Durante algumas semanas, o mundo diplomático parisiense andou agitado com o anúncio da iminente publicação de um livro, escrito por um jornalista, que prometia pôr a nu os bastidores da diplomacia francesa. Porque tenho por vício antigo ler tudo quanto posso sobre a profissão que escolhi, e porque devo também confessar que não sou imune às fragilidades da curiosidade, comprei o volume e, em duas noites, esgotei as suas 394 páginas. E não gostei.
A obra é um potpourri mal escrito, feito de coisas requentadas, de histórias já conhecidas na imprensa, além de um repositório de pequenos ódios de chancelaria, cheio de insinuações e meias-verdades, de tradicionais vingançazinhas de corredor. Escrito "aos solavancos" e desenhado à medida de memórias individuais não inocentes, que têm atrás de si agendas pessoais evidentes e ódios a destilar, este livro acaba por ser "a montanha a parir um rato".
No género, com muito mais graça e muito melhor escrita, volto a recomendar o clássico "Les Ambassades", de Roger Peyrefitte, ou, mesmo, o seu menos interessante "La Fin des Ambassades". E, para quem se quiser rir de forma inteligente com a caricatura da nossa corporação, recomendo sempre o "Esprit de Corps: Sketches from diplomatic life", de Lawrence Durrell. E, mais recente, as divertidas memórias do embaixador brasileiro Guilherme Leite Ribeiro, "Os Bastidores da Diplomacia - o Bife de Zinco e Outras Histórias".
A diplomacia, há que dizê-lo, aparece sempre ligada a um certo glamour, produto de um modelo de outros tempos, que está bem longe de corresponder à sua bem mais comezinha realidade atual. Mas para quem ainda acha graça a cocktails e consegue descortinar um qualquer encanto em jantares formais, o nosso mundo deve parecer um paraíso.
Porque a vida dos diplomatas continua muito presa a esse imaginário, acabando muitas vezes por ser mitificada, ela continua a suscitar um certo voyeurisme, nomeadamente no registo social. que lhe está associado. Confronta-se ainda com uma cultura de despeito que lhe é frequentemente adversa, a qual afeta até alguns políticos - fiquem os leitores deste blogue a saber. Talvez por isso, esta espécie de "exílio" dito dourado é, muitas vezes, vista também com algum ressentimento por algumas outras categorias profissionais. Qualquer pecadilho cometido por um diplomata, por menor que ele seja, cai "como sopa no mel" de um certo jornalismo de escândalo, que desconheceria o facto se acaso tivesse sido praticado por um qualquer técnico de uma direção-geral de outro ministério. Ah! e para esse "jornalismo", o conceito de diplomata é sempre muito extensivo: vai de um profissional de carreira a um funcionário administrativo de chancelaria, passando, naturalmente, por esse mundo muito diverso que são os cônsules honorários.
Ao ler este livro sobre os meus colegas do Quai d'Orsay, onde identifico alguns amigos e conheço ou ouvi falar em muitos outros protagonistas, dou-me conta que, medidas as dimensões diferentes das nossas carreiras, uma análise similar também poderia ser elaborada sobre os corredores das Necessidades. Valeria a pena? Duvido muito. Não somos muito diferentes. Todas as carreiras diplomáticas têm os seus bons e maus exemplos - no comportamento dos chefes, na vida privada dos funcionários, nos desregulamentos administrativos, etc. São mundos onde se refletem os efeitos do isolamento, das distâncias, dos problemas familiares, das inconstâncias de vida e outras especificidades próprias da profissão.
Correndo o risco de estar a trair um dever de casta, de poder contra mim suscitar uma omertà sem remissão, vou revelar-lhes um imenso segredo: somos exatamente iguais às outras pessoas...