Hollande vai bastante mais longe e faz uma "radiografia" dos tempos menos fáceis que vive o socialismo francês - aproveitando para dar a sua leitura sobre o que hoje pode significar o conceito de socialismo.
sexta-feira, novembro 13, 2009
Hollande
Hollande vai bastante mais longe e faz uma "radiografia" dos tempos menos fáceis que vive o socialismo francês - aproveitando para dar a sua leitura sobre o que hoje pode significar o conceito de socialismo.
Língua portuguesa
O cineasta Fernando Lopes, na "Visão" desta semana, entende que a amizade entre as mulheres, ao trocarem histórias pessoais entre si, é um tanto "açordeira".
Devo confessar que adoro este tipo de expressões. Elas são a prova de que a língua portuguesa está bem viva e criativa.
quinta-feira, novembro 12, 2009
Coabitação (2)
Para quem possa não estar familiarizado com o conceito, importa dizer que o termo "coabitação" se aplica, no actual regime francês, à coexistência de um presidente da República e de um primeiro-ministro oriundos de famílias políticas opostas. Alguns verão similitudes com o que se passa noutros cenários geográficos, mas a realidade francesa é muito típica: o presidente da República tem uma vasta gama de poderes, nomeadamente na ordem externa, e preside aos Conselhos de ministros. Em rigor, a filosofia funcional do actual regime francês vai no sentido de fazer coincidir as orientações programáticas de ambas as personagens, sendo originalmente a "coabitação" um fenómeno quase fora da normalidade institucional. Porém, o facto de se terem produzido já alguns casos dessa natureza como que criou já em França uma "jurisprudência" de comportamento político, nesse cenário de regulação de vontades eventualmente conflituais.
Hoje, queria deixar uma nota sobre outra "coabitação" que Mitterrand manteve durante os seus dois mandatos, desta vez com Edouard Balladur. O antigo primeiro-ministro publicou há pouco tempo o livro "Le pouvoir ne se partage pas/Conversations com François Mitterrand", que nos ajuda a fazer a leitura dessa figura complexa que foi o antigo presidente socialista.
Com este livro, Balladur quer deixar um testemunho desses pouco mais de dois anos, reconhecendo que pode ser objecto da "suspeita de ser inspirado por motivos egoístas, com risco de ver a sua boa-fé posta em causa, com a crítica de travestir a realidade" em benefício da sua reputação. Lido o livro, e sem descartar a possibilidade dessa leitura ser fixada em alguns leitores, ficou-me mais a sensação da necessidade do antigo primeiro-ministro "utilizar" (e não digo isto no sentido pejorativo) Mitterrand para se definir a si próprio politicamente, assegurando melhor, por esse meio, o seu lugar na história política da direita francesa.
Mas notemos um passo do que Balladur refere sobre a sua relação com Mitterrand: "À bien des égards, je me sentais plus proche de lui que de beaucoup d'autres par les goûts intellectuels, la formation reçue, les affinités nées d'un regard semblable porté sur les hommes et sur l'histoire. Mais il allait si loin dans la recherche de la connivence qu'il m'était difficile de ne pas voir mis à nu les ressorts de la comédie qu'il me jouait. Et, cependant, il existait entre nous, sinon une forme de sympathie, du moins l'impression de se trouver l'un avec l'autre en terrain familier."
FCO Bloggers
Anunciados ou alojados nessa plataforma estão ainda mais de um dezena de blogues de pessoal diplomático britânico, alguns deles de natureza colectiva.
Fica o registo. E o link para quem quiser consultar.
quarta-feira, novembro 11, 2009
Arafat
Estávamos em Gaza, em 5 de Novembro de 1995, após um jantar oficial, regressados à "guest house" da Autoridade Palestiniana, numa inédita visita do Presidente da República portuguesa iniciada nessa tarde, que eu acompanhava em substituição de Jaime Gama. A simpatia por Portugal e o imenso respeito de Arafat por Mário Soares ficaram patentes em vários gestos, desde a nossa chegada. O líder palestiniano fazia questão de recordar a atitude corajosa e solidária de Soares quando, anos antes, este fora visitá-lo a Beirute, sob fogo, durante o cerco sofrido pelas forças da Al Fatah.
A comitiva portuguesa saíra de Jerusalém, nessa manhã, após uma visita oficial de três dias a Israel. A presença do presidente português ficara marcada pela contínua expressão da amizade e admiração de Itzhak Rabin e de Shimon Peres, que viam em Mário Soares, simultaneamente, um sólido amigo de Israel e um militante pela reconciliação no Médio Oriente, defensor dos direitos do povo palestiniano. Viviam-se os tempos de esperança posteriores aos Acordos de Oslo e Washington e, a avaliar pelas medidas de segurança excepcionais que rodeavam Rabin, que haviam obrigado a súbitas mudanças do programa, pressentiam-se os riscos que o primeiro-ministro israelita estaria a correr para forçar, de uma vez por todas, as portas da paz possível. Mas estávamos muito longe de pressentir a tragédia. Arafat despediu-se de nós, nessa noite, com uma sombra triste no olhar que não perderia na manhã seguinte, quando abreviámos a visita, para nos deslocarmos ao funeral de Rabin. Acto a que ele, contudo, não pôde assistir, como desejaria. Recordo as palavras trocadas por Soares com Arafat, no momento da nossa saída de Gaza. Do pesar que ambos sentiam pela desaparição de Rabin ressaltava a consciência mútua de que nada voltaria a ser igual no destino daquilo a que então se chamava o Processo de Paz do Médio Oriente.
Voltei a encontrar Arafat algumas outras vezes - em Barcelona, em Malta, em Bruxelas e em Nova Iorque. Sem excepção, perguntava-me sempre pelo seu "amigo Mário Soares" e teimava em relembrar, na sua voz cada vez mais trémula, aquela noite em Gaza, que lhe deve ter ficado na memória dos seus sonhos perdidos de uma Palestina livre.
