Vamos a coisas óbvias. De há muito que o país desportivo vive polarizado por três clubes de futebol. Cada um tem um jornal diário que o “protege”, dispondo de um canal televisivo próprio, que emite apenas a sua “verdade”. Sem exceção, mas com um folclore específico, esses clubes alimentam entre si um discurso de antagonismo que às vezes roça o ódio, veiculado pelos respetivos dirigentes, sob a avidez reverente da comunicação social. Parte importante da construção desse discurso centra-se na influência sobre as arbitragens, estrutura sobre cuja independência recaem historicamente suspeitas, que arrastam os árbitros para a “balcanização” clubista
Cada semana, cada jornada, é, no nosso futebol, uma “batalha” de uma guerra anualmente reiniciada. Atrás destas tropas seguem as hordas das claques, legitimadas pela fé clubista, infiltradas por meios sórdidos, com uma violência javarda sempre absolvida pela pertença à cor comum. Essa irracionalidade consentida tudo admite e desculpa: é sempre o nós ou eles!
A comunicação televisiva, cavalgando com gula de audiências o sectarismo que atravessa o país, organiza semanalmente, por incontáveis horas, painéis de futebol “falado”, alguns com “comentadores” que mais não são do que atores de “tempos de antena”. Destes, há os meros “apparatchicks” dos clubes, num circo que alimenta audiências na razão direta dos decibéis da polémica. Há também figuras com estatuto profissional extra-futebol, utilizados para procurar dar maior credibilidade ao que dizem. Mas já ninguém se ilude: todos servem apenas as teses favoráveis às suas cores. Uns têm maior educação, outros estão ao nível de quem lhes acompanha o sectarismo.
Paremos por um instante. Um jovem, em fase de formação de personalidade, simpatizante de um qualquer dos três clubes, assiste às análises televisivas de um lance. Todos os “seus” comentadores acham que foi penalti. Os outros, ou alguns deles, acham que não. E, de facto, não foi penalti. Com que “verdade” fica esse jovem? Com a verdade ou com a “verdade” do seu clube?
Começando no futebol e acabando nas coisas da vida, os factos deixam, aos poucos, de o ser. Para o jovem, ter sido ou não penalti é irrelevante, o que importa é que o foi na “verdade” alimentada pelos seus. E é essa “verdade”, isto é, a mentira, porque útil ao egoísmo sectário da tribo em que foi aculturado, que ele vai defender, na escola, no dia-a-dia. Trump ganhou no relvado.
As televisões portuguesas, ao alimentarem tribunas sectárias de falsa “análise” desportiva, são cúmplices do clima de ódio que está instalar-se no país. E, por essa via, são instrumentos conscientes de deseducação cívica. Escrevo-o sem a menor dúvida.