Há dias, Jaime Gama disse do seu desagrado por ver setores políticos portugueses a assumirem um discurso negativista sobre a Europa, apelando à reconstituição do “arco europeu”, que assegurou a vontade para a integração e a mobilização para as três décadas de presença portuguesa no projeto. Com a autoridade de quem teve responsabilidades em momentos decisivos desse percurso, Gama sublinhou as virtualidades políticas do processo integrador e algumas das imensas vantagens que Portugal dele retirou.
Gama tem toda a razão e, olhando, mesmo que com uma frieza isenta de qualquer idealismo, para o leque das opções que Portugal tem perante si, em termos de inserção geopolítica, parece-me evidente que um projeto europeu é o único que, num prazo que vai até onde a nossa visão estratégica alcança, melhor defende os interesses portugueses.
Articular essa inserção europeia com a vertente atlântica e a dinamização possível do espaço lusófono, onde a proteção da diáspora se deve integrar, com o nosso particular olhar histórico para a África e o “Sul” em geral, sustentar a credibilidade que criámos na vida multilateral, terreno por exemplo essencial para uma “diplomacia do mar”, bem como aproveitar a nossa vocação de “honest broker” e de “produtor de segurança” através das nossas Forças Armadas – eis um programa de ação externa em que nos deveremos empenhar.
Mas voltemos à Europa, a qual, aliás, nos ajuda a potenciar muitos dos vetores da agenda atrás sintetizada. Costumo dizer, para arrelia de alguns, que sou tão europeísta quanto os interesses de Portugal o justificarem. Porém, repito, não dispensando o exercício de algum controlo nacional sobre a soberania partilhada no quadro europeu, não tenho hoje a menor dúvida de que é aí que os nossos interesses, enquanto país, melhor são defendidos. Creio que era a essa Europa que Jaime Gama se referia. Só que pode haver outras.
Como português, não sou europeísta de “qualquer Europa”. Se a Europa vier a transmutar-se num modelo de gestão centralizada, desigualizadora na proteção dos interesses dos diversos povos e Estados, um grande mercado monetário policiado pelo veto financeiro de alguns e desmunido de políticas fortes de solidariedade, assente numa matriz que garante a riqueza a uns pela persistência da falta de bem-estar de outros – essa não é a minha Europa. Não sou pela Europa “do mal o menos”, nem acho que Portugal deva assumir uma vocação europeia apenas “by default”. Somos um país que deve defender a preservação da democracia como elemento identitário dentro da Europa mas, igualmente, que deve bater-se para que a Europa seja, ela própria, regida por regras transparentes, democráticas, que preservem o princípio da igualdade soberana dos Estados. Essa é a minha Europa ou, para ser mais claro, é apenas a esse europeísmo que adiro – e não a qualquer outro.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
Gama tem toda a razão e, olhando, mesmo que com uma frieza isenta de qualquer idealismo, para o leque das opções que Portugal tem perante si, em termos de inserção geopolítica, parece-me evidente que um projeto europeu é o único que, num prazo que vai até onde a nossa visão estratégica alcança, melhor defende os interesses portugueses.
Articular essa inserção europeia com a vertente atlântica e a dinamização possível do espaço lusófono, onde a proteção da diáspora se deve integrar, com o nosso particular olhar histórico para a África e o “Sul” em geral, sustentar a credibilidade que criámos na vida multilateral, terreno por exemplo essencial para uma “diplomacia do mar”, bem como aproveitar a nossa vocação de “honest broker” e de “produtor de segurança” através das nossas Forças Armadas – eis um programa de ação externa em que nos deveremos empenhar.
Mas voltemos à Europa, a qual, aliás, nos ajuda a potenciar muitos dos vetores da agenda atrás sintetizada. Costumo dizer, para arrelia de alguns, que sou tão europeísta quanto os interesses de Portugal o justificarem. Porém, repito, não dispensando o exercício de algum controlo nacional sobre a soberania partilhada no quadro europeu, não tenho hoje a menor dúvida de que é aí que os nossos interesses, enquanto país, melhor são defendidos. Creio que era a essa Europa que Jaime Gama se referia. Só que pode haver outras.