Yasser Arafat cometeu, nos anos que se seguiram, uma imensidão de erros políticos, imerso numa conjuntura em que se deixou enredar, em que o radicalismo tomou conta dos acontecimentos, de um lado e do outro de uma barricada de ódio, hoje ironicamente simbolizada num muro real de incompreensão. O conflito israelo-palestiniano converteu-se, entretanto, numa imolação de inocentes, numa bola de neve de violência e de terror, com que já convivemos sem espanto, à vista do cinismo estratégico dos feiticeiros da realpolitik, da cobardia complacente de alguns e da fraternidade hipócrita de outros. O mundo tarda em perceber que, graças à aliança objectiva de messianismos contraditórios, alimentados pelo desespero e pelo fanatismo, se ateou a partir das margens do Jordão, à vista de todos, um incêndio imenso, que não pára de estender-se e que está, cada vez mais, longe de ser debelado, ardendo como o petróleo que lhe alimenta as raízes.
Em 5 de Novembro de 1995, morreu Itzhak Rabin. O ocaso de Yasser Arafat terá começado na mesma data, precisamente nove anos depois. Esta coincidência sela o destino trágico dos dois homens que mais perto estiveram de obter a paz para os seus povos."
Apetece-me perguntar: mudou, entretanto, alguma coisa?
Europa
Essa coragem foi hoje, em Paris, assumida por Angela Merkel e por Nicolas Sarkozy, como corajoso havia já sido o primeiro entendimento entre De Gaulle e Adenauer, bem como, mais tarde, a imagem das mãos dadas entre Helmut Kohl e François Mitterrand. Sob o mesmo Arc du Triomphe, junto ao qual Adolf Hitler fez passar as suas tropas e fez a arrogante visita a Paris, a chanceler alemã mostrou que a qualidade dos políticos também se afirma na forma como conseguem, com grande dignidade, enterrar a História no passado a que ele pertence. E o gesto do presidente francês, ao convidá-la a partilhar o dia em que, até agora, a França comemorava a derrota alemã, esteve bem à altura dessa atitude.
Tenho a sensação que nós, portugueses, não obstante termos as nossas vítimas no termo do primeiro grande conflito mundial, nunca entendemos bem o sentimento profundo do que foi a imensa tragédia vivida nesta parte da Europa, durante todo o século passado. O peso da ditadura e a nossa concentração no patético estertor da aventura imperial, colocaram Portugal num mundo à margem dessa penosa realidade, a que foi possível escaparmos. Com efeito, não vivemos directamente uma tragédia que explica muito do que viria a passar-se mais tarde e que dá maior valor a este tipo de exorcismos, feito em torno de comemorações onde se sublinha, quase obsessivamente, a ideia da paz. Talvez ainda por essa mesma razão, em Portugal, não se olha para a Europa e para o seu projecto de unidade política da mesma maneira que outros o fazem e não valorizamos devidamente o fantástico empreendimento que a construção europeia representa e em que agora temos o ensejo de participar em pleno.
Maneta
Fui ver a essa magnífica ferramenta informática que é o Ciberdúvidas e confirmei que, na origem da expressão, está a figura do General francês Loison, companheiro de Junot, durante a primeira invasão francesa. Loison, segundo revela Orlando Neves, no seu "Dicionário de Expressões Correntes", havia perdido um braço numa batalha e, em Portugal, "revelou-se um homem de extrema ferocidade e malvadez, que exercia torturas violentas nos presos e foi responsável por várias mortes".
Na memória popular ficou o verso:
"O Jinot (sic) mai-lo Maneta
julgam Portugal já seu:
É do demo que os carregue
e também a quem lho deu."
Outros tempos, em que imagem da França, apesar de dividir sectores da opinião portuguesa, não era a que é hoje. Felizmente.
terça-feira, novembro 10, 2009
Pousadas & Verdades
Acabo de receber um amável esclarecimento do presidente das Pousadas de Portugal que me dá conta da falta de fundamentação de tal notícia, na base da qual elaborei o meu anterior post. Segundo tal esclarecimento, a Pousada de Alijó terá um encerramento apenas temporário, para a execução de obras determinadas por lei, não estando em causa a continuidade desta unidade hoteleira.
A empresa considera que houve uma deliberada deturpação das suas intenções e que foi lançada uma inverdade que afecta a sua boa imagem. Só posso lamentar ter aqui feito um involuntário eco de uma falsidade que, como referi, apareceu a público com foros de verdade.
As Pousadas de Portugal são uma referência identitária do nosso país e foi a preocupação causada pelo anterior encerramento e a alienação de outras unidades, que analisei no post em referência, que terá contribuído para dar credibilidade a este boato. Pelo menos, foi isso que ocorreu no meu caso.
Só me resta reiterar as minhas desculpas às Pousadas de Portugal pela imprecisão da referência factual que fiz. Bem gostaria de ver a sua rede preservada na sua integridade e, se economicamente possível, mesmo aumentada - como aconteceu com a criação de uma nova unidade em Viseu, em que, com gosto, me alojei em Julho passado.
Jorge Sá Borges (1933-2009)
Jorge Sá Borges, nome que nos dias de hoje já não é muito conhecido dos portugueses, foi um militante católico que se destacou na crise académica de 1962. Advogado de profissão, fundou o PPD, de que viria a afastar-se. Foi ministro e secretário de Estado nos tempos dos Governos provisórios.
Pessoalmente, conheci-o mal, apenas como amigo de amigos comuns, e, nesse contexto, tive ocasião de conversar com ele algumas vezes, em especial em noites do Procópio, por onde, em tempos, passeou a sua elegância e um humor muito fino.
A rainha
Pouco mais de uma hora antes do momento em que teria de estar de volta ao meu "posto", rumei a casa, ao volante do meu carro, para vestir a casaca e ir buscar a minha mulher. Ia muito tenso, ainda com preocupações na cabeça, a pensar se algumas coisas me tinham escapado. Num cruzamento, pouco antes de chegar a casa, por distracção e precipitação, esbarrei de lado contra uma viatura: nada de ferimentos, mas latas amolgadas e alguns faróis partidos. E a culpa era toda minha!
