segunda-feira, abril 20, 2009

A Turquia e a Europa

A questão da relação da Turquia com a União Europeia permanece um tema muito divisivo.

Há quem considere que a Turquia, pela sua história e pela sua génese sócio-política, faz parte de um outro mundo e que, por essa mesma razão, o seu lugar terá de ser sempre fora da União Europeia, embora mantendo com ela um estatuto de grande proximidade.

Outros, porém, defendem que não parece congruente continuar a discutir com Ancara, como tem vindo a acontecer, diversos capítulos negociais que pressupõem o caminho para um processo de adesão, quando, ao mesmo tempo, se alerta, desde já, para a impossibilidade de se chegar ao termo desse processo - isto é, à adesão plena da Turquia à União Europeia. Essa é a posição portuguesa.

Implícita ou explícita neste debate está, muitas vezes, a questão religiosa, que em certos sectores europeus, desde há muito, se erigiu como um factor de bloqueio da maior importância. Também aqui, as visões europeias divergem bastante, embora muitos não tenham a coragem de assumir estas suas reais motivações.

Talvez só tempo possa tornar as diversas posições menos rígidas, embora me pareça evidente que, se vier a dar-se a fixação de um sentimento de hostilização europeia face à Turquia, isso pode vir a ter um efeito de perda de estímulo a quantos, naquele país, levam a cabo uma séria e corajosa luta no sentido de o aproximar dos padrões que hoje são comuns aos restantes Estadoss europeus. Por outro lado, isso também pode vir a gerar o indesejável reforço dos que, na sociedade turca, encontram, no dia a dia, motivos para olhar com desconfiança um mundo que, ao tempo da Guerra Fria, considerou o país um útil aliado estratégico no seio da NATO e que agora, fruto de novos ou renovados receios, parece rejeitar a sua aproximação.

No passado fim de semana, fui confrontado, aqui em França, com dois elementos interessantes para ajudar a reflectir sobre esta temática.

O primeiro foi um artigo de Tariq Ramadan, no "Le Monde", cujo conteúdo me parece importante ser bem reflectido e que pode ser lido aqui. Ramadan é um intelectual islâmico, de nacionalidade suíça, que conheci em 2002, em Portugal, num colóquio organizado pela Universidade Nova de Lisboa, dedicado ao tema do terrorismo, em que ambos interviemos. Ao longo destes anos, tem-lhe cabido o papel, por vezes muito difícil e mal compreendido, de tentar interpretar junto do mundo ocidental algumas posições muçulmanas. Pode não se concordar com teses que assume, mas sou de opinião que a sua lucidez, no seio do islamismo moderado, continua a ser da maior importância.

Um outro dado para a análise do caso turco é a exposição "Istanbul traversée", no Musée des Beaux-Arts, de Lille, uma impressionante leitura do convívio, na Turquia contemporânea, de dois tempos culturais em diálogo e imaginável conflito, mas por cuja resultante acabará por passar, com toda a certeza, o futuro daquele país, com ou sem presença na União Europeia. À entrada da exposição está uma nota muito significativa, que resume muito: "Ser ocidental, a despeito do Ocidente".

11 comentários:

Unknown disse...

Vivi três anos na Turquia e agora vou lá de quando em vez por prazer e amizades. Sempre senti que estava na Europa mesmo quando atravessava Usak ou chegava perto do Iraq. Contudo quanto mais o tempo passa neste vai e não vai mais vejo a Turquia desprender-se tal qual uma 'jangada de pedra'de nós ... será mais que pena, será desastre se não lhe oferecer-mos a mão.

Fernando Correia de Oliveira disse...

