O Partido Socialista vai realizar, em 28 de setembro, "eleições primárias" para a escolha da personalidade que será o seu candidato a primeiro-ministro nas eleições legislativas de 2015. Nas "primárias" podem votar todas as pessoas que, através de um compromisso escrito, declarem não serem membros de outros partidos e se revejam nos princípios do PS. Esta escolha não existe nos estatutos do partido, pelo que, teoricamente, o candidato mais votado poderia não ser o líder do partido. Porém, o atual secretário-geral já revelou que tirará "todas as consequências" se o resultado do escrutínio, a que será um dos concorrentes, lhe não for favorável, o que, em linguagem simples, significa que, nessa hipótese, abandonaria o cargo, abrindo caminho a que o seu opositor nas "primárias" fosse eleito como novo secretário-geral - o que, no entanto, ainda obrigaria a "eleições diretas" internas (neste caso, só com os militantes) e à sua consagração em Congresso.
Este processo, que no caso português tem este aspeto mais complicado, tem já precedentes em alguns países, de que os Estados Unidos são o exemplo mais antigo, mas a que se juntaram, mais recentemente, a França e a Itália, democracias onde já se percebeu que seria importante retirar da exclusiva competência das máquinas partidárias a escolha do candidato a titular do poder executivo. O alargamento aos simpatizantes (na realidade, aos votantes futuros) é um gesto de respeito pela opinião pública e, pelo menos teoricamente, obriga a que os candidatos "falem" para fora dos partidos e aí comecem a ganhar uma pré-legitimidade.
Fui testemunha, em França, da perplexidade com que a decisão de organizar primárias para o candidato presidencial do PSF foi recebida. Mas observei igualmente que, no termo do processo, se concluiu unanimemente das suas vantagens, com a própria direita a anunciar, de imediato, que futuramente iria proceder de forma idêntica.
Um dúvida surgiu: será que se pode confiar na palavra de quem declara que é simpatizante? Não poderá haver "penetras", oriundos até do outro lado do sistema partidário, que aproveitem oportunisticamente esta abertura para se imiscuírem em "negócios de família" alheia? Esta questão colocou-se em França, mas logo se concluíu que seria diminuto, e escassamente relevante no cômputo final dos votos, o número de impostores que teriam o desplante de, sob compromisso de honra e com o risco de verem o respetivo nome publicado, assumirem esse gesto canalha.
Resta ainda uma outra dúvida, esta bem portuguesa. Entre nós, sob a capa da invocação do segredo do voto, e às vezes fruto de um trauma de tempos políticos mais tensos, há muita gente que, não sendo militante partidário, não gosta de revelar em quem vai votar nas eleições nacionais. Está no seu pleno direito. Só que, nesse caso, pode presumir-se que essas pessoas terão dificuldade em aceitar a possibilidade de se increverem nestas "primárias". Temo, por isso, que o universo desses simpatizantes, nesta primeira experiência, acabe por ainda não ser muito significativo.
Sou de opinião de que, com a realização destas "eleições primárias", o Partido Socialista acaba por prestar um serviço importante à renovação e revitalização do nosso sistema democrático. E, confesso achar bizarro que pessoas não pertencentes a esse espaço político se arroguem o direito de "mandar bitaites" sobre o modo como os socialistas se organizam para resolverem os seus problemas internos.
17 comentários:
Não foram os socialistas que quiseram resolver os seus problemas internos deste modo. Foi AJS.
Há dois anos era contra as primárias e agora, do nada, mudou de opinião. Tudo feito em cima do joelho só para se manter no cargo.
Isto vai acabar mal para AJS. Passa uma ideia de quem está agarrado ao cargo. Se por alguma razão conseguir vencer as primárias, irá perder as eleições legislativas. O ps e o país não lhe vão perdoar.
A ideia das primárias é muito boa mas não pode ser uma decisão de última hora e que lança o seu próprio partido num caos.
Subscrevo inteiramente o anónimo das 15:22
Anónimo das 16:09
Primárias sim. Subscrevi petição nesse sentido;recusada por AJS.
Agora, apenas por claro e despudorado oportunismo, AJS foi repescar a ideia.
Uma atitude lamentável e vergonhosa, de quem apenas quer ganhar tempo e não tem coragem de ir à luta, num momento em que o tempo de oposição ao Governo é precioso. Lamento que algumas pessoas como Alberto Martins estejam a suportar esta farsa.