Era uma senhora inglesa que guiava o automóvel atingido pela minha imprudência. Juntaram-se logo transeuntes a confirmar o óbvio da minha culpabilidade. Para alguma surpresa dos circunstantes, também eu dava toda a razão à condutora abalroada. A vítima da minha imperícia queria, naturalmente, chamar a polícia, porque deve ter pensado que isto de diplomatas, sempre protegidos pelas imunidades, é uma raça que costuma ser tentada a fugir às responsabilidades criminais.
segunda-feira, novembro 09, 2009
Álvaro Morna
Era uma figura amável e delicada, com um registo de entusiasmo profissional que seduzia, um trato humano onde se adivinhava uma personalidade de bem consigo mesmo, que gostava de fazer aquilo a que se dedicava. Rigoroso e conhecedor dos temas, fazia parte daquela magnífica espécie de profissionais com quem se pode falar sem qualquer receio de vir a ser mal citado, sem rasteiras ao canto de uma pergunta.
Exilado desde novo em França, Álvaro Morna trabalhou na Radio France Internationale, tendo sido aqui correspondente da Lusa, do Diário de Notícias e da Rádio Renascença. Andou muito pelo mundo e escreveu dois livros. Morreu em 2005. Deixou família e muitos amigos que, volta e meia, me falam dele com saudade.
Muros
Há mais de três décadas, atravessei pela primeira vez o “checkpoint Charlie”, em Berlim, entre as duas Alemanhas. Fi-lo como interessado turista, naquela curiosidade de observador distante de uma Guerra Fria que apenas conhecia no preto-e-branco dos filmes e dos livros de espionagem. Tal como me iria acontecer em outros contactos com o “socialismo real”, a experiência deixou-me um sabor amargo e triste, como se consagrasse a despedida definitiva de uma ilusão residual – a mim, que nunca tinha cultivado nenhum fascínio pelo modelo que, para alguns, foi o “sol da terra”. Porém, pertencente a uma geração política de quantos, cada um à sua maneira, acreditaram na possibilidade dos “amanhãs” poderem vir a cantar, via-me forçado, pela força da realidade, a concluir que, no passado, o futuro era bem melhor…
Porque à época da queda do muro ainda alimentava algumas dúvidas sobre o que a Alemanha iria fazer com a sua nova unidade, não fiz parte daqueles que saudaram, com grande euforia, a festa de Berlim, embora percebesse bem a alegria dos que a partilhavam. Sei que hoje não é popular escrever isto, mas assumo-o sem o menor pejo, porque é pura verdade. Como é igualmente verdade que não verti nenhuma lágrima de nostalgia pelo fim daqueles regimes feitos de tristeza e de tom cinza que a tutela moscovita conservara como cómoda almofada entre si o Ocidente.
O fim da Guerra Fria, para quem, como eu, assume não ser, por natureza, um desbravador obsessivo das incógnitas do futuro, não me sossegava muito, principalmente porque sentia algum incómodo ao pensar que uns Estados Unidos “à solta” poderiam ser tentados a algumas aventuras, basicamente concentradas no egoísmo dos seus interesses, para as quais, de uma forma ou de outra, acabaríamos por ser arrastados.
Enganei-me numas coisas, acertei noutras.
Enganei-me no que pensava sobre os riscos que a Alemanha podia fazer correr à Europa. A unidade alemã foi extremamente positiva para o desenvolvimento do processo de reconciliação política do continente e (agora) Berlim constitui um dos factores em que assento a residual esperança de que o projecto integrador possa suplantar as tensões que hoje tendem a desagregá-lo.
Noutras coisas acertei. Deixada sem contrapoder, uma certa América fez-nos correr uma aventura cujo saldo está ainda hoje por apurar e que adubou, de forma trágica, alguns conflitos para que foi arrastada. A circunstância de uma “outra” América ter, entretanto, reaparecido, no mercado das forças políticas com expressão à escala global, pode ajudar-nos a tentar atenuar essas derivas, mas as hipóteses de retoma do curso normal das coisas estão, em definitivo, já afastadas.
O mundo que hoje vivemos, goste-se ou não, é ainda um mero produto da Guerra Fria. O modelo das nossas instituições multilaterais mais não é do que uma projecção dos equilíbrios saídos do final da Segunda Guerra Mundial. A prova provada é que ainda andamos às voltas para tentar dar à NATO uma finalidade diferente daquela para que havia sido criada. Verdade seja que, do lado de Moscovo, sente-se uma filosofia de acção externa muito tributária de uma mentalidade tradicional de cerco, que rigidifica posições e provoca contra-reacções do mesmo sinal. Para nos recordar que esses tempos não estão mortos, regressou recentemente a temática do Tratado CFE (sobre forças convencionais na Europa) e mantêm-se os “frozen conflicts” de antanho (Transnístria, Nagorno-Karabasch), alguns com afloramentos muito pouco saudáveis (Ossétia do Sul, Abcásia).
A Europa que aí temos, a União Europeia alargada, mais não é do que uma filha directa da Guerra Fria, embora agora liberta das antigas peias dos pais geradores. Algumas atitudes que detectamos em certas capitais europeias face a Moscovo trazem consigo os germes dos traumatismos passados e tornam-nos a todos reféns involuntários dessa História regional.
Ora o mundo mudou, o 11 de Setembro deu um forte sinal que parece não ter sido entendido, mesmo por quem o sofreu dramaticamente na pele. As lições do Iraque, os riscos novos no Irão, os impasses no Afeganistão, bem como o barril de pólvora no Paquistão parece não serem suficientes para nos fazer acordar para a necessidade de mudança de paradigma do nosso quadro das relações internacionais.
Nesta cegueira estratégica, a atitude de uma certa Europa perante a questão turca prova que vivemos ainda no mundo do passado e que alguns teimam em não perceber que, pedra a pedra, estamos a colocar as fundações para um novo muro.
(Texto publicado hoje num suplemento especial do Diário Económico sobre a queda do Muro de Berlim)
domingo, novembro 08, 2009
Condução
Na França, haverá também haver uns casos parecidos, mas a nossa vocação para entrar neste triste e ridículo domínio do Guiness parece imbatível.
sábado, novembro 07, 2009
Diplomacia e filatelia
Fui a Soukhoumi em 2004, integrado numa missão da OSCE, composta por vários observadores internacionais. Recordo, ainda com algum frio na espinha, uma viagem num bem usado helicóptero ucraniano, ao serviço da ONU, ao longo da respectiva costa. Ao perguntar porque razão voávamos tão distantes de terra, um dos pilotos, com toda a naturalidade, disse-me que era para tentar evitar os mísseis. É que tinha havido, tempos antes, uns problemas... Fiquei imensamente sossegado!
