia era difícil.
Ouvido por aí
Antigamente onde havia mais respeito pelos professores era no distrito de Vila Real, devido ao peso da régua.
Os degraus e as vagas
Almoça-se num ambiente elegante, mas descontraído, a um preço módico para os padrões do género, com menu limitado e um vinho da casa em regra bem razoável. No final, na mesa ou nos sofás de couro, quem ainda tem fígado para isso pode optar por um digestivo, para arredondar a conversa ou enquanto lê a imprensa que por ali abunda, no meio de muitos livros.
Durante muitos anos, todo o whisky servido era escocês. Foi necessária a pressão de um sócio que por acaso assina este texto para que uma garrafa de Bushmills passasse a ter entrada definitiva na prateleira dos "spirits". O meu homónimo Francisco, o magnífico chefe de sala que a todos acolhe com uma inexcedível simpatia, há muito que conhece o meu sinal para que a "lâmina dourada" do Ulster venha para a mesa a acompanhar o meu segundo café.
Entre as salas de conversa no piso de entrada, com cantos e recantos para interlocuções mais discretas, e o espaço de refeições no andar superior, que se prolonga para uma ainda mais cimeira sala dos grandes momentos, existe uma íngreme escada, em quatro lanços bem perigosos. Se a subida é penosa, a descida, já pós-pandrial, quando a euforia pode não rimar com o cuidado, converte-se no momento mais perigoso da jornada.
Durante anos, alimentei a tese de que aquela escada tinha um cruel objetivo: abrir vagas. Como o clube tem, na sua "classe" superior, um número limitado de sócios, espalhei a ironia de que foi uma deliberada perfídia dos seus fundadores criarem aquela verdadeira ratoeira, onde membros das faixas etárias mais elevadas podem, com facilidade, vir a sofrer, momentânea e tragicamente, o efeito da força da gravidade. E, claro, por essa via, dar origem à abertura de um espaço no exclusivo "numerus clausus" da casa.
Não faço ideia se uma vaga alguma vez foi assim criada, nas mais de oito décadas da existência do cenáculo, mas sempre recordo como, frequentemente, sentados nos sofás, acompanhávamos o percurso descendente, por aquele verdadeiro escadório social do Chiado, de figuras idosas de sócios, alguns bem conhecidos no burgo. Mas, valha a verdade, o facto de já por ali estarmos era óbvio sinal de que não ansiávamos por um qualquer lugar.
Ontem, saído da tal almoçarada com um belo grupo de amigos, dei comigo e com os meus companheiros de refeição a descer aqueles perigosos degraus, com lentidão e imenso cuidado. Ao dobrar a esquina da escada, observei, de cima, os sofás da sala, não fosse dar-se o caso de haver uma nova geração de cavalheiros a cocar a eventual abertura de uma futura vaga. É que, nos tempos que correm, afinal, os tais cavalheiros idosos já somos nós.
Passadeiras
Sou de um tempo - muito antigo - em que as pessoas, antes de atravessar as passadeiras, olhavam para ambos os lados da rua. Numa outra encarnação geográfica, lembro-me que o peão estendia o braço, para assinalar a sua intenção, antes de iniciar a travessia. Isso acabou. Agora, olha-se o telemóvel e caminha-se lentamente. Às vezes, raramente, alguns peões deitam um olhar sobranceiro para o automóvel estacado a uns metros, numa coreografia que quer significar: "Só quando eu quiser é que tu vais passar, percebes?"
