Eu tinha vinte anos, nesse final de Setembro de 1968, naquela noite em que, em casa de um familiar, de passagem por Vila Real, vi na televisão um emocionado Américo Tomaz anunciar que ia substituir Salazar por Marcelo Caetano. Não esqueço aquele instante, que pressentia ir ser uma esquina da nossa história política.
Aquele iria ser o último dia de várias semanas em que o poder político da ditadura mostrara, finalmente, que era humano, frágil e suscetível de ser abalado pela saúde do ditador. O país viu-se "voyeur" da luta pelo poder que se sabia estar a ser travada, espreitando, com a curiosidade de quem nada tem a ver com o seu próprio futuro, a coreografia dos dignitários da "situação", da antecâmara do Conselho de Estado às visitas ao hospital da Cruz Vermelha, onde Salazar estava internado. Uma novela que a televisão nos trazia todas as noites (a televisão de então "abria" ao final da tarde), no preto-e-branco da imagem do país político de então.
Um amigo de casa dos meus pais, que assinara as listas do MUD e, anos mais tarde, viria a assustar-se com o 25 de abril, mostrava-se francamente desiludido. Durante anos, tinha proclamado que "gostava que Salazar não morresse na cama" e, agora, isso não iria acontecer.
Tal como no Totobola, que era então o casino dos pobres, o país fazia vaticínios. "Fala-se muito do Adriano Moreira", diziam uns. "Não, os ultras querem o Antunes Varela, porque o Adriano teve um conflito com o Venâncio Deslandes. Os militares não deixam". Outros interrogavam-se: "E o Caetano? Diz-se que tem as suas "tropas" bem colocadas". O ceticismo opunha-se: "Talvez, mas o episódio da crise académica de 62 pode ter-lhe sido fatal".
Acabou por não ser. Marcelo seria mesmo o escolhido. Fez um discurso de "sim, mas", onde se adivinhava o compromisso que tinha feito com Tomaz e que, no essencial, passava por um imobilismo "de facto" na questão colonial. E daí derivava a "necessidade" da continuidade da ditadura, onde a "primavera política" anunciada por Gonçalves Rapazote, na posse da nova revoada de Governadores Civis, foi uma mera flor de retórica.
Acabou por não ser. Marcelo seria mesmo o escolhido. Fez um discurso de "sim, mas", onde se adivinhava o compromisso que tinha feito com Tomaz e que, no essencial, passava por um imobilismo "de facto" na questão colonial. E daí derivava a "necessidade" da continuidade da ditadura, onde a "primavera política" anunciada por Gonçalves Rapazote, na posse da nova revoada de Governadores Civis, foi uma mera flor de retórica.
Poucos meses depois, a lista associativa universitária em que eu fora eleito acabaria por ser "não homologada" pelo ministro da Educação, o divulgador da História em historietas, José Hermano Saraiva, tio do agora "infamous" José António Saraiva. A vontade democrática, no Estado Novo, estava subordinada ao arbítrio e "old habits die hard". Só o 25 de abril os "convenceu". Não tendo sido possível fazer as coisas através das "armas da crítica", não restou outra solução que não fosse a "crítica pelas armas", para usar conceitos consagrados por um economista alemão cujo nome me está a escapar.
"Eu tinha vinte anos. Não consentirei que alguém diga que é a idade mais bela da vida", afirmou um dia Paul Nizan. Tinha razão, ter vinte anos é ter uma idade como qualquer outra. Mas esse ano de 1968, em que eu tinha vinte anos, seria o ano do maio parisiense, do esmagamento da "primavera de Praga" e do massacre estudantil no México. Por essas e muitas outras razões, não seria um ano igual aos outros. Pelo menos para mim.
8 comentários:
Em Fevereiro desse ano de 1968, no Clube Militar Naval, um grupo de jovens oficiais da Marinha - em que me incluía acumulando com finalista do Curso Complementar de Ciências Políticas e Sociais - deu o pontapé de saída dos primórdios do 25 de Abril :
http://luis-correia.blogspot.pt/2013_02_03_archive.html#4938229173747564638
Em 68, ainda os "capitães de Abril" eram alferes ainda.
E "alferes de Abril" não soava bem, daí a Guerra do Ultramar durar tantos mais anos que já trazia.
Eu tinha vinte anos. Não consentirei que alguém diga que é a idade mais bela da vida
Que disparate. É a idade em que as capacidades físicas da pessoa estão no pico. Em particular, para um homem, a capacidade sexual. Há que aproveitá-la bem...
Realmente um ano daqueles que marcam. Mas acha mesmo que o 25 de Abril "os convenceu"? Não me parece. E já estamos em 2016.
O comentador Retornado,num hilariante "passe de magia" , tira Alferes da cartola !
Marcelo nem ninguém podia governar à sombra de Salazar.
Salazar era inimitável em tudo.
Só ele podia ter as ideias que teve, de segurar desde os militares até aos doutores, políticos e até aos bispos, rebeldes, revolucionários, ideólogos, comunistas, anarquistas e nacionalistas, um país que era um saco de gatos.
Em 1968 estávamos em "ponto de rebuçado" para um país que se tivéssemos juízo não precisávamos de fazer estas figuras de submissão aos estúpidos europeus que não nos consideram como tal.
Não soubemos fintar esses pulhas como Salazar fez em 1939 (início da invasão da Polónia) até 1945.
Ainda este ano não fiz a minha romaria ao panteão do Vimieiro.
Reaça escreve : « Salazar era inimitável em tudo.”….
A tirania, as prorrogativas e privilégios de casta, impostos ao país os mais medíocres, como expoentes de uma sapiência imensa, para suborno das mais confiantes e honestas das consciências. O povo cego, e muito mais crédulo do que crente, inconsciente dos danos que o atraso acumulado cada dia, em todos os sectores, havia de causar, e que pagamos hoje com juros enormes, regime de terror imposto a tantos portugueses e que a tantos custou o pão, a liberdade … e a vida; povo que, embrutecido, cria tanto no diabo como em Deus.
Quadrilhas que devoraram honra e fazenda, que transformaram a arte de governar em simples gesto de queixo mussoliniano, como se governar fosse o mesmo que dirigir rebanhos, e reduziram o país a um cemitério de defuntos falantes … mataram o espírito da nação
Hoje é o Portugal que temos, na cauda da Europa, que perde os seus filhos todos os dias, consequência de um regime que se impôs durante meio século, sem oposição, governando como lhe apetecia, fintando sim, todo um povo, como escreve “Não soubemos fintar esses pulhas como Salazar fez em 1939 (início da invasão da Polónia) até 1945.
Se for ao Vimieiro, pode dizer ao seu ídolo que trabalhou bem, que, como depois da passagem de Atila, mesmo a erva tem dificuldade a crescer neste Portugal depenado.
Joaquim Freitas até se engasgou de tanto gritar.
Quanto mais denigre a actual situação, com "quadrilhas que devoram honra e fazenda" mais flores terei que depositar no panteão de Vimieiro.
Joaquim Freitas ainda vai um dia promover um concurso para o "pior" Português da História de Portugal para ver o meu "botas" em primeiro lugar.
E eu voto no Homem porque deixou "cair muitas no chão".
Muitas que se perderam!
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