David Caldeira
Meu caro Deixas da Costa. Tens toda a razão na defesa que fazes das primárias. Os argumentos são bons e ajudam a perceber que não temos nada a temer em avançar para esse sistema de escolha de candidatos a cargos políticos. Já o defendi noutros ligares e também acho que o perigo de penetras de outros partidos é negligenciável.
Acontece, contudo, que não me parece que a questão de fundo seja essa.
O que está em causa no PS, neste momento, é, independentemente do que a provocou, uma crise de liderança. E essa crise não se resolve com a escolha do candidato a PT. Aliás como, e bem, referes, em caso de derrota do actual SG, terá que haver eleições para a liderança do PS.
E isto já para não falar de estarmos a escolher um candidato para um cargo que não é eleito, contrariamente ao que acontece nos EUA e em França.
As nossas primárias são de facto, sem o serem, a escolha do líder do PS para o próximo ciclo.
E por isso teria sido preferível ir directo ao assunto. E, com tempo, preparar a definição de um processo de directas para a escolha de todos os cargos políticos, incluindo presidentes de câmara e de freguesia, governos regionais, etc.
Teria sido, em meu modesto entender, mais escorreito.
Mas uma vez definido este caminho, há que ir em frente e esperar que corra tudo bem e que saibamos estar à altura de evitar a da salvamentos do processo, o que aconteceria se vingar sem práticas do tipo das que foram sugeridas no célebre email para os farmacêuticos.
É sempre um gosto ler-te e debater ideias contigo.
Grande abraço. E temos que marcar o nosso almoço.
Abraço do Alexandre rosa
Caro Embaixador,
Gosto da ideia de primárias e do seu texto, mas (há sempre um!) apenas dois pontos:
1. Com a sua concretização atabalhoada e por quem ainda aqui atrasado era contra espero bem que não se "mate" uma boa ideia, p.ex: não há Comissão de Fiscalização (se bem percebi).
2. A resolução da situação do PS e do País não aguenta 4 meses, durante esse tempo a situação vai degradar-se, no país e no PS, e a campanha no PS (vide caso da farmacêutica) vai acabar por afastar simpatizantes do processo e do PS.
Espero enganar-me, mas os primeiros indícios são preocupantes.
Cumprimentos
Eu acho isto uma perda de tempo. Fazia-se um congresso. Seguro, Costa e outros iam a votos, para SG e consequentemente para PM. Aquele que ganhasse faria oposição a sério para também ganhar em 2015, o que seria facílimo tendo em conta os prepotentes e incompetentes que nos governam. Assim, esta "burrocracia" à portuguesa só desacredita o sistema democrático e é um presente à direita.
O Texto elucidou-me sobre o essencial da controvérsia. Textos assim merecem sempre ser lidos. Parabéns Sr Embaixador.
Ah. Falta dizer que concordo com tudo o que diz.
Agora percebo a sua carreira. É com esta serenidade e rigor que a vida deve ser levada. Parabéns pela análise. Ajudou-me bastante.
As primárias são sem dúvida nenhuma a solução democrática por excelência. Cabe aos militantes e simpatizantes "descobrir" nos possíveis candidatos aquele que corresponde verdadeiramente, honestamente, aos anseios do povo. E que este saiba exactamente o que quer ,e se o que quer é possível.
Porque o que é de facto importante, é de saber se o candidato , eventual vencedor da eleição , que será eventualmente governante , é portador da ambição política que corresponde a um verdadeiro progresso social ou se pretende somente gerir a economia como dantes ...
Vê-se bem que o poder das forças económicas é tal, que as melhores intenções dos candidatos à "mudança", desviam do programa que os fez eleger, desde que passam a porta do poder.
O perigo é grande de ver, de facto, o socialismo ou mesmo a social democracia converter-se ao evangelho neoliberal que age em favor das privatizações e da desregulamentação da economia, (mesmo após a crise financeira que abalou o capitalismo mundial),ou a luta pelas reformas, pela melhoria da qualidade de vida do povo (emprego, condições dignas de trabalho, previdência) etc.
Trata-se de saber se a finalidade da luta socialista é a conquista do poder para a realização do progresso social, ou se a conquista do governo (com a qual se conforma a social-democracia) e corresponde à ambição pessoal dum candidato , é o único objectivo duma eleição que visa o futuro dum partido e duma Nação.
A alternância para demonstrar que existe democracia não é suficiente. Algo deve mudar para haver progresso, numa sociedade que padece de tantos males fundamentais.
AJS a tentar tudo para ficar, quando já percebeu(?) que, vai sair!
