Algumas almas piedosas ficarão chocadas com a similitude que vou fazer: há qualquer coisa que aproxima os Açores da Ucrânia. É simples: ambos são vítimas da dimensão política da sua geografia.
A NATO nasceu com os americanos já nos Açores. Salazar foi obrigado a aceitar, com Londres à mistura, esta imposição da grande potência do outro lado do Atlântico. Ironicamente, as Lajes acabariam por fazer parte do seguro político de vida do ditador no pós-guerra, quando os ocidentais dela vencedores, já mergulhados na Guerra Fria com os soviéticos, decidiram não correr os riscos que uma abertura democrática na península ibérica poderia acarretar. A partir daí, as Lajes foram um barómetro interessante do estado das relações entre Lisboa e Washington. Porém, salvo algumas "marchandages" de oportunidade, que os cheques em dólares consagraram, Lisboa nunca conseguiu que a base se transformasse num instrumento ativo da sua política externa. A humilhação imposta pelos EUA a Marcello Caetano, em 1973, por ocasião da guerra do Yon Kippur, deixou bem clara a (ausência de) margem de manobra portuguesa na matéria. Todo o discurso sobre o assunto nas últimas quatro décadas, embrulhado pelos nossos esforçados atlantistas, não passou disso mesmo: de um discurso, que nunca atravessou o Attlântico. As Lajes são portuguesas mas o destino geopolítico em que elas se inserem, sendo embora por nós partilhado, não está sob o nosso controlo. Quem não perceber isto ou é ingénuo (e, por isso, perigoso) ou está de má-fé.
A que propósito é a Ucrânia aqui chamada? Porque a Ucrânia é também, a seu modo, uma "casualty" geopolítica. A Ucrânia é um espaço político que uma certa acrimónia face a Moscovo, que nos últimos anos raptou o discurso dentro da UE e da NATO, acabou por erigir num bizarro santuário da intocabilidade. A Rússia, que como entidade política está muito longe de ser "flor que se cheire", acabou por demonstrar na Crimeia (como já tinha feito na Geórgia) que não está disponível para deixar afetar os seus interesses estratégicos e que não permitirá que Kiev se transforme numa guarda avançada de quem ameaça o que considera ser o essencial da sua segurança. E que teme que a atual NATO seja isso mesmo. O Ocidente pensou que tinha ganho a Guerra Fria, depois de moldar quase toda a Europa central e de Leste ao seu "template", por via da UE e da NATO. E, depois, "explorando o sucesso", como gostam de dizer os militares, pensou que podia "ir por ali adiante" na sua cruzada democratizadora e homogenizadora. Só que o mundo real não funciona assim. Por muito que se alguns aceitem que os "bons" estão do lado de cá e os "maus" do lado de lá (nos meus tempos da OSCE, os russos diziam "a Leste de Viena"), a história da paz global ensina-nos que temos que viver lado-a-lado com os "maus". E estes, os "maus", também têm medos, inseguranças e perceções geopolíticas que - goste-se ou não! - têm de ser tidos em conta no quadro global, por muito pouco respeitáveis que possam ser considerados. A história mostrou já, à saciedade, que a Ucrânia é uma fronteira por onde passa hoje a divisão entre dois mundos que, uma vez mais, entraram num ciclo histórico de distanciação. Toda a fronteira têm dois lados e, por isso, a Ucrânia vai sempre ter dois lados.
Cada um a seu modo, os Açores e a Ucrânia são a prova provada, se acaso ela fosse necessária, de que a geografia tem muita força. Não se pode lutar contra ela, ou melhor, poder pode, só que depois saem caras as consequências dessa luta inútil. E irresponsável.

























