No termo de janeiro de 2014, completarei um ano na direção do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. Foi uma experiência muito interessante, sem o menor encargo financeiro para ninguém (o meu trabalho foi "pro bono", desde a primeira hora), na chefia de uma estrutura que vai completar quase um quarto de século, desde sua criação. O Centro passa por um tempo de reflexão sobre o seu papel no quadro do Conselho da Europa, depois de alguns debates que se iniciaram antes da minha chegada. Os próximos dois anos serão essenciais para o desenho desse futuro.
O balanço da ação do Centro Norte-Sul é, a meu ver, muito mais do que simplesmente positivo. Ao longo destes anos, com diversos diretores e centenas de pessoas que passaram pelos seus quadros, o Centro revelou-se um excecional mobilizador de vontades, dispondo hoje de uma rede de contactos que é dificilmente substituível, no âmbito da atividade externa do Conselho da Europa. Isso aconselha a que o Centro, de forma cada vez mais integrada, responda como uma estrutura de relevo no âmbito da "política de vizinhança" da sua organização-mãe.
Mas faz o quê? esse Centro, perguntar-se-á o leitor menos atento. Ao longo dos anos, o Centro tem vindo a ser a "janela" do Conselho da Europa para o Sul. Num primeiro tempo, competiu-lhe "explicar" o Sul às opiniões públicas do Norte, sublinhando a importância da solidariedade à escala global, as relações de interdependência no mundo, as responsabilidades coletivas face às situações de desequilíbrio e desigualdade entre os povos. Com a passagem dos anos, o Centro voltou-se mais para esse próprio Sul e procurou ser útil, no seu seio, à construção de uma consciência democrática, à aculturação de um corpo muito vasto de direitos, dando como referente - mas não como "benchmark" impositivo - o trabalho magnífico que, desde 1949, o Conselho da Europa foi desenvolvendo, num universo que hoje envolve 47 países.
Hoje em dia, o centro Norte-Sul, utilizando o diálogo intercultural como instrumento de trabalho, promove ações ligadas à chamada educação global, ao reforço da cidadania democrática, ao apoio à organização e estruturação da sociedade civil, nomeadamente nos países do Magrebe, onde tem vindo a concentrar o essencial das suas ações. Os "alvos" prioritários atuais do trabalho do Centro são os jovens e as mulheres, procurando destacar e apoiar o seu papel nas muito diversas sociedades em que se inserem, tentando que governos, parlamentos e autoridades regionais e locais estabeleçam, por seu intermédio, com as estruturas da sociedade civil, uma relação institucionalizada cada vez mais eficaz.
Ontem, à volta de um almoço de Natal, esteve toda a nossa jovem, entusiasmada e muito feminina equipa. Desejei-lhes um ano de 2014 feliz e produtivo. A partir do final do próximo mês de janeiro, esse percurso vai ser prosseguido sob a orientação de um outro diretor. O meu mandato de um ano terminou e, infelizmente, não tenho disponibilidade pessoal para o renovar. Mas foi, como acima disse, uma bela experiência. Deixo no Centro bons amigos e não tenciono perder de vista a sua atividade no futuro.
16 comentários:
"o diálogo intercultural como instrumento de trabalho, promove ações ligadas à chamada educação global, ao reforço da cidadania democrática,"
Sem dúvida um trabalho meritório o do Centro Norte-Sul e mais uma experiência enriquecedora para Si sr. Embaixador, que soma e segue...
Pelo que se lê nos jornais terá isso a ver com qualquer aventura política?
Ao Norte, circunspecto e austero, é necessário fazer ver que a solidariedade é investimento e ao Sul que a austeridade é necessária se queremos ser solidários. Interessante a referência ao benchmark “impositivo” que terá a ver com o cuidado de não impor os regimes democráticos “tout court” no sul… (e.g. ex colónias)…
Excelente o objetivo do Centro e o importantíssimo cargo de V. Exa que nos orgulha!
(Desculpe lá! Que comparação com o andar a medir filas de camiões e contentores de laranjas…)
antonio pa
Deve ter sido um ano excitante para o Senhor Embaixador, mas deve ter sido também necessário muita força de carácter para conservar a esperança no futuro perante as dificuldades que os países do sul enfrentam. Tenho uma grande admiração por aqueles que se dedicam à imensa tarefa de estreitar os laços entre o Norte e o Sul, na medida em que a globalização porta nela uma desigualdade que torna a cooperação mais difícil todos os dias. pelo menos, como a vejo.
