Francisco Vale, que dirige e editora Relógio de Água, e Guilherme Valente, que orienta a Gradiva, envolveram-se numa polémica nas páginas do "Diário de Notícias". Faço um "disclaimer" pessoal: sou amigo de Vale e tive, há duas décadas, um contencioso com Valente. Mas, além do respeito que ambos me merecem, não quero opinar nesta questão.
Quero apenas dizer que fico muito satisfeito pelo facto de ver as polémicas regressarem às páginas dos jornais. Somos um país em que há uma forte tradição desses duelos em letra de forma, em especial na área da cultura, e sinto imensa falta delas.
Ainda há dias, com uns amigos, recordava a virulência de um confronto, nos anos 70, nas páginas do "Diário de Lisboa", entre o jornalista e crítico Mário Castrim e o jornalista e escritor Artur Portela Filho. Já não sei a razão da polémica, mas recordo-me de um texto "assassino" (no "bom" sentido...) de Portela ao crítico, que envolvia as escadas do Teatro Vilaret e a tradicional bengala do crítico. E, claro, a inolvidável resposta deste último, num artigo que tinha o título, para mim até hoje insuperado em genialidade: "Ó Artur! Ó Portela! Ó Filho!"
Regressem as polémicas na imprensa! Precisamos de "bela pancada"! Isto está sem graça nenhuma!
6 comentários:
apoiado! trabalhei com o francisco em "O Jornal" e rebolei-me com o escrito no DN. só um "ser superior" escreve daquela maneira, com aquela elegância.
LPA
Ó senhor embaixador vêm aí uma época profícua, é só saber e conseguir escrever por eufemismos os discursos dos candidatos a futuros autarcas e companhia... E ele há cada um, contra mim falo, de companhia, claro
Mas alguém ainda lê jornais?
Até ao momento percebi que Guilherme Valente aprecia as políticas de Durão Barroso (aprendi agora) Crato (já sabia) e José Rodrigues dos Santos (imaginava). Pelo caminho percebi que deseja a falência da Relógio d'Água uma das poucas editoras portuguesas imprescindíveis. Parece fraquito enquanto argumentação polemista.
Prezado Francisco Seixas da Costa:
Subscrevo o seu gosto e a carência e necessidade que apontou. Cresci, formei-me no debate de ideias, com Amigos unidos pela referência à estrela polar dos grandes ideais e valores humanos universais e do grande objectivo comum, mas um circulo plural e afectuosamente convivente. Ainda hoje tenho a benção de poder lembrar e praticar com Amigos de miúdo esse prazer enriquecedor da divergência e do debate de ideias e de gostos.
Quanto à tradição nesse domínio parece-me frágil, fragmentado em períodos breves. Apesar de intérpretes admiráveis como os que citou. Conheci Arthur Portela Filho, mas melhor Castrim, que lia e admirava. O suplemento dele no DL inspirou o jornal que com outros amigos criámos no Liceu e um suplemento cultural, o Pinhal Novo, que posteriormente criámos no jornal A Região de Leiria. Um dos raros jornais, digamos, republicanos que na imprensa regional escaparam à limpeza do Estado Novo. O Pinhal Novo foi pioneiro no que viria a ser um surto de criação de suplementos com o mesmo espírito e intenção nalguns outros jornais regionais em que isso se tornara possível.
Tradição frágil de polémica e picardia saborosa. Não esqueça que somos uma história de inquisições, das violentas e das insidiosas. Um povo que continua, na sua generalidade, claro, a preferir ser súbdito, um Estado que continua a preferir que sejamos assim. E hoje, como disse, é a tristeza que se vê. Nas televisões são os pseudodebates, com cada um a não querer incomodar... as ideias do outro. E que ideias? E sempre esta droga que é considerar e sentir que quando se põe em causa o ponto de vista de alguém se está a pôr em causa a pessoa que o sustenta. Compare-se com os debates nos EU.
Quanto à situação em que fui obrigado a participar, em que nunca imaginaria ter de vir a participar, é um mau exemplo do que o Francisco Seixas da Costa quis referir e carecemos. Mas compreendo a sua intenção e apreciei e agradeço o espírito e a letra do seu comentário. Em cinquenta anos de edição nunca vi nada de semelhante entre dois editores e continua a ser absolutamente inexplicável para mim. E nesta a picardia, o melhor da polémica, não tem infelizmente ar para respirar.
Quanto ao nosso contencioso, que nem contencioso chegou a ser, a matéria era menor e resultou, reconheci-o logo, duma incompreensão da impossibilidade burocrática nas suas funções governamentais que então exercia.
Quanto a divergência de ideias, a desejável, enriquecedora, como ambos apreciamos, teremos felizmente algumas. Que nos grandes princípios não vi que divirjamos.
Com amizade,
Guilherme Valente
Caro Guilherme Valente. Eu não quis, propositadamente, tratar do fundo da questão, o qual, não me sendo indiferente, tem contornos que francamente não domino, até porque se prende com práticas próprias de uma profissão complexa, onde aliás tenho grandes amigos e pessoas que muito admiro. A minha nota era - há que perdoar-se-me a fraqueza - de natureza lúdica, fruto do meu estatuto de "voyeur" regular da imprensa. Há nela muito de nostálgico, desse tempo de fortes polémicas, desse ping-pong verbal por onde, às vezes, corria ótima escrita. Ainda há meses almocei com Artur Portela Filho e estive presente numa homenagem a Mário Castrim. Saúdo o seu "fair play" no "nosso" caso, que já lá vai há muito. Um abraço cordial
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