Foi o meu primeiro diretor-geral. Chamava-se João Pequito. Dirigia os "Negócios económicos" do MNE, setor que tratava da diplomacia económica (o que prova que, afinal, isso existiu sempre nas Necessidades...). Era um figura imponente, de voz forte, que atroava os corredores, às vezes com sonoras gargalhadas. Não era um homem consensual. Tinha presidido à "comissão de saneamento" do MNE e, embora não sendo acusado de "barbaridades", pagava algum preço de imagem por ter aceite tal função. Sabia-se que era uma pessoa bastante rica, que "não precisava" da carreira. Isso ou o seu pendor democrático - a doutrina predominante nos claustros nunca foi unânime na matéria - tinha-o levado a pedir uma licença por meia dúzia de anos, só regressando após o 25 de abril. Tinha fama de conquistador, bom garfo e amante dos prazeres da vida, de carros desportivos, antiguidades e viagens exóticas. Era inteligente, culto e informado, quiçá um tanto diletante e tudo isso somado irritava muita gente na "casa".
Quando passei a trabalhar sob as suas ordens, em 1976, eu era um jovem "adido de embaixada", recém-ingressado na carreira. Pequito atribuiu-me, desde muito cedo, algumas responsabilidades e eu terei correspondido. Pessoalmente nunca me deu grande confiança, mas senti sempre que confiava em mim. Até na gastronomia: um dia, à hora de almoço, o telefone tocou na minha secretária e, do lado de lá, ouvi-o perguntar: "Dizem-me que você conhece muitos restaurantes. Onde é que se come bem para os lados de Campolide?". Fui entretanto colocado na Noruega. Pequito foi para a Bélgica, como embaixador, e daí para o México. Em Oslo, em inícios de 1982, recebi uma sua carta, muito simpática, a convidar-me a ser seu "número dois" na Cidade do México. Acabei por ir para Luanda. Só voltámos a falar muito mais tarde, em 2000, e apenas pelo telefone. Morreu três anos depois. Tinha-se afastado da carreira, desde 1984, por vontade própria.
Ontem, na Feira do livro, entrei por curiosidade no pavilhão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Deparei com uma biografia de João Pequito, editada pela Misericórdia. Porquê? Porque, na hora da morte, deixou em herança à instituição uma muito considerável fortuna, sendo até agora o seu maior benemérito, no século XXI. O livro, assinado por Ana Gomes (não, não é a mesma em quem estão a pensar!), ajudou-me a lembrar, ainda com maior simpatia, aquele que foi o meu primeiro diretor-geral.
16 comentários:
Há um segredo por revelar pelo Embaixador Francisco Seixas da Costa: como é que conseguiu sobreviver na carreira, sendo um homem inteligente, e fazer Nova Iorque, Paris, Brasília...
Não há segredo nenhum, caro comentador das 06.45: trabalhando, trabalhando muito...
será uma regra, uma homenagem que a santa casa faz aos seus grandes beneméritos, publicar uma biografia. o post não diz se tinha autor ou se a autoria era simplemente da scdm. mas é um gesto correcto, deixar memória dos benemeritos.
outras questões se põem: não teria o senhor herdeiros? teria essa propensão natural para a beneficencia? teria ajudado ou patrocinado outras instituições?
devia ser uma personalidade interessante, na vida profissional e especialmente na pessoal.
quanto a restaurantes em campolide, não conheço nenhum, nem me lembro de ter ido a algum, ficaria atrapalhado se me fizessem a pergunta, a pensar, creio aliás que não é zona que se distingue na materia, restauração, gastronomia...
Só estive com o Embaixador João Pequito uma vez. Foi há muitos anos, em casa de um querido amigo que também já partiu e ao qual o Francisco se referiu neste blogue: o Embaixador Nunes de Carvalho. A conversa foi em torno de um grande vinho de Bordéus - o Château Pontet-Canet de 1989 - que João Pequito tinha comprado por bom preço. Queria convencer-nos a fazer o mesmo. Não comprei por não ter dinheiro. Espero que algumas das suas garrafas tenham ainda ido parar à cave da Misericórdia e que o Dr. Santana Lopes lhes dê, ou tenha dado, bom uso.
João Pedro Garcia
Caro Alexandre: acabaram os links para os blogues amigalhaços. Sorry!
Faz muito bem, também não leio os seus amigalhaços.
É bom viver de ilusões.
