sábado, agosto 26, 2017

Dom Pedro


Há dias, ao passar pelo Mindelo, marco da luta liberal-absolutista no século XIX, recordei-me que, precisamente na véspera, falara com amigos brasileiros sobre a mútua imagem de dom Pedro - o dom Pedro I do Brasil e o dom Pedro IV de Portugal. E na nossa diferença de perspetivas sobre a figura.

Bastou-me viver uns anos no Brasil para perceber que o modo como o autor do "grito do Ipiranga" é por lá visto contrasta, em muito, com a imagem que ele iria deixar na memória portuguesa. 

Por cá, talvez influenciados pelo dramatismo da guerra civil e pela seriedade dos retratos pintados, dom Pedro surge-nos como uma figura serena, mobilizada por ética liberal, disposto a tudo para consagrar a prevalência de uma nova ordem constitucional sobre o "antigo regime", representado este pela boçalidade política do seu irmão. 

Para o Brasil, dom Pedro é, pelo contrário, uma personalidade frenética, inconstante, furioso na sua devassidão romântica, politicamente ciclotímico, um quase agitador. Há excelente bibliografia sobre o primeiro imperador brasileiro que, sem exceção (creio), sublinha esse seu caráter.

Esta dualidade foi, para mim, algo surpreendente e muito curiosa nos seus pormenores. De certo modo, ela mostra que as figuras marcantes deixam perceções que radicam sempre no papel diferenciado desempenhado, face ao destino particular dos povos, pelos condutores de turno do comboio da História de cada um. 

Não tive coragem de contar aos meus amigos brasileiros, que tinha levado a ver as festas da Senhora da Agonia, a anedota que correu em Portugal, nos meios que se empenhavam em caçoar sobre Américo Tomás, ao tempo em que o presidente português fez uma celebrada viagem oficial ao Brasil, em 1972, para oferecer aos brasileiros os restos mortais de dom Pedro. A acidez crítica da "vox populi" atribuía a Tomás, como é sabido, uma baixa qualidade intelectual, muito por via da imagem que o velho almirante projetava no inenarrável património de discursos públicos que nos deixou. Nesta cruel apreciação, ficou então famoso o imaginário diálogo entre Gertrudes Tomás e o marido: "Américo, por que razão nós, em Portugal, dizemos dom Pedro IV e os brasileiros chamam dom Pedro I?". O almirante, a quem a lenda pública atribuía (um tanto injustamente, ao que se sabe) a tal simplicidade mental, teria respondido: "Ó mulher, é fácil. São os fusos horários diferentes..."

7 comentários:

Anónimo disse...


O nosso escriba está a levantar um problema dos diabos.

É o problema da escrita da História pelos vencedores.

Quantos estudiosos sérios tiveram a hipótese de escrever sobre o caracter de D. Miguel I.
Quantos estudiosos sérios tiveram hipótese de escrever sobre o caracter de D. Pedro IV.

A única coisa que se sabe são hagiografias sobre D. Pedro IV e mesmo isso podemos duvidar. Pois aqui pouco ele reinou.

Sobre D.Miguel I sabemos que era um irrequieto mesmo depois do final da guerra cívil.
Sabemos também que a sua descendência directa fez casamentos com as mais importantes famílias reais europeias daquele tempo. Não deve ter sido pelo dote que a noiva levava pois parece que pouco tinham para dar. Seria gente bem formada?
A História desse tempo ainda está para se fazer.

Anónimo disse...

Lembro-me perfeitamente dessa viagem de Américo Thomaz ao Brasil e de se dizer na altura que se tratava da primeira transladação em que os ossos iam ao lado do caixão...

JPGarcia

Portugalredecouvertes disse...


Eu diria que muitas personagens históricas são apresentadas às novas gerações como dará jeito aos novos poderes; assim lhe atribuem culpas ou valores que podem vir a revelar-se errados, e que se formos analisar a obra que fizeram e as decisões que tomaram, ficaremos surpreendidos por resultados que podem revelar-se diferentes da versão oficial que nos impigem nos livros e nos debates
sem esquecer a influência dos países estrangeiros que apoiam tal ou tal imagem que se ache necessário atribuir a tal ou tal personagem

como exemplo já temos bastantes artigos que recuperam o prestígio de D. João VI no Brasil (cujo reinado era habitualmente denegrido)

Anónimo disse...

@Portugalredecouvertes.

Concordo plenamente.

Mas é pena em Portugal haver apenas a versão oficial da História, por não haver tantos investigadores independentes como noutros paíse europeus.
É muito sintomático da nossa falta de capital intelectual.

Anónimo disse...

Mas afinal, diga lá, senhor embaixador, quantos são os fusos horários entre Portugal e o Brasil, para ficarmos a saber se o Tomás acertou ou não. Ou o senhor também não sabe quantos são?
MJCB

Anónimo disse...

Estava a ler outra vez os "posts" e os seus comentáeios quando detectei uma coisa interessante neste "post":

Porque chamam ao Imperdor do Brasil,D. Pedro IV ?
Se alguma coisa ele foi em Portugal e reconhecido como tal internacionalmente, foi Duque de Bragança e talvez Rgente durante a menoridade de D. Maria II.
Não quiz deixar passar este pormenor.

Anónimo disse...

E mais ainda:

A sua segunda mulher de D pedro que viveu e morreu em Portugal por volta de 1870's foi sempre aqui tratada por Imperatriz do Brasil e numca por rainha.

Desculpem estas minhas precisões que podem parecer minudências.

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