As nossas conversas na capital da Abcásia, com as autoridades separatistas locais, não conduziram a muita coisa, salvo, talvez, a precisar melhor o campo das divergências e o rigor dos argumentos independentistas. Saídos das sessões de trabalho, tornadas mais pesadas pela obrigatoriedade de interpretação, fizémos uma caminhada ao longo de um passeio que me recordou a Foz, no Porto, sempre acompanhados por segurança. No final desse percurso, chegámos a um restaurante, onde nos ia ser oferecido um almoço.
Foi então que alguém constatou que dois diplomatas, um belga e um outro cuja nacionalidade não retive, haviam saído do grupo e tinham desaparecido, sem rasto nem aviso. A preocupação espalhou-se pela delegação, em especial a partir do momento em que a vimos transposta para a cara dos responsáveis abcases, que entre si trocavam conversas tensas, enviando já polícias pela cidade.
Passaram longos minutos e, por esse imprevisto, a refeição formal acabou por não decorrer com a serenidade desejada. Até que, cerca de meia-hora mais tarde, lá vemos entrar na sala, para grande alívio, os nossos dois desaparecidos colegas. Pela mesa passou a palavra de que , por qualquerrazão, haviam decidido fazer um outro passeio. Sentaram-se discretos, sob o olhar reprovador da generalidade dos convivas.
Só no final do repasto nos elucidaram da razão do atraso: tinham feito uma "escapada" aos correios locais, para adquirir colecções de selos da Abcásia, aparentemente muito difíceis de obter à distância. Vinham impantes, com a antecipada certeza de terem conseguido raridades que iriam abrilhantar as respectivas colecções.
A diplomacia também ajuda a filatelia. Será que os nossos colegas se haviam incorporado na missão, fisicamente algo arriscada, apenas para comprar selos abcases? Nunca saberemos.
Fado
Tenho ouvido mais fado de qualidade em França, desde que aqui cheguei, do que em toda a última década da minha vida, por esse mundo fora. A França é um destino regular dos melhores fadistas portugueses.
A iniciativa do comendador Armando Lopes, a alma por detrás da Rádio Alfa, conseguiu, uma vez mais, trazer ao vivo e pela antena três vozes de qualidade: Filipa Cardoso (na imagem, que não conhecia e que me pareceu de uma escola fadista próxima de Maria da Fé), António Pinto Basto e Mafalda Arnauth.
Inveja
Em muitas dessas conversas, o mote é clássico: "nós, os portugueses, não nos sabemos unir", "não aparece gente capaz para ocupar lugares de relevo" e, na lógica de quem quer "passar uma bola" que o incomoda, "é importante que alguém faça alguma coisa para mudar isto".
Há uma triste ironia quando se comparam estas conversas com algumas outras em que se discute pessoas de nacionalidade ou origem portuguesa que, numa ou noutra actividade, conseguiram uma certa relevância e projecção ou estão em percursos de ascensão. Aí, o tom já é outro: "não passa de um ambicioso", "está a aproveitar-se de ser português para obter lugares de 'poleiro' ", "o que ele quer é subir na vida à nossa custa" ou "comigo não conta ele para se promover".
Talvez não seja por acaso que a última palavra de "Os Lusíadas", essa obra que é um pouco o nosso espelho histórico, seja "inveja".
sexta-feira, novembro 06, 2009
Ubiquidade
Há dias, a simpática obrigação de ir fazer uma palestra a Poitiers, a convite de Sciences Po, fez com que não pudesse estar, como desejaria, num colóquio que teve lugar, à mesma hora, na Fundação Gulbenkian, aqui em Paris, sobre a obra de Maria Judite de Carvalho. E que, por esse motivo, e ao que me dizem, tivesse faltado a uma visita ao salão internacional de construção - o Batimat - onde figuram muitas e importantes empresas portuguesas.
Uns dias antes, uma deslocação de trabalho à periferia de Paris, há muito fixada, impediu-me de estar presente num outro importante colóquio, desta vez sobre a figura de Joel Serrão, um evento a que muito gostaria de ter assistido. Nessa mesma data, o Champagne de Sousa, uma marca magnífica que ostenta as nossas origens, tinha um lançamento a que, do mesmo modo, me vi obrigado a faltar.
Esta conflitualidade de horários e locais, às vezes agravada pelo trânsito infernal das horas de ponta em Paris, passa-se quase todos os dias, para compreensível desespero dos simpáticos convidantes que tenho de "deixar cair" e que, imagino, algumas vezes devem julgar que o embaixador de Portugal se "está nas tintas" para as suas iniciativas. Não estou, embora pouco possa fazer para evitar tais embaraçantes situações, para as quais apenas posso contar com a compreensão de quem solicita a minha presença e acaba por não tê-la.
Dito isto, acreditem ou não, a diplomacia pode ser considerada uma das poucas profissões onde a ubiquidade ainda pode existir. Como na história que vou contar.
Foi no século passado (expressão magnífica, que agora nos permite qualificar tudo o que tenha mais de 10 anos...), ainda na década de 70. Numa tarde de sábado, passeava eu pelo Chiado, em Lisboa, numa segunda quinzena de Dezembro, dou de frente com um colega mais velho, colocado num posto distante, num outro continente, de cuja área geográfica eu me ocupava. Trocados cumprimentos e outras banalidades, explicou-me que tinha vindo para o Natal e que só regressaria ao posto em meados de Janeiro. Despedimo-nos, com as óbvias boas-festas à mistura e lá fomos para o fim-de-semana.
Na segunda-feira seguinte, ao final da tarde, pousa sobre a minha secretária, no Ministério, um telegrama (nome que damos à forma de comunicação entre as missões diplomáticas e consulares e Lisboa) assinado pelo referido diplomata. O texto era datado desse mesmo dia. Estranhei, mas, sendo ao tempo mais ingénuo do que sou hoje, pensei tratar-se de um erro do serviço de expedição.
No dia seguinte, terça-feira, surge um novo telegrama, sobre outro assunto, igualmente assinado por aquele colega, oriundo da cidade onde estava colocado. A data era desse mesmo dia.
Na quarta-feira, o tráfico "telegráfico" parou. Pronto, pensei eu, o nosso homem decidiu suspender o envio a Lisboa de telegramas "fantasma".
