domingo, setembro 25, 2016

João Cravinho


O meu querido amigo João Cravinho fez 80 anos, segundo consta. Um imenso grupo dos muitos amigos e admiradores que tem oferece-lhe hoje um almoço.

Deixo o texto que escrevi para o livro que hoje é editado em sua homenagem:


Um rapaz do meu tempo

Esta ideia de que o João Cravinho é 12 anos mais velho do que eu é apenas uma insuportável sujeição ao calendário, sem a menor aderência a realidade objetiva das coisas. Sempre vi o João como « um rapaz do meu tempo », mesmo que a expressão seja já de outro tempo. Por isso, os seus ditos 80 anos impressionam-me muito pouco.

Lembro-me – ele não se lembra, claro – de me ter cruzado com o João nos idos de 74, naqueles corredores, entre fardas e guedelhas, onde se construía uma confusa esperança, com alegria, ingenuidade e, vá lá !, confessemos, alguma irresponsabilidade. Ele era ou viria a ser « quase ministro », eu andava por ali a exercitar a política que tinha lido, absolvido nos erros pela boa intenção de ajudar a desenhar uma alternativa feliz à ditadura. Um dia, a vida levou-me para fora e, por muito tempo, perdi o João de vista, de quem ia ouvindo falar – sempre bem, com respeito e admiração. Só mais tarde, a « mesa dois » do bar Procópio, sob o humor ímpar do Nuno Brederode, nos voltaria a juntar, em largas e divertidas charlas. Finalmente, numa tarde quente de outubro de 1995, assobiando o Vangelis, entrámos ambos para essa aventura simpática que foi o governo de António Guterres. Já amigos, passámos a conhecer-nos melhor, com ele a tratar-me por um eterno « meu caro Francisco ».

Foi então que « aprendi » o João Cravinho. Podem crer que foi « um espetáculo » poder observar um ministro criativo, ousado, muitas vezes polémico, sempre teimoso, coerente, sólido como uma rocha, olhando dossiês técnicos com a vivacidade de um adolescente brilhante, mostrando-nos a modernidade de um olhar singular sobre a política. Posso confessar um segredo ? Foi ao ter o privilégio de assistir a algumas « performances » do João em Conselho de ministros que eu verdadeiramente entendi o que podia significar, em certas áreas especializadas, uma política « de esquerda » – sem chavões ideológicos, mas com um pragmatismo de onde nunca estava distante a solidariedade e a discriminação positiva para quem dela necessitava.

O que sempre me impressionou no João Cravinho foi a sua abertura ao contraditório, atitude de onde me pareceu, aliás, que retirava imenso gozo, porque isso lhe permitia exercitar a dialética, onde a firmeza dos seus argumentos melhor brilhava. Vi-o em confrontos complexos, em que aquele seu eterno sorriso, às vezes gargalhante, irritava, não raras vezes, o interlocutor. Mas pude apreciar e beneficiar da sua abertura a ideias diferentes, que sempre explorava com benevolência e simpatia. É talvez por isso que nunca o vi com uma « idade » diferente da minha.

Uma tarde, fui confrontado com um João Cravinho inesperado, de cuja cara desaparecera o sorriso para dar espaço quase às lágrimas. Foi numa evocação do embaixador Ruy Teixeira Guerra, nas Necessidades. O João não tinha esquecido, e lembrava isso com emoção, a mão amiga que lhe tinha sido por ele estendida, creio que num momento difícil de vida. Marcou-me muito esse momento e « esse » João Cravinho.

O João faz 80 anos ? Pois isso ! Ele que espere agora pelos meus 80, para comemorarmos a idade comum da esperança, que será sempre a daqueles que acreditam que a vida coletiva pode ser vivida de outro modo, mais solidário e mais justo.

5 comentários:

Reaça disse...

"um ministro criativo, ousado,"que acabou com a velha JAEA em 24 horas... porque o General acordou com pesadelos, e fez por duas vezes o túnel do metro Terreiro do Paço Santa Apolónia, porque a primeira foi para treino.
Graças-a-deus que a obra está feita como todas as outras que alguém pagará.

Anónimo disse...

Ter acabado com a JAE, enorme instituição pública e escola de engenharia, onde trabalhou Jorge de Sena é imperdoável.
Mas o que o fez desaparecer de cena foi ter dito que ia acabar com a corrupção! Isso não se diz!...

Reaça disse...

Não acabou com a corrupção, dilui-a, esfumou-a, prestidigitação pura.

Criatividade impressionante!

Anónimo disse...

O que não está permitido a ninguém dizer neste país é que vai acabar com a corrupção! Se o disser, como ele o fez, vai para a prateleira. No caso dele dourada! E não se tem notícia que tenha ido sem gosto!

Anónimo disse...

João Cravinho é um dos poucos politicos honestos e coerentes que há em Portugal! A quem lhe ha interessado chumbar o 'pacote anti corrupção' que ele elaborou e apresentou? Óbviamente aos corruptos ... Que tenha cometido erros, quem não? Oxalá tivessemos mais como ele, outro galo cantaria neste pobre pais nosso ...

Genial

Devo dizer que, há uns anos, quando vi publicado este título, passou-me um ligeiro frio pela espinha. O jornalista que o construiu deve ter ...