terça-feira, outubro 08, 2024
segunda-feira, outubro 07, 2024
Respeito
A profunda revolta sentida pelo povo palestino, depois de décadas de injustiça e de hostilidade a que continua a ser submetido pelos governos de Israel, sob a cobarde complacência do mundo ocidental, é totalmente justificável e deveria merecer não apenas o respeito mas igualmente a solidariedade e o apoio político ativo da comunidade internacional. Na ausência de um quadro institucional estável, onde os seus anseios possam ser canalizados por via democrática, vivendo em permanência acossados numa terra que têm razões para considerarem também sua, deve compreender-se a expressão do desespero dos palestinos, privados de qualquer esperança, vendo o seu adversário confortado pelos poderes do mundo. Mas uma revolta, por muito legítima que seja - e esta é-o, sem a mais leve réstea de dúvida -, vê essa legitimidade afetada quando é titulada por certas formas extremas de violência. O que se passou no dia 7 de outubro de 2023, com o assassinato arbitrário de muito civis inocentes, com a tomada de reféns, também civis, para poderem servir de moeda de troca e de escudo humano, foi um ato obsceno e injustificável, sob qualquer pretexto. Nem a desproporcionada violência que a resposta israelita assumiu, indigna de um povo judaico que um dia sofreu a brutal chacina que a extrema-direita alemã lhe inflingiu, que em Gaza veio a juntar muito mais barbárie àquela barbárie, pode atenuar minimamente a gravidade do que se passou naquela data. Os mortos não são números e todos os inocentes devem merecer o nosso respeito.
Regresso ao redil
O Chega é alvo de uma concertada campanha de denegrimento por parte da direita e da comunicação social "endireitada". Mesmo que isso prejudique conjunturalmente a esquerda, o objetivo é interessante: tentar que quem vota nessa gente regresse ao redil da decência democrática.
"Soares é fixe!" não é fixe
Que desilusão! Que tempo perdido! O filme é mal construído, saltita erraticamente entre épocas em moldes confusos, tem algumas interpretações lamentáveis. A maioria das figuras políticas de segunda linha que pretende retratar só por milagre podem ser identificadas.
Num dos "flashbacks", há uma cena, tida como passada em Bad Münstereifel, em 1973, na data em que foi fundado o Partido Socialista. Nela surge um diálogo supostamente ali ocorrido, entre Soares e Salgado Zenha. Ora quem conhece um mínimo destas coisas sabe que Zenha nunca esteve nessa reunião na Alemanha...
Um conselho, portanto: não percam tempo a ver "Soares é fixe!". Só me surpreende o facto de várias entidades de prestígio terem ficado com o seu nome associado a esta triste aventura cinematográfica. Imagino que tenham ido ao engano.
(Quem me conhece um pouco, dirá: mas que acrimónia face ao filme! É verdade. Fiquei irritado. Nos 50 anos do 25 de Abril e do centenário do nascimento de Mário Soares, este é um triste "monumento" à sua memória.)
domingo, outubro 06, 2024
6ª Conferência de Lisboa
Nos dias 10 e 11 de outubro, na Fundação Calouste Gulbenkian, vamos juntar especialistas portugueses e de vários países, em torno do tema "Um Mundo Dividido".
A entrada é livre, apenas sujeita a inscrição prévia aqui: https://www.clubelisboa.pt/. Pode também participar online.
Verde tinto ?
Presumo, aliás, que deva haver muitos e muitos milhares de sportinguistas a pensar como eu.
Em tempo: dizem-me que a mudança de equipamento se ficou a dever a uma causa solidária. Se assim é, já não está cá quem falou.
Comemorar a República, sempre!
Nessas comemorações, e talvez não por acaso, tem sido dada uma ênfase muito especial às caraterísticas do regime parlamentar que, depois de 1910, foi instalado em Portugal, por cerca de 16 anos.
sábado, outubro 05, 2024
As respostas de Pilatos
sexta-feira, outubro 04, 2024
Os touros de um país de anões
O país que (ainda) somos: além de Portugal, autorizam (ainda) touradas os seguintes países: Venezuela, México, Peru, Equador, França (em algumas regiões do sul) e Espanha (exceto algumas regiões). Também por cá já se lançaram anões...
... e o rei ficou sem jantar!
Mas o rei não foi a Vila Real. No dia 4 de outubro de 1910, chegou a Mafra, pernoitando no palácio. No dia seguinte, dali seguiu para a Ericeira, onde embarcou para o exílio em Inglaterra.
Mas que diabo ia o rei fazer a Vila Real no dia 5 de outubro? Tratava-se de uma visita inserida na sua deslocação ao Vidago, onde ia inaugurar o Palace Hotel. E quem era o proprietário desse hotel? Nada mais nada menos do que o seu primeiro-ministro, Teixeira de Sousa.