Alexandre
Senhor Embaixador, não tenho dúvidas de que o seu mérito se deve unica e exclusivamente ao fruto do seu incansável trabalho e dedicação coadjuvado pelo apoio moral de sua Mulher!
Não nos conhecendo pessoalmente, o destino assim não o quis, fica aqui expresso verdadeiramente o tributo da minha admiração, que não é um cumprimento de circunstância.
Caro Alexandre: este blogue é para exprimir ideias do seu autor e dos comentadores. Leia o que quiser e se quiser.
Caro Anónimo das 21.16: muito obrigado pela sua simpatia
Senhor Alexandre:
Torna-se bastante maçador ter de «aguentar» diariamente a sua pesporrência.
Mandam as regras da boa e velha educação, para quem a teve, que na qualidade de visitas tenhamos cuidado com os anfitriões.
Se não gostamos da «casa» não voltamos a entrar nela, não devemos é ser indelicados para os seus «donos».
Afirmando-se o senhor permanentemente contra praticamente tudo e todos os que aqui e expressam, que prazer lhe dá vir «azedar os fígados» aqui todos os dias?
E afirmando-se portador dos «verdadeiros» valores, não acha que com a sua atitude põe em causa esses valores?
Paciência demasiado tem tido o anfitrião para suportar uma prosa insinuantemente verrinosa durante tanto tempo.
Haja decência.
A blogosfera é um mundo imenso de possibilidades para ser feliz.
Não deixe de as aproveitar.
Sr. Embaixador,
Cruzei-me consigo ontem, justamente quando saía do stand que referiu. Devo confessar-lhe que o Sr. Embaixador trazia um sorriso bastante pronunciado que hoje, lendo este texto percebo porquê.
Passou ao meu lado e por um misto de vergonha e de recato não o cumprimentei, atitude de que me arrependo sinceramente.
No fundo queria agradecer-lhe os belos momentos que me proporciona a sua leitura diária.
Abraço
Vasco Pereira
Senhor Embaixador : peço licença ao Anónimo das 21 e 16 para subscrever o seu comentário.
Ao ler o comentário do Senhor Alexandre e a resposta do Senhor Embaixador, não posso deixar de escrever o meu por me parecer que nem todos dão o valor devido ao espaço de liberdade que este blogue constitui. A possibilidade de dialogar e mesmo de combater por uma ideia, vale a pena de ser preservada. Escrevo estas palavras apos uma visita interessante ,ontem ,em S.Vincent de Jard ,no sul de Nantes, da casa onde o grande Georges Clemenceau passava férias e viveu os últimos anos da sua vida, depois de ter perdido a candidatura a Presidencia da Republica.O "Pere la "Victoire",como chamavam ao Tigre, "vencedor" da guerra de 1914/18,foi um mestre do debate politico. Que d,"affaires",entre as quais Panamá, Dreyfus, com Zola,("J'accuse")no jornal L'Aurore"!
O debate politico não tem sempre a qualidade que se desejaria, porque há sempre aqueles que vem ao terreiro com a intenção de impor as suas ideias e não discuti-las. Sabemos onde leva a propensão ao pensamento único.
Caro Sr. Embaixador,
Esses sector dos Negócios Económicos era a famosa "Pérola da China"?
Com os melhores cumprimentos,
Henrique Souza de Azevedo
Caro Vasco Pereira: então não me disse nada?! Teria muito gosto em trocar impressões consigo. E muito obrigado pela palavras simpáticas.
Senhor Embaixador,
Ainda bem que revisitei hoje o seu blog, de onde ando arredada por causa de algumas obras que temos em casa. Fico muito agradecida por ter trazido à memoria o Embaixador " o Pequito" como era conhecido. Conheço bem alguém que o conheceu pessoalmente e que com ele partilhou algumas e divertidas ocasiões... Coube-me a sorte de ter estado ligada à Colecção Beneméritos da SCML. Diz muito o prefacio do livro - sobre o Embaixador Pequito -, que Vexa teve ocasião de folhear. Tinha acabado de chegar à instituição, o Exelente Provedor que actualmente a dirige. Não alterou (nem uma virgula) o trabalho que lhe tinham sugerido. Assim, e, tendo em conta os ensinamentos que os papéis do Embaixador Pequito me dram, faço votos para que o Provedor Santana Lopes continue por mais uns anos à frente da Santa Casa, pois é uma pessoa que ja aprendeu bastante, e é um "vivedor" como foi o Embaixador Pequito. Pessoas que por serem diferentes são actualmente tão raras...
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