Mas logo na quinta-feira, ei-lo que volta à carga, agora com um elucidativo texto: "Parto amanhã de férias para Lisboa, depois de encerrado o expediente, deixando F... como encarregado dos arquivos". Texto magnífico: "ganhava" esse dia como se estivesse em posto e, com o habilidoso "depois de encerrado o expediente", obtinha também a totalidade da sexta-feira. Na prática, ia iniciar férias no... sábado! O nosso homem, tinha assim conseguido "sobreviver" formalmente no posto durante uma semana mais, exactamente o mesmo tempo em que já se passeava, com toda a calma, por Lisboa.
As coisas hoje já não são assim, lá pelas Necessidades. A transparência da vida diplomática não permite estes truques. Mas temos de ser justos: são eles que nos permitem afirmar que a ubiquidade pode ser considerada uma característica diplomática.
Os portugueses e a política francesa
Para além do cuidado diplomático que um representante estrangeiro deve ter sempre neste tipo de comentários, dei-me conta de que, mesmo que quisesse, seria impossível para mim ter uma opinião clara, pelo facto da nossa comunidade ter por aqui um papel de uma discrição quase extrema em matéria da vida política local.
Muito embora haja já um número interessante de eleitos de origem portuguesa nas instituições democráticas francesas, essa presença está ainda bem longe daquela que seria desejável para uma defesa plena dos seus interesses e da comunidade em que estão inseridos. E é pena que assim aconteça: bem melhor seria que os portugueses com direito a voto fossem activos protagonistas da sociedade política francesa. Nesse caso, não apenas os partidos políticos franceses procurariam, com maior frequência, recrutar figuras da nossa comunidade para lugares electivos, a fim de "arrastar" consigo o voto português, mas, igualmente, os próprios eleitos franceses se mobilizariam em favor das agendas de interesses da nossa comunidade (em especial em matéria de ensino e promoção de apoio local às suas instituições associativas).
O facto dos portugueses serem uma "comunidade silenciosa" é, com certeza, lido como uma nota positiva num magma social e étnico onde certos afloramentos e tensões, de outras origens, marcam pela negativa o quotidiano do país. Mas tem, como reverso da medalha, o preço de alguma irrelevância no plano das vantagens que decorrem da afirmação cívica.
quinta-feira, novembro 05, 2009
Filatelia e diplomacia
Europas
Ontem, ao final da tarde, numa organização de Sciences Po, fiz em Poitiers, para umas largas dezenas de jovens, uma apresentação sobre a Europa e o modo como vemos o nosso próprio papel no projecto. O animado debate que se seguiu quase me fazia perder o TGV (bendito TGV!) para Paris. Foi muito curioso responder a várias e interessantes questões, algumas delas de tom quase inesperado, por parte de estudantes de várias origens. Aprende-se imenso ao ouvir as preocupações daqueles a quem pertence o futuro.
Hoje de manhã, já aqui em Paris, fui o "guest speaker" (até porque a apresentação foi feita em inglês) na reunião da "Bankers Association for Finance and Trade", que reune quadros superiores das grandes instituições bancárias europeias. O Tratado de Lisboa, as derivas intergovernamentais dentro da União Europeia, a preservação do Mercado Interno e outras interrogações sobre o futuro do projecto europeu animaram uma bela hora de debate. Outro auditório, outras preocupações.
Logo à noite, falarei em Neuilly sobre a experiência de Portugal na Europa. Serão outros ouvintes, muitos dos quais pertencentes às novas gerações francesas que têm origem comum portuguesa, filhos e netos de quantos, na realidade, entraram nas Comunidades Europeias antes que Portugal delas fizesse formalmente parte.
quarta-feira, novembro 04, 2009
Mala diplomática
Era sábado e o encarregado de negócios de Portugal, que chefiava a missão diplomática na ausência do embaixador, havia sido chamado de urgência pelo ministro dos Negócios Estrangeiros local.
A conversa começou tensa. O ministro colocou sobre a mesa uma carta, da qual saíam três notas de 100 dólares: "Esta carta ia ser enviada pelo vosso cônsul na cidade de X para a família, em Portugal. Contém dinheiro em "cash", o que vai contra todas as regras. Além do mais, pressupõe ser produto da obtenção de divisas estrangeiras por meios ilegais, porque, como é sabido, há neste país um controlo muito forte da circulação de moeda estrangeira e não temos registo do cônsul ter adquirido os dólares no banco central. Exigimos uma explicação urgente por parte da Embaixada."
O nosso diplomata foi apanhado de surpresa. De facto, era uma situação estranha mas, pensou, era importante falar primeiro com o cônsul e obter a sua versão do assunto. A posse de moeda estrangeira era muito vulgar no país, até porque os diplomatas eram pagos em dólares e havia serviços e aquisições locais que exigiam essas divisas. Já o seu envio por carta parecia muito imprudente. Mais para ganhar tempo do que por qualquer outra razão, inquiriu: "E esta carta ia pelo correio?".
Nesse instante, notou que o ministro hesitou um pouco, antes de esclarecer: "Não, ia na mala diplomática para Lisboa".
O nosso encarregado de negócios teve então um lampejo, recuperou o comando da conversa e retorquiu firmemente ao ministro: "A Embaixada está totalmente disponível para prestar todos os esclarecimentos sobre este assunto mas, antes que isso aconteça, as autoridades do seu país vão ter de explicar a razão pela qual violaram a nossa mala diplomática, contra todas as regras internacionais. E, ainda hoje, vou fazer chegar uma nota de protesto por este acto que, de forma ostensiva, infringe as regras da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas".
O ministro não estava à espera da resposta e foi apanhado de surpresa. Voltou à carga com a ideia da necessidade de obter uma posição sobre a questão dos dólares na carta, mas o encarregado de negócios foi definitivo: "Antes de obtermos, da vossa parte, uma explicação sobre a razão pela qual a nossa mala diplomática foi violada, não diremos rigorosamente nada sobre o seu conteúdo. Aliás, peço, formalmente e desde já, a devolução do resto da correspondência que seguia na mala diplomática, a maioria, aliás, de natureza oficial. Não sei se se dá conta que isto é de uma extrema gravidade, senhor ministro! Os senhores violaram a mala diplomática portuguesa! Isto pode vir a ser um escândalo!".