Por essa altura, em Vila Real, os republicanos movimentavam-se. Na noite de 3 de outubro, juntaram-se no nº 44 da rua da Travessa que, com o tempo, viria a chamar-se de Avelino Patena.
Era uma casa particular onde, com regularidade, ao que hoje se sabe, os conspiradores locais reuniam, em torno de gente da Maçonaria. António José de Almeida tinha ali estado, tempos antes, clandestinamente, numa dessas reuniões.
Em 2010, aquando das comemorações do centenário da República, eu era embaixador em Paris. O presidente da Câmara de Vila Real, Manuel Martins, convidou-me para proferir uma intervenção sobre a implantação da República em Vila Real. A cerimónia teria lugar em frente à casa onde a conspiração republicana local tinha ocorrido, com a inauguração de uma lápide a assinalar o facto, cem anos depois.
A noite, recordo, estava invernosa, mas tivemos muita gente a juntar-se no evento. Eu lá disse o que tinha para dizer (quem quiser saber o que disse, basta clicar aqui).
Revelei uma (para mim) curiosa coincidência, que quem me convidou desconhecia por completo: aquela casa, aquele nº 44 da rua de Avelino Patena, era o local onde eu tinha nascido, algumas décadas depois do 5 de Outubro de 1910.
Uma última nota sobre a imagem. O jantar não teve lugar, mas o menu ficou para a História. Alguém ofereceu um exemplar ao meu pai e hoje sou dele proprietário.
"Aqueles que ..."
O momento de indignação semântica que foi protagonizado pelo líder da bancada da extrema-direita parlamentar irá ficar, para sempre, como um dos momentos "cromáticos" da história daquele areópago. Vai rivalizar com "o coito do Morgado', imortalizado no poema de Natália Correia.
... no seu galho!
O senhor cardeal patriarca e o senhor presidente do Supremo Tribunal de Justiça teriam prestado um bom serviço às instituições que titulam se tivessem tido a sensatez de não se imiscuir nas questões políticas. O nosso STJ não é o STF brasileiro e o nosso cardeal não é o papa.
São todos o mesmo!
Esta malta do PSD é toda igual...
Nem no "Inimigo Público"...
"Um Mundo Dividido"
Para que estiver interessado, o texto dessa entrevista pode ser lido aqui.
quinta-feira, outubro 03, 2024
A casa dos Espíritos
Prescreveram vários processos que visavam o universo dos crimes do grupo Espírito Santo. Por que será que ninguém toma a iniciativa de criar uma comissão parlamentar de inquérito para analisar este imenso escândalo, verdadeiro insulto a quem foi lesado pelas trafulhices no BES?
Separação de águas
Criticar Israel, quando se entende que esse país merece ser criticado, ou denunciar o projeto político sionista radical defendido pelos seus governantes, não coloca ninguém, apenas por essa atitude, no terreno do anti-semitismo. Trata-se de coisas diferentes. O anti-semitismo - traduzido por atos de ódio e a perseguição a judeus - é, esse sim, um crime de racismo, exatamente como o é a islamofobia, uma atitude similiar face aos muçulmanos ou islâmicos. E o crime de racismo é sempre punível por lei, podendo levar à prisão. Repito, para que se não esqueça: atos contra judeus ou muçulmanos. Está claro?
Outros tempos
Sou do tempo em que os entendimentos políticos em torno dos orçamentos se não procuravam, em altos berros, à borda dos tanques onde se lava a roupa suja. E não desgostei desses tempos.
Irresponsabilidade
Eu não, eu não fico mesmo nada contente com a perspetiva de o país poder ir de novo a eleições. Acho de uma imensa e imperdoável irresponsabilidade, por parte de todos - repito, todos - os agentes políticos envolvidos, se isso vier a acontecer.
Tenho um amigo
Guterres (2)
Ficaria muito preocupado se o país que, no mundo, mais incumpre resoluções das Nações Unidas fizesse um elogio ao secretário-geral da organização. Algo de errado se passaria! Que esteja contra ele, que o hostilize, acaba por ser uma bela medalha para António Guterres.
"O hiperpresidente"
Hoje, a convite do "Diário de Notícias", escrevo sobre "O hiperpresidente" americano. Ler aqui .