O conceito de “arrependidos” tem várias conotações, algumas aceitáveis, outras à margem da decência. É destes últimos que quero falar.
Aqueles que, entre nós, tinham a idade de todas as aventuras ao tempo do 25 de abril frequentaram, por essa altura, algumas das “capelinhas” radicais em que, à época, a sociedade política se fraturou. A maioria era à esquerda, mas a direita teve também as suas.
O radicalismo de direita, do MDLP ao ELP, que eu desse conta, não trouxe ninguém para a esquerda. Quando muito, essas pessoas moderaram os seus “azeites” e passaram para o CDS ou para o PSD, e parece que ainda os há lá pelo Chega.
À esquerda, as coisas foram diferentes. Alguma gente que andou pelo extremismo dos tempos aúreos da Revolução distribuiu-se por diversos destinos.
Uma parte, parece que maioritária, ingressou na esquerda moderada, com o PS a ser a “casa” de acolhimento mais comum. (Sei do que falo).
Ao PCP, que nem faz parte da esquerda que aqui cuido em caricaturar, só “regressou” quem já lá estava ou, por algum tempo, se fazia de “amigo” no MDP-CDE.
Outros, menos complacentes, recusando-se a enterrar com facilidade a rebeldia que os cabelos brancos lhes aconselhava, tributários do maoísmo, do trotskismo ou saídos do PCP por via crítica, juntamente com alguns “vencidos do catolicismo”, com um certo “pintasilguismo” à mistura, acharam graça à ideia de andar pelo Bloco ou pelas suas franjas. Um amigo meu chama-lhes os “velhoquistas”.
Muita outra dessa gente dos “anos da brasa”, deixou-se de políticas e foi à sua vida, com o voto à esquerda como destino regular mais normal, embora com respeitáveis exceções.
Ah! Ninguém, de toda essa gente de quem aqui falo, tem hoje menos de 60 anos, note-se!
Houve também um número considerável de pessoas oriundas do extremismo de esquerda desses dias que decidiu seguir o caminho da direita. Quase todos, no entanto, eram militantes depois de abril, onde a luta contra o PCP lhes marcou fortemente os genes politicos. Nada a dizer dessa opção. A democracia é isso mesmo e a mudança de ideias, desde que feita por convicção e com sinceridade, é extremamente respeitável. Ver hoje pessoas saídas de grupos radicais dos tempos “de Abril” no PSD e até no CDS não me choca rigorosamente nada. Há-os bem estimáveis, tenho amigos entre eles!
Mas então, perguntará o leitor, a que propósito vem este texto e, em especial, o seu título? É que eu quero distinguir quem, com naturalidade, transitou para a direita democrática, mais ou menos conservadora ou liberal, e aquele núcleo de figuras que, não apenas fizeram essa deriva, mas que hoje se abespinham num novo e ácido radicalismo, numa fúria escrita ou vocal constante contra toda a esquerda, desde logo contra aquela onde empenhadamente começaram o seu percurso político ou a que evoluiu para registos mais moderados, nomeadamente na área socialista.
Esses são os tais “arrependidos”! Eles falam hoje da esquerda, em cujas catacumbas radicais estiveram e prosperaram nesse tempo, com uma espécie de assumido asco, com a falta de pudor com que um divorciado revela segredos de alcova de quem com ele se deitou. São cáusticos para com os antigos amigos que os não seguiram, têm o zelo feroz dos recém-convertidos, são os cristãos-novos do conservadorismo radical. Alguns tentam passar mesmo o rubicão filosófico, adotam, com fervor, os clássicos que em tempos zurziram, ficam extasiados perante os novoS “amanhãs que cantam” (agora os do liberalismo), bebem à pressa (é que eles já não vão para novos...) os teóricos que fazem as delícias de algumas “business schools” e da filosofia política que se ensina onde nós sabemos, amen!
Com o PSD caído nas mãos de Rio, com Passos Coelho em casa, com Marcelo imprestável para o seu projeto, com a “troika” que era a sua esperança posta com dono, com as agências de “rating” a parecerem ”feitas” com a Geringonça, com o diabo atrasado e Bruxelas a sorrir ao país, esses “arrependidos”, angustiados e deserdados do futuro, hoje mergulhados, de forma melancólica, em “blues” de alma que lhes atazanam o sono, estão agora a aproximar-se, ainda a medo, do que lhes chega do Chega, mas ainda não se decidiram se vale a pena ou não investir no Chicão.
Eles vão observando. Nós vamos topando-os.