O interlocutor começou a ter consciência de que a sua posição abandonava um terreno confortável e mostrava-se já um tanto embaraçado. O nosso diplomata saiu da reunião entre o satisfeito e o preocupado, mas sem plena certeza sobre o que se seguiria.
No dia seguinte, o conteúdo da mala diplomática chegou, discretamente, à nossa Embaixada. A carta do cônsul vinha junta... sem os 300 dólares. O encarregado de negócios não chegara a mandar a nota de protesto, até porque, para o fazer, necessitava de uma autorização de Lisboa, que nem sequer obtivera. O "bluff" compensou, ou melhor, custou 300 dólares ao pobre cônsul. E o assunto morreu...
Cenas da vida diplomática, como diria o Lawrence Durrell.
terça-feira, novembro 03, 2009
Coabitação (1)
Por essa razão, e porque tem alguma graça ver como os políticos, com distância, se avaliam, não resisto a transcrever este breve extracto do primeiro volume das memórias de Chicac, sob o título «Chaque pas doit être un but», que hoje foi publicado:
«Je n’ignore pas la complexité du personnage, ni les zones d’ombre qui jalonnent son parcours, mais l’homme que je découvre au fil de nos entretiens m’apparaît d’une finesse de jugement et d’une intelligence tactique que j’ai rarement rencontrées dans le monde politique. Son amour de la France est indiscutable, et il n’admet pas que celle-ci soit abaissée, même s’il tend, selon moi, à l’enfermer dans des perspectives archaïques et eût sans doute rêvé de la laisser vieillir comme un paysage qu’il aimait. Nos valeurs communes sont celles de deux provinciaux attachés aux traditions terriennes, comme aux idéaux de la République. Et si, pour le reste, nos convictions semblent à l’opposé l’une de l’autre, probablement l’un est-il moins à gauche qu’il ne le fait croire et l’autre moins à droite qu’il ne le laisse paraître. Plus que ses idées, c’est la façon de les mettre en scène que la cohabitation m’a permis d’admirer chez François Mitterrand. "Salut l’artiste!" m’est-il arrivé de penser en assistant à quelques-unes de ses prestations.".
Trópicos mais tristes
No que me toca, passei a ver muitas coisas de forma diferente depois de ler o seu "Tristes Trópicos" e a minha compreensão do Brasil ficaria muito incompleta sem ter antes feito essa leitura.
Cem países
Mas lá que ter 100 países visitantes é um belo número, lá isso é...
Afeganistão
As forças internacionais que, com toda a legitimidade, intervieram no Afeganistão, para tentar repor uma ordem que ameaçava a sua própria segurança, terão sofrido a conjugação de duas debilidades difíceis de superar e encontram-se agora numa situação que, por maior que seja a euforia alardeada pelos seus dirigentes, traduz a extrema dificuldade em que se encontram.
A primeira debilidade teve a ver com o facto da liderança da operação no Afeganistão ter cabido aos Estados Unidos, sob uma administração em Washington que foi incapaz de transformar a indiscutível razão que lhe advinha do 11 de Setembro numa autoridade com valor moral, com real capacidade congregadora de um mundo que, com razão, temia e teme a política desestabilizadora dos talibãs, a começar pelos seus próprios vizinhos do Golfo. Assuma-se ou não isto abertamente, a legitimidade da coligação internacional ficou desde logo fragilizada por este "pecado original", que lhe era alheio.
A segunda debilidade decorre directamente da primeira. Ao terem conseguido o prodígio de conseguir desequilibrar toda a região, pela continuidade da política "neutralidade colaborante" assumida ao lado de Tel-Aviv no conflito israelo-palestiniano, pela imponderada invasão ilegal do Iraque (para a qual arrastaram outros complacentes parceiros) e por uma política errática de alianças regionais, sem uma estratégia devidamente consensualizada, os americanos acabaram por abrir uma imensa "caixa de Pandora". Foi assim no Paquistão, como o foi no modo irresponsável como provocaram o vazio de poder em Bagdad, onde não cuidaram em gizar fórmulas mínimas de transição. Neste cenário subitamente desequilibrado, o Irão passou a ter, pela primeira vez desde há muito, uma formidável capacidade para se afirmar autonomamente na região, situação agravada agora pelo novo "leverage" que lhe é dado pelo seu potencial nuclear.
Agora, tudo isto está a sobrar para o "Ocidente", para uma NATO obrigada a viver, já quase com naturalidade, o seu posicionamento "out of area", isto é, para todos nós, cada um de acordo com as suas possibilidades. Qual é a solução? Verdadeiramente, ninguém sabe. "Deitar" mais tropas sobre a guerra, num terreno como o Afeganistão, lembra inapelavelmente o tempo em que os soviéticos por lá andaram e, do mesmo modo, o período do Vietnam. Só que, neste último caso, não havia petróleo na região, nem ameaça nuclear, nem vizinhanças imponderáveis para gerir. Restará, um dia, negociar. Com quem? Com os talibãs? Esperemos apenas que Karzai não venha a ser condenado a, mais cedo ou mais tarde, vir a fazer o papel de clone de Nguyen Van Thieu.
segunda-feira, novembro 02, 2009
Not so Big Mac
Recordei isto ao ler, ontem, que a McDonald's fechou em Reykjavik, na Islândia, pelo facto da desvalorização da moeda local ter tornado caros e não competitivos os produtos que vendia.
Longe vai o tempo em que, para um país, ter uma loja de McDonald's era uma espécie de cartão de identidade de moderna sociedade de consumo. Por todo o mundo, deu-se cabo de edifícios lindíssimos para alojar essas fábricas de colesterol. Alguma patetice liberal, cuja autoria me escapa mas que deve estar próxima dos "neocons", chegou mesmo ao ponto de afirmar que, no plano dos conflitos armados, era muito improvável que países onde existissem McDonald's gerassem guerras entre si.
Tudo mudou. O capitalismo, de facto, já não é o que era. Até o McDonald's já fecha por força do mercado. Confesso que não verto uma lágrima.
Saramago
Para afirmar três coisas.
A primeira, para deixar claro que não li o livro e que, pela temática que aborda, não me parece que ele venha a ingressar nas minhas prioridades de leitura, nos tempos (anos) mais próximos.