Como português, não sou europeísta de “qualquer Europa”. Se a Europa vier a transmutar-se num modelo de gestão centralizada, desigualizadora na proteção dos interesses dos diversos povos e Estados, um grande mercado monetário policiado pelo veto financeiro de alguns e desmunido de políticas fortes de solidariedade, assente numa matriz que garante a riqueza a uns pela persistência da falta de bem-estar de outros – essa não é a minha Europa. Não sou pela Europa “do mal o menos”, nem acho que Portugal deva assumir uma vocação europeia apenas “by default”. Somos um país que deve defender a preservação da democracia como elemento identitário dentro da Europa mas, igualmente, que deve bater-se para que a Europa seja, ela própria, regida por regras transparentes, democráticas, que preservem o princípio da igualdade soberana dos Estados. Essa é a minha Europa ou, para ser mais claro, é apenas a esse europeísmo que adiro – e não a qualquer outro.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
8 comentários:
um texto muito bom Sr. Embaixador :)
temos de gostar uns dos outros !
Portugal será Lusexit, e já não haverá UE.
Tal como fomos o último a descolonizar em África, será o último a ser descolonizado na Europa.
Somos sempre os últimos a abandonar, imagine-se que ainda teremos o único partido marxista-leninista, mesmo após Fidel Castro que ainda quer festejar o seu aniversário aos 100 anos.
Só posso concordar consigo. Contudo, o pendor hipotético da parte deste artigo parece-me um tanto anacrónico. A meu ver, estamos já numa exponencial Europa assente num "modelo de gestão centralizada, desigualizadora na proteção dos interesses dos diversos povos e Estados, um grande mercado monetário policiado pelo veto financeiro de alguns e desmunido de políticas fortes de solidariedade, assente numa matriz que garante a riqueza a uns pela persistência da falta de bem-estar de outros".
E é também basicamente por estas razões que eu não gosto desta União Europeia.
Ao Reaça, 9/9 09:50
Quando o bolchevismo apareceu num dos países com regime mais retrógrado da Europa, em 1917, o capitalismo europeu reagiu violentamente para impedir a sua fixação e a sua expansão ulterior noutros países.
O capitalismo triunfante levou finalmente a Europa 20 anos mais tarde para um dos maiores genocídios de todos os tempos = 60 milhões de mortos.
Desde o fim desta guerra, o capitalismo não cessou de destruir povos e nações, pelo mundo inteiro.
Uma vez o muro de Berlim e a URSS derrubados, e o comunismo vencido, o capitalismo continua na sua marcha triunfante para a destruição do que resta dos valores da humanidade, sempre com o mesmo objectivo: a hegemonia mundial.
Mas finalmente, qual é o verdadeiro objectivo do capitalismo? Derrubar o marxismo que já não existe desde há muito ou implementar uma nova ordem mundial na qual o homem é uma matéria descartável, que só existirá como auxiliar da máquina?
Nem o comunismo nem o capitalismo pode satisfazer o homem, porque ambos lutam pelo TER, enquanto o que torna o homem feliz é o SER ...
Sim, porreiro, tudo bem. Mas o antigo duo das Necessidades achava mesmo que com os tratados e moeda que desenharam e construíram se garantia mesmo isso tudo para Portugal ou acham que se chegou ao lugar onde estamos por uma via natural, mesmo física, sem intervenção humana?
Ainda me recordo nos primeiros tempos das discussões sobre a nossa integração de Portugal na U.E. de ouvir, uma certa esquerda nessa altura em Portugal, dizer: Mas se a Europa nos quer lá que nos paguem para nós fazermos parte dela. Enfim...
Como os tempos mudam....
Ao Joaquim de Freitas
Eu como Reaça, não quero saber do capitalismo nem do comunismo.
O que quis dizer é que somos conservadores, somos os últimos a mudar, vamos sempre lutando contra os "ventos da história".
Já no tempo do meu ídolo, já ele repousava em Santa Comba, e só passados alguns anos é que vimos que já não era ele que mandava.
Caro Embaixador,
Lendo o último parágrafo, pergunto-me: é a Europa [a UE] um modelo de gestão descentralizada? É a UE igualizadora na proteção dos interesses dos diversos povos e Estados, como por. ex. na Grécia, ou em Portugal? É a UE [a UEM] um mercado monetário não policiado pelo veto financeiro de alguns e munido de políticas fortes de solidariedade ....etc......
Concordo, também não sou europeísta de “qualquer Europa”. Mas pergunto: que fazemos nós nesta Europa do exclusivo poder dos mais fortes?
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