Os países do Sul são submetidos ao julgamento sem apelo dos mercados com uma vulnerabilidade visível a partir de Portugal , onde a situação é particularmente grave. A diferença dos níveis de vida é tal que as consequências humanas podem ser irremediáveis. A "evaporação" da juventude portuguesa e doutros países do Sul absorvidos pelo Norte, é uma das consequências do desequilíbrio actual.
Será uma geração perdida?
A este desequilíbrio se acrescenta a angustia do futuro. O êxodo maciço dos países do Magreb é um sintoma da falta de confiança.
Quantos países do Norte, Senhor Embaixador, têm realmente uma politica africana? O Senhor conhece melhor que eu o problema, mas a constatação que faço da desigualdade do mundo , a miséria que aflige os países do Sul, num mundo que nunca foi tão rico, tem a sua tradução politica : as primaveras que florissem e murcham rapidamente e a recusa das desigualdades que reúne hoje os manifestantes do Norte e do Sul .
No "bilan" do Senhor Embaixador não consta nenhuma reflexão sobre um aspecto que me parece importante nos tempos que vivemos que é o da religião, que afecta as relações entre o Norte e o Sul . Mas talvez este aspecto das relações Norte Sul não faça parte do programa do Centro.
Se é certo que ninguém é insubstituível, a sua saída da direcção do Centro Norte-Sul será certamente uma grande perda para esta instituição. Lamento que não possa continuar esse trabalho, que além de muito útil deveria também ser muito agradável e cómodo, para mais instalado num belo palacete a dois passos de sua casa.
Mas fica-nos a certeza de que, quaisquer que sejam as suas próximas actividades, o Senhor Embaixador será sempre uma grande mais-valia para os objectivos que lhe caberão prosseguir.
Acredito na sua boa vontade-diálogo-Norte-Sul.
Os tempos que vão correndo, demonstram que devido a "excessos religiosos" do dito Mediterrâneo do Sul, típicos da Idade Média Ocidental, passarão muitos décadas sem que a evolução intelectual, independente das tecnologias, consiga caminhar para um status quo eqilibrado, entre religião e poder único ou democrático.
Alexandre
Vai-me desculpar o senhor Embaixador, mas continuo sem perceber o que faz essa entidade/organização/grupo. Percebi que "sensibiliza"...
De facto, os tempos estão menos para coisas "pro bono" do que para outras...
Caro António PA: as tarefas da vida profissional de cada um têm muitas faces. Nenhuma é mais digna que a outra. São diferentes.
Caro Defreitas: o diálogo interreligioso é uma das dimensões do diálogo intercultural. E está no eixo das preocupações do Centro Norte-Sul. Leia aqui: http://duas-ou-tres.blogspot.pt/2013/08/palestras-e-conferencias.html
Caro Anónimo das 10.44: obrigado pelas suas palavras. Faz-se o que se pode...
Caro Anónimo das 13.02: se colocar no Google a sua questão ela será respondida. Veja o site do CNS
Caro Anónimo das 16.04: vou continuar a fazer o que já fazia (coisas pagas e outras não pagas) e, para sua ilustração, vou envolver-me em outras atividades... "pro bono"! E esta, ein!?
Portugal, Sul para o Norte, Norte para o Sul. Um total desnorte, esta esquizofrenia tão portuguesa de não se saber exatamente aonde pertencemos.
Neste momento, o Sul quer um novo Norte, o Norte receia o novo Sul, e Portugal tem cada vez mais um "Sul", muito populoso, e um "Norte", arisco, a querer cada vez mais por menos (que boa era a vida de Lisboa).
O nosso "Norte" já fala com sotaque arrastado "rrrr".
Por enquanto, e apesar de tudo, o Sul ainda nos considera confiáveis, parecidos ou irmãos. Têm-nos desculpado alguns disparates, como os amigos nos desculpam um ou outro deslize.
Mas a paciência tem limites e o mapa do Bernardo Pires de Lima tem muito que se lhe diga.
há que fazer render ao maximo esses organismos que têm o seu bom papel mas por vezes estão um pouco marginalizados, ou esquecidos, etc, bom trabalho pois...
É uma má notícia. Com uma nova composição da Assembleia Geral da Associação Sindical dos Diplomatas que deixa muito a desejar e que integra o pior do gamismo, com o site Notas Verbais em hibernação por motivos Mais-que-duvidosos, espera-se sinceramente que não venha a seguir a notícia da passagem à disponibilidade de Duas ou três coisas, a última réstea, o derradeiro sopro de liberdade no mundo concentracionário da diplomacia. Oremos.
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