Este fim de semana, fui ao teatro. Era uma companhia paga com dinheiros públicos, isto é, nossos. A peça era fracota. Eu já sabia, mas tinha uma curiosidade quase masoquista em vê-la. Por uma qualquer razão, estive muito atento ao principal ator secundário e à sua relação cénica com o ator principal. Sempre achei interessante observar o papel que, em algumas peças, é desempenhado por quem, sendo um razoável artista, acaba necessariamente por sofrer a sombra da primeira figura. Era esse o caso. Já não é a primeira vez que dou comigo a pensar que alguns desses atores secundários têm um talento que talvez justificasse uma oportunidade num papel principal. Derivará essa impossibilidade de ascensão da má qualidade do "script", do grau de menor credibilidade ganha em "performances" anteriores, do modo como, nesse passado, terão ou não contribuído para êxitos da companhia, da forma como influenciaram negócios de bilheteira? Obrigado a um esforço de afirmação num papel que não dava para grandes voos, sujeito à necessária lealdade formal face à figura que é cabeça de cartaz, a qual vigiava a menor tentativa de protagonismo, numa peça onde a óbvia hierarquia artística condicionava a expressividade das diversas prestações, notei que o ator secundário se via, muitas vezes, obrigado a seguir um caminho estreito, de fino equilíbrio. Toda a sua coreografia, toda a interação com o público, passava-se sob esse angustiante dilema, que lhe limitava as marcações, que lhe impunha indesejadas barreiras no acercar da ribalta. Frequentemente, o público apercebia-se que havia ali uma vocação travada, mesmo uma evidente frustração. Em certos momentos da cena, ficou claro que o ator secundário foi tentado a correr alguns riscos, a dar-se ares daquilo que não pode ser, sofrendo, lá no íntimo, o facto de não lhe ter cabido o lugar de estrela da companhia. Olhamos para ele e sentimos isso bem, chegamos mesmo a ter uma simpatia pelo seu esforço, esquecendo até a mediocridade da peça. Estando do lado de fora do palco, observamos, quase divertidos, o óbvio combate surdo que dentro dele se trava. Um duelo que, no entanto, se vai prolongando enquanto houver público e palmas, apenas porque a bilheteira vai rendendo, porque "the show must go on" a todo preço, porque o elenco precisa de emprego. É que a sustentação de uma peça, por mais banal que seja, é independente do apreço que os atores possam manter ou não entre si. Conservarem-se em cartaz, fazerem prosperar o negócio, só isso justifica que continuem a contracenar, quiçá de mau grado, com uma camaradagem que pode ser apenas formal. E só isso faz com que um ator talentoso se sujeite à secundarização a que é votado. No íntimo, é capaz de já estar a pensar no futuro, noutras peças, noutras companhias, que lhe permitam manter-se em cena, porque ele alimenta-se do aplauso do público. E, por isso, lá vai andando, falando e rindo. Esta minha ida ao teatro não foi, como puderam deduzir, uma grande experiência. Mas foi uma oportunidade para notar que o público começa a declinar, farto desta farsa. Um destes dias saem do palco sob uma merecida pateada.
18 comentários:
Questão de temperamento, e de meios. Mas, como dizia Júlio César, é melhor ser o primeiro na aldeia e dirigir que segundo na capital e baixar a cabeça perante alguém. Querer ser o primeiro não é evidente, porque à primeira veleidade de ver mais alto, há o risco de ser enviado logo para a província...em segundo!
há 3 anos que ando a ver essa peça representada por um grupo de assaltimbancos. aquilo é teatro de marionetas, o primeiro puxa os cordéis ao segundo e o ventríloquo de belém segura o barítono que queria ser tenor. para ter um final perfeito deveria acabar à paulada.
Que metafórico...
Questão de temperamento, e de meios. Mas, como dizia Júlio César, é melhor ser o primeiro na aldeia e dirigir que segundo na capital e baixar a cabeça perante alguém. Querer ser o primeiro não é evidente, porque à primeira veleidade de ver mais alto, há o risco de ser enviado logo para a província...em segundo!
O problema reside na personalidade do director da companhia, indigno de dirigir tais actores, porque tendo sido ele mesmo um péssimo actor no passado, em que a bilheteira era confortável, graças às subvenções que afluíam sem pena do exterior, não foi capaz de projectar a companhia no futuro. E que os actores lhe foram impostos pelos ...espectadores que, digamos, baloiçam facilmente entre apreciações opostas de companhias do passado.