A segunda, para dizer que acho que José Saramago escreve muito bem, que já li coisas dele que me deram um grande prazer e que, como português, tenho um grande orgulho que a ele tenha sido atribuído o prémio Nobel da literatura. Como o poderiam ter tido Torga, Jorge de Sena, Sophia, Lobo Antunes ou Lídia Jorge.
A terceira, para expressar, alto e bom som, que continuo a achar de uma inqualificável infelicidade, num mundo como o de hoje, atitudes e comentários obscurantistas de certas pessoas, como Sousa Lara no passado ou Mário David há dias, diabolizando o escritor, num triste sectarismo político e numa manifestação de reaccionarismo religioso primário. Acontece que ambos são meus amigos pessoais, mas tais tomadas de posição, embora as possa compreender, não consigo respeitá-las - e não desconheço que seria bem mais consensual construir o final desta frase ao contrário. Mas é isto que eu penso.
Pousadas de Portugal
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Já há uns anos, o Grupo Pestana obteve a concessão da Enatur, que dirige as Pousadas de Portugal, empresa onde o Estado português mantém, contudo, uma importante participação.
A rede Pousadas de Portugal é uma estrutura histórica. Criada em 1940, numa iniciativa de António Ferro, tinha subjacente uma lógica de promoção turística voltada para o mercado estrangeiro, com preços baixos (não admitia estadas de mais do que três noites consecutivas) e uma qualidade de serviço muito interessante, apoiada na exploração de valores gastronómicos nacionais. Era constituída por edifícios construídos de raiz, por outros adaptados e, com maior incidência nas últimas décadas, por edifícios históricos, os quais foram recuperados da ruína e do esquecimento, com fundos do orçamento público.
Sei bem do que falo porque, há muito que frequento com regularidade as Pousadas de Portugal, sendo que, pelas minhas contas, dormi até hoje em, precisamente, 41 dessas unidades, algumas delas entretanto já desaparecidas. Por isso, julgo ter algum "direito de utente" para me pronunciar sobre o que vi e sobre o que actualmente vejo.
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E hoje vejo, com grande desagrado, o grupo Pestana numa clara deriva no sentido de "ver-se livre" de algumas unidades cujo lucro não será aquilo com que contava, a alienar parte de um património que ninguém parece lembrar ter dimensões que estão muito para além das questões económicas, dimensões que, se o não foram, deveriam ter sido acauteladas no contrato de concessão, em eventual articulação de sustentação com as regiões turísticas e com as autarquias da região.
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O Estado português não deu a concessão ao grupo Pestana para assistir, impávido e cúmplice, a um arbitrário "downsizing" desse património, marcado por uma lógica exclusivamente economicista. Esta não é uma concessão qualquer. Há dimensões históricas a ela associadas, as quais, a meu ver, e por exemplo, são em absoluto incompatíveis com a simples e fria alienação de edifícios de valor arquitectónico insubstituível. Da mesma forma, escandaliza-me que a Enatur possa arrogar-se o direito, com prejuízo da dignidade da imagem das Pousadas de Portugal (que é uma marca nacional, de que não é proprietária, note-se), de subconcessionar certas unidades, em "franchising", a qualquer "pato bravo" hoteleiro, sem história nem credenciais na profissão, lavando depois as mãos para o modo como a exploração vier a decorrer. O que observei, recentemente, em unidades que continuam a manter a “imagem” da Enatur, constitui uma verdadeira vergonha, com espaços decorados à luz da saloíce dos novos proprietários, à moda da "pensão da Tia Anica"...
Vem isto a propósito do anúncio que acaba de ser feito do próximo encerramento da Pousada Barão de Forrester, em Alijó. Há poucos anos, a Enatur - sob proposta do Grupo Pestana e a complacência incompreensível do Instituto de Turismo - já tinha vendido (!!!) o edifício da Pousada de São Gonçalo, no Marão, uma jóia arquitectónica que remonta às origens do projecto das Pousadas. Nem uma folha de protesto então buliu, que se desse conta, por parte das Câmaras Municipais de Amarante e Vila Real. Antes, tinha já "ardido" Miranda do Douro. Agora, para os transmontanos, para que o "deserto" se torne completo, só resta que a Enatur "terceirize" (como dizem os nossos amigos brasileiros) a Pousada de Bragança.
Onde iremos chegar? O Instituto do Turismo de Portugal ou a Secretaria de Estado do Turismo não terão nada a dizer sobre isto? Uma palavra “lá em baixo” do meu querido amigo, Dr. Alexandre Chaves, operativo Governador Civil do Distrito de Vila Real, seria muito bem vinda.
domingo, novembro 01, 2009
Carta a um amigo
Porém, como em tudo na vida, só na água se aprende a nadar. Ver os outros no jogo é muito instrutivo, até para evitar cometer alguns dos erros observados. Mas as coisas são diferentes quando se "está lá", quando se é o responsável, quando todos olham para si, para o bem e para o mal. Principalmente para o mal, como sabe.
Você começa agora. Numa bela frase que fez escola, Jaime Gama dizia que "não há uma segunda oportunidade para se criar uma primeira impressão". Tendo a concordar, embora não em absoluto, porque as imagens fixam-se diacronicamente no juízo das pessoas e o tempo ajuda a sedimentar a solidez de quem é realmente consistente. Você dir-me-á, com a sua proverbial modéstia, que isso o preocupa pouco e que, no essencial, quer apenas conseguir fazer bem aquilo que lhe propuseram. Mas, como já terá visto de forma muito crua, "em política, o que parece é", como dizia o manhoso de Santa Comba. É triste, mas é assim.
Para um observador desprevenido, a sua tarefa até pode parecer fácil. Mas você sabe bem melhor que muitos que, para além do que a opinião publicada ou comum intui, há aí desafios externos muito sérios pela frente, face à vontade de alguns de mudar o paradigma do processo colectivo, interessados que estão em assegurar a continuidade do respectivo poder, através da garantia lampedusiana de que "alguma coisa tem de mudar para que tudo continue na mesma".