Barak Obama trouxe de novo para a Agenda a questão da adesão da Turquia à Europa, com a repetição da ingerência de Washington nos assuntos da União Europeia, ao defender a entrada de Ancara na EU. Desde logo, a Turquia não é Europa, por mais voltas que a geopolítica tente dar ao assunto. Na ponte sobre o Bósforo, que liga o continente asiático a Istambul, os cartazes turcos não mentem: “Bem-vindo à Europa”. Depois, a Europa fez-se, construiu-se ao longo de séculos, definiu a sua identidade contra um dos seus inimigos mais perenes, o Império Otomano, de que a Turquia é o seu herdeiro histórico. Falar de liberdade religiosa é sempre muito conveniente, muito politicamente correcto, mas aceitar mais de 70 milhões de muçulmanos, que não respeitam, por princípio, a esfera laica, a juntar aos 12 milhões de muçulmanos que, já hoje, são cidadãos da União Europeia e que mostram, todos os dias, as maiores dificuldades de integração no modelo laico, se não mesmo o combatem activamente, isso é a receita para o desastre.
Parte-se do princípio de que a adesão terá um efeito positivo na Turquia. Quem assim pensa foi também responsável, na Guerra-fria, por alimentar o fundamentalismo islâmico, face ao inimigo comum que era o comunismo. Viram-se os resultados, cuja factura só agora começámos a pagar. O mais provável é que o “antídoto” laico europeu não funcione e seja aniquilado, em duas ou três gerações, pelo “vírus” religioso islâmico, que já hoje se encontra fora de controlo na Turquia.
Porque é que a Turquia quer aderir à União Europeia? As vantagens económicas que daí advirão são evidentes, e são essas as razões publicamente expressas pela elite urbana turca. Mas não se ouvem discursos sobre as vantagens da adesão em termos de democracia, direitos humanos, separação da Igreja e do Estado, reforço da esfera laica, construção de um “ideal” europeu (que nem os dirigentes europeus sabem hoje muito bem qual é)…
E, depois, há uma “agenda oculta”, que todos sabem existir, mas de que também ninguém no Ocidente ousa falar.
Por mais que os dirigentes turcos disfarcem, perorando discursos de modernidade, há afloramentos aqui e além sobre o que esperam os cidadãos europeus quando abrirem as portas do “clube” a este Oriente profundamente religioso: o novo Código Civil turco só não criminalizou recentemente o adultério porque, por agora, era preciso continuar a negociar com a Europa, e o escândalo dessa medida foi brutal. Mas continua em vigor a criminalização das relações sexuais consentidas entre jovens de 15 a 18 anos e não se avançou para a proibição e criminalização dos testes de virgindade, exigidos pelas famílias turcas antes de qualquer casamento. Medieval? Não, apenas “especificidades culturais”, dirão alguns… Especificidades culturais que serão impostas ao todo da sociedade, desde que haja força para o fazer, não tenhamos disso dúvidas.
No seu livro Who Are We?, o académico de Harvard, Samuel Huntington, não deixa de apontar que a essência do “multiculturalismo é a antítese da civilização europeia” porque “ele é, basicamente, uma ideologia anti-Ocidental”. E afirma, entre o cínico e o assustado: “Estou fascinado como a Europa e os muçulmanos se confrontam lá, redefinindo a sua identidade religiosa”. Segundo ele, as forças em presença são tais que “a Europa estará profundamente dividida dentro de 25 anos”.
Perante tudo isto, começa a ganhar cada vez mais credibilidade a teoria de outro historiador norte-americano, Bernard Lewis, de Princeton, com diversas obras publicadas sobre o mundo islâmico, e que tem considerado que a Europa será islâmica no final do século XXI. Só que, nessa altura, já não será Europa, terá sido engolida pelo imenso Oriente, atávico, obscuro – que tanto fascínio ingénuo provoca junto de alguns intelectuais europeus, como o comunismo provocou em todo o século XX.

Idalina Rosário disse...

Um blog a sério ? Estou admirada !!!

Anónimo disse...

Bem observado, Fernando Correia de Oliveira!
J.Trigueiros

Helena Sacadura Cabral disse...