Como se sabe, o favor dos espectadores é efémero e nem sempre bem fundamentado. São aprendizes dos jogos teatrais. Devemos compreendê-los. Assistiram durante meio século ao mesmo programa, com a mesma companhia, o mesmo director, tirânico e inamovível do seu posto, eleito até à morte por espectadores mais que letárgicos e leigos em arte teatral. Os poucos assobios e pateadas eram sancionados imediatamente pela retirada do direito de assistir ao espectáculo e enviados em "escolas" de formação acelerada e celerada!
Os actores da peça sabem muito bem que a companhia tem uma duração limitada, e que o contrato pode acabar inopinadamente quando e se os espectadores assim o decidirem. Mas estes já adormeceram há muito tempo e só um cataclismo que abane as fundações do teatro os pode acordar.
Entretanto a bilheteira vai-os alimentando, graças ainda às subvenções dos grandes empresários exteriores, os privilégios e as benesses abundam, o director da companhia mesmo se se lamenta dos parcos haveres está farto e só pretende terminar o contrato tranquilamente antes de regressar ao seu teatro pessoal , ao sol.
Os actores principais , esses, sabem que no teatro da vida há também o tempo da desforra, mesmo se para isso tiverem de atraiçoar o espírito da competição. Eles esperam, mas continuam a adormecer os espectadores.
Deus o ouça!
Estou farto de actores irrevogáveis e seus prima-donas!
Outeiro
Conheço a peça e a encenação.
Mas é preciso falar do(s) autor(es) e do(s) encenador(es).
O actor principal é uma nulidade e segue (mal) as indicações que lhe chegam. É um triste.
O actor secundário é um canastrão histriónico, prematuramente envelhecido, que disfarça a falta de talento com marcações saltitantes e grita, sem convicção, as deixas.
Mas, na verdade, os outros, autor e encenador, que pagam aos lamentáveis títeres, são tão responsáveis como os actores por este enorme e caríssimo "pastelão".
Não posso ver alegoria em tudo. Mas no teatro como na vida, às vezes é muito difícil compreender quem é que tem o rol principal, se há rol principal, se o segundo não é empurrado por terceiros, se o primeiro é, de facto, o primeiro ou se em tudo isto não será melhor ficarmos por aquilo que popularmente se diz: isto é tudo uma palhaçada pá!
José Barros
Já vou apanhando os segundos sentidos de alguns destes posts. Agora ando a treinar, a ver se consigo entender descortinar terceiros. Sentidos, claro.
Quando vi um comentário do Freitas, com apenas um parágrafo, pensei: MILAGRE!
Afinal, foi engano do Freitas e eu... continuo ateu.
Não se preocupe, anónimo "13 de Janeiro de 2014 às 11:03". Isto é mais sentido único e guia-se invariavelmente pela esquerda.
Tem toda a razão !
Chamo a atenção para um problema que vai surgir no futuro:
A necessidade da criação de uma escala de "valores-política-artística-desportiva-correctos, criando uma "confraria" de peritos de enorme competência, presidida pelos jornalistas dos Padrinhos & Compadres, sempre pressurosos em criar a "vontade" do País !
Alexandre
Ao anonimo das 11:52 :
Sinto-me culpado da perda eventual da sua alma, e por isso vou "provocar" o milagre na minha resposta num só paragrafo: Não fui eu que me enganei, mas o computador!
Texto longo. Com pontuação de fazer o leitor morrer sufocado. Com uma vizão muito específica e pouco abrangente. Mas interessante.
e que peça foi, não nos diz...
Ó Patrício Branco, então não se vê logo que isto por causa do Paulo Portas e da continuação da coligação?
Ainda hoje não entendo como tantos espectadores lhes pediram para subir ao palco.
Francisco F. Teixeira
Interessante a análise aos comentários... Há para todos os gostos e desgostos! Entretanto, parece-me que não serão propriamente actores no verdadeiro sentido da palavra aqueles que aparecem na peça.Serão mais marionetas ou fantoches!
Está visto! Votar é, atualmente, um ato completamente irracional! (em certa medida sempre foi…nos domínios público e privado)
antonio pa
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