Não quero parecer "patronizing", mas não resisto a deixar-lhe algumas notas: conselhos ou frutos da experiência, tome-os como quiser. Faço-o agora porque não terei nem necessidade nem ocasião de lhe dar quaisquer opiniões futuras, porque, como você e muitos outros bem sabem, é meu arreigado e inabalável hábito deixar deliberadamente de procurar ou frequentar quem assume funções elevadas.
Desde logo, tente rodear-se de gente que tenha a certeza de ser, simultaneamente, competente, fiel e crítica. E, se possível, que escreva um bom português, uma língua antiga em rápida extinção na nossa administração pública. Junte pessoas que tenham a liberdade e a coragem para lhe dizer aquilo que até pode não lhe apetecer ouvir, mas que é essencial que você ouça; embora se reserve sempre o seu direito de não concordar e decida fazer exactamente o contrário. Não hesite em mudar de opinião, quando os argumentos forem inteligentes e convincentes, mesmo se oriundos de colaboradores muito mais jovens. Sabe do que falo, claro...
Não se deixe nunca tentar por tiques de auto-suficiência ou de autoridade (que seriam estranhos em si, em qualquer caso), por reflexos de sobranceiro "déjà vu" ou por formalismos compensatórios da sua idade - como, ridiculamente, já vi emergir em (então) jovens figuras políticas, pouco à vontade com as suas novas responsabilidades. Em política, a idade que se tem é a da autoridade que soubermos transmitir, sendo a juventude, aliás, o único "defeito" que passa sempre com o tempo.
Atente bem nas lições do passado, porque nada começa hoje, embora a História nunca se repita, salvo para os que a lêem de forma preguiçosa ou dogmática. Procure decifrar bem a "agenda" de quem cruzar pelo mundo, perceba as suas motivações profundas, sem se deixar enredar em teorias conspirativas, mas igualmente sem cair em perigosas ingenuidades. Não se acomode a supostas inevitabilidades, não receie dizer "não" quando entender que isso é importante, não use "langue de bois", chame as coisas pelo nomes e não se importe de ficar isolado, nem tenha a tentação de ser simpático em matérias de Estado. O interesse do país está sempre acima dos nossos humores.
Claro que você também sabe que, à sua volta, há adulações que vêm por aí, com os "yes men" e as "yes women" que lhe darão a "música" agradável aos seus ouvidos, que acharão "genial" a entrevista que você percebeu que saiu menos boa, que dirão "o máximo" do discurso que fizer, por mais banal que lhe tenha saído. Relativize sempre tudo isso.
Seja muito firme, não dando, logo desde o início, o mínimo espaço para a sobrevivência funcional de distâncias derivadas dos tempos da carreira de onde você é oriundo (e onde agora não está inserido, lembre-se sempre!). Corrigir o erro, depois, será muito mais difícil e penoso. Exerça em pleno a sua autoridade, porque, como escreveu Balladur num recente livro, "le pouvoir ne se partage pas".
Mantenha e frequente os amigos de sempre, comporte-se com eles com a naturalidade habitual. Eles podem ser-lhe muito úteis na "leitura" da realidade exterior de que, forçosamente, ficará um pouco mais distante. E aí estarão, ao virar da esquina, quando se esgotar a transitoriedade das funções que agora vai ocupar. Eles serão a sua eterna e insubstituível "almofada" afectiva.
Agora, um assumido conselho: não projecte a ideia de ser "o homem" de ninguém, o "remote controle" de outras instâncias, uma figura tutelada, actor secundário à espera das deixas de outros. Sem incorrer na mínima quebra de lealdade ou de disciplina face à orientação de quem tem legitimidade para lha dar, perceba que há um palco que agora é apenas seu: dirija a peça, oriente sem tibiezas os artistas - e alguns são mesmo uns "verdadeiros artistas".... É que, das palmas ou dos apupos que se vierem a ouvir, você está condenado a só poder partilhar as primeiras.
De igual modo, seja totalmente livre: evite a tentação de caminhar para a construção de um qualquer proselitismo, para a criação de "equipas" de fiéis em seu redor, esse viciado mundo, tão típico da profissão que vai co-tutelar, cuja cultura dominante se apoia em esferas de influência, em mini-nepotismos conjunturais, feitos de atribuição arbitrária de cargos e funções, a troco de lealdades com preço certo - nas promoções ou nas colocações seguintes. Ouça amigos próximos, mas decida sempre sozinho. Trate bem toda gente, mesmo os mais "sinistros", mas apenas enquanto assim o merecerem. Quanto tal não acontecer, passe então a tratá-los como realmente merecem, sem contemplações ou moratórias. O tempo das indecisões só joga contra si.
Ah! e não se esqueça: ria-se, divirta-se, mantenha um bom ambiente no trabalho e trate as coisas com a leveza que se justifica, sem perder o humor e a capacidade de exercer ironia. Até sobre si próprio. E, nunca por nunca, caia na tentação de dizer que está a fazer um sacrifício, um serviço pelo qual o Estado e o país lhe devem ficar reconhecidos. Você é que deve estar grato a Portugal por lhe ter dado a honrosa possibilidade de o servir.
Meu caro, como diria o Sérgio Godinho, "este é o primeiro dia do resto da sua vida". E só há uma, lembre-se! E porque esta vida são dois dias, aproveite bem as noites! Não esqueça a família, não lhe atafulhe os sofás com papéis cor-de-rosa, pela noite dentro: saia, jante fora, divirta-se, beba um copo, fale com amigos de outras coisas que não política, viaje e leia muito. Pode crer que o mundo não vai parar, só porque você insiste em ser uma pessoa normal.
Não lhe vou desejar felicidades profissionais e políticas, porque isso seria redundante com o que você sabe que eu penso. Desejo-lhe saúde, alegria, vontade e sorte. O resto - inteligência, honestidade, sabedoria, rigor e dedicação - você já tem.
E mando-lhe um forte abraço de amizade, esperando agora só o voltar rever, com calma e sem agenda, daqui a quatro anos, para então lhe dar conta dos meus ócios na reforma. Aproveite o tempo bem! O seu sucesso será o nosso.
Francisco
PS - Vou oferecer-lhe um clássico do Gerald Kaufman, com mais de duas décadas, intitulado "How to be a Minister". Esclareço, para leitores menos atentos, que, sendo um livro inglês, "minister" significa, entre nós, "secretário de Estado". "Bien entendu"...
Confesso os figos
Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste m...