É de facto muito difícil tomar posição relativamente à adesão da Turquia. Eu própria, embora tenha uma opinião pessoal, sinto que por vezes balanço.
Mas de uma coisa estou certa. No fim deste século muito provavelmente a Europa será islâmica. E não vejo muito bem o que se possa fazer para o evitar. Justamente porque defendo que Estado e Religião são realidades distintas e que se não devem misturar.
Como mulher, então, não posso deixar de sentir um calafrio, quando penso no que nos poderá acontecer se essa previsão se realizar!

Carlos Cristo disse...

A luta pela aceitação da diversidade e o combate ao tribalismo primário são a essência da motivação de uma grande Europa, que se auto agrediu por séculos. Surpreende que o diferente seja evocado explícita ou implicitamente a cada momento do alargamento dessa Europa.

Anónimo disse...

A entrada da Turquia pode estar adiada por questões religiosas, mas penso que não é o ponto fundamental.
Por ser um pais com muita população, e pelo facto da ponderação dos votos no Conselho da UE depender em grande medida deste dado, a Turquia, se a regra não for alterada, terá mais "peso" que a Alemanha, Reino Unido, França ou Itália, hoje com 29 votos cada.

Um Abraço,
Pedro Duarte Dâmaso

Anónimo disse...

Não vejo Ramadan como um moderado, mas como alguém que tem discursos diferentes para auditórios diferentes e que disfarça bem o que pensa quando fala para os media ocidentais. A sua ligação aos Frères Muçulmans está documentada. Esta entrevista do L'Express a alguém que estudou a fundo a ideologia dele deixa pouca margem para dúvidas.

Quanto à adesão da Turquia, arriscando uma simplificação exagerada, não seria mais avisado aprofundar a integração europeia com a UE que existe, idealmente com um subgrupo de países - os do euro, por exemplo - em vez de embarcar em experiências geopolíticas cujo custo ninguém conhece nem pode prever? Eis um tema que pouco debate tem tido. Obrigado por falar nele.
Cordialmente,
David

Anónimo disse...

Estimada Helena Sacadura Cabral,
Já não estarei por cá no final deste século para ver o “estado das coisas”, mas não estou lá muito convencido quanto à islamização da Europa, até lá.
Quanto à questão da adesão, ou não, da Turquia à União Europeia, prefiro confiar na decisão que vier a ser tomada, quando chegar a altura, pelos os diversos Estados Membros, a Comissão e as suas instituições.
Já estive algumas vezes naquele país (em trabalho e férias) e vim de lá com a sensação de que a Turquia “são dois países num só”, um mais aberto, mais liberal e moderno, muito próximo de nós europeus (com as mulheres bem conscientes do seu papel nessa Turquia moderna) e outro mais conservador e menos desenvolvido, a maioria da população (mais religiosa), mais afastada dos grandes centros urbanos. Julgo que é esta tarefa de osmose entre estes “dois países”, não sei se fácil, se difícil, que um dia terá de ser feita. Mas compreendo e respeito as suas preocupações com a sensibilidade que tem de mulher, sobre o assunto.
P.Rufino

aminhapele disse...

Uma questão triplamente difícil:
1.A Europa
2.A União Europeia
3.A Religião
Podemos acrescentar uma quarta,para aumentar a dificuldade:o que nós entendemos como democracia.
Em qualquer das questões,as regras já são difíceis de serem cumpridas pelos seus "membros".
A Turquia,para lá de questões financeiras e número de votos,viria complicar muito os problemas já existentes.
Por outro lado,a definição "europeia" não pode ser tão abrangente como a da UEFA:até o Cazaquistão pertence à Europa...
Continuo a gostar de ir à Turquia e de regressar à Europa.

douro disse...

A forma como a União Europeia vem gerindo a questão da adesão turca é uma vergonha e uma irresponsabilidade. A União Europeia precisa da Turquia e a Turquia precisa da União Europeia. Tudo o resto são calculismos bacocos que, se perdurarem, ainda vão atirar a Turquia para os braços ou da Russia ou do Irão.

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