Agora, fora de tempo e a desproposito, é que o senhor se revela "persistente", para mim pura arrogância.
Mudou? E depois muda outra vez?
Já todos percebemos, que, com ele não podemos contar.
Aja paciência!
Pode tomar partido à vontade...quer ganhe um quer ganhe outro, vc será no fim de 2015, Min dos Negócios Estrangeiros.
Sr. Embaixador e estas perguntas merecem-lhe que resposta?
-Pode haver primárias sem que haja amplo e prévio debate interno?
-Quem decide a mudança da estrutura do partido são os militantes ou os 65 membros da Comissão Politica Nacional? São os militantes que decidem se querem passar a eleger os seus líderes através de primárias ou uma direcção composta por 65 eleitos?
-Estes 65 eleitos (ou 48 – que votaram a favor) têm mandato dos militantes para decidirem sozinhos, em reunião, que o partido passe a ter eleições primárias?
-O que acontece se os eleitores não militantes nas primárias forem em número superior aos militantes?
-Neste último caso: O eleito vai a eleições legislativas com o apoio de quem? Com militantes que não votaram nele?
Senhor Embaixador : também aprecio a analise que faz.
Mas, tal como outros, penso que, neste momento, AJS não fez mais do que recorrer a um expediente.
Permito-me,notar,além do mais, o seguinte: caso-como aliás refere- António Costa vença e António José Seguro se demita há que proceder a novas diretas,reservadas apenas ao voto
de militantes e posteriormente a convocação e realização de um Congresso.
Pergunto: com o necessario espaço de tempo para tudo isto, e partindo do princípio que PR não convoca eleições antecipadas, em que estado vai aí chegar o PS?
Confesso que abomino processos de intenções mas desta vez parece-me que Antonio José Seguro aposta num cenario em que, uma pequena vitoria em legislativas,lhe permitiria "celebrar um auspicioso casamento" com Passos Coelho.
Afinal eles tem tanta coisa em comum !
Senhor Embaixador : permita-me acrescentar um outro comentário: obviamente que o PR apadranharia o enlace e a ele assistirio embevecido.
Como seria feliz o fim do seu mandato!
Qualquer que seja o modo de eleição, o apoio franco e total das instâncias do partido é imprescindível. Não esquecer a atitude dos elefantes do PSF aquando da eleição de Ségolène Royal, adepta da democracia participativa, que foi simplesmente torpedeada pelos principais dirigentes, Strauss-Kahn, Fabius e mesmo o próprio companheiro de vida, François Hollande, aquando da eleição presidencial.
O resultado das primária foi uma surpresa para os elefantes. Não se conformaram e agiram depois como se sabe. Não somente não apoiaram, não facilitaram a tarefa de Ségolène Royal, mas duvidaram publicamente da sua capacidade nos dossiers da presidência. Quanto à direita, a suposta incapacidade de Ségolène para a função não era de admirar.
Já mesmo a democracia participativa não agradava aos elefantes do PS. A democracia participativa possui um carácter experimental, pois que ela utiliza um entre-dois entre a democracia dita representativa, baseada no simples facto electivo e a democracia directa visando a aprovação do maior numero.
A democracia participativa permite de atenuar a separação entre governantes e governados, e tem uma característica de decisão mais colectiva que não agrada a todos.
Mas a crise do ps não resulta da contradição entre a sua prática política e a sua base de apoio social? Quais as diferenças entre os dois lados.
Se a pergunta do anónimo das 12:57 diz respeito ao PSF, claro que a politica governamental de Hollande não corresponde ao discurso do Bourget nem ao programa que permitiu a sua eleição. Essa é a razão da ameaça actual de divisão no seio dos parlamentares na Assembleia Nacional, e, sobretudo, da impopularidade crescente, nunca vista antes, do presidente da república. O que é delicado para as eleições futuras, particularmente as de 2017.
A maioria parlamentar francesa encontra-se confrontada a estas contradições entre as ideologias, das quais ela se reclama ainda, e as reformas que será preciso esquiçar e, mais ainda, implementar. Ela não é somente composta do partido socialista nas suas diversas tendências e facções. Ela compreende o partido radical de esquerda, um pouco derisório, o partido comunista, que se dota impunemente duma nova dentição, mas também os Verdes e os movimentos associativos extraparlamentares, etc.
A deriva liberal do partido socialista ou da sua direcção, aparece cada vez mais como uma traição para uma grande maioria de cidadãos de esquerda que votaram em Hollande.
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