Tiveram hoje lugar as comemorações da batalha de La Lys, na qual as tropas do Corpo Expedicionário Português perderam, apenas em 9 de Abril de 1918, cerca de 7.500 homens, durante a sua participação na 1ª Guerra Mundial.
Há 20 anos que se mantém esta romagem anual, que tem vindo a ser presidida pelo embaixador de Portugal, num cerimonial com uma imensa dignidade, na presença de associações de combatentes franceses e de instituições da Comunidade portuguesa, tendo à frente o espírito generoso e empreendedor de João Marques, presidente da União Franco-Portuguesa de Richebourg.
Há 20 anos que se mantém esta romagem anual, que tem vindo a ser presidida pelo embaixador de Portugal, num cerimonial com uma imensa dignidade, na presença de associações de combatentes franceses e de instituições da Comunidade portuguesa, tendo à frente o espírito generoso e empreendedor de João Marques, presidente da União Franco-Portuguesa de Richebourg.
Durante as cerimónias, parte das quais no impressionante Cemitério Militar português de Richebourg, perto de Lille, que a imagem mostra, fiz uma intervenção, como embaixador de Portugal , de cuja tradução transcrevo um extracto:
"Esta é a primeira vez que, como embaixador de Portugal em França, tomo parte na cerimónia que celebra a batalha de La Lys. Mas gostava de dizer que não estou aqui no cumprimento de uma rotina, estou aqui no cumprimento de um dever. Um dever de português e um dever de europeu.
Permitam-me que comece por uma nota pessoal. Há cerca de 40 anos visitei o cemitério de Richebourg, como simples cidadão. Vim à procura da memória daquela que foi uma aventura trágica de Portugal, uma aventura que, na minha cidade natal, Vila Real, se evocava todos os anos, no dia 9 de Abril. Sou conterrâneo daquele que ficou conhecido como o soldado Milhões, uma figura de que me recordo ainda de ter visto, cheio de condecorações no peito, na romagem anual ao monumento a Carvalho Araújo, também ele um herói português da 1ª Guerra Mundial, um valente marinheiro que deu a vida para salvar um navio de passageiros atacado por um submarino alemão.
A minha terra, a região do norte de Portugal, Trás-os-Montes, deu muitos dos soldados que hoje estão no cemitério de Richebourg. Homens que, na sua simplicidade, souberam honrar a farda que vestiram, apesar de serem protagonistas de uma derrota, mas uma derrota de uma guerra que ajudaram a vencer.
A História de Portugal, de que muito nos orgulhamos, e com a qual os portugueses hoje vivem uma relação de grande serenidade, é feita de momentos bons e outros maus, de vitórias e de derrotas. Mas não será por acaso que hoje somos um país independente, com fronteiras reconhecidas há oito séculos. Isso aconteceu porque muitos morreram pela bandeira de Portugal, no cumprimento das missões que lhes destinaram. Nas vitórias e nas derrotas.
O debate sobre a participação de Portugal na 1ª Guerra Mundial não está encerrado no meu país. Para além de quantos que contestam a opção do Governo republicano de se juntar aos aliados, outros entendem que o poder político não cuidou devidamente das condições em que essa intervenção se fez e que houve decisões que fragilizaram essa mesma participação. Esse debate continua e é importante que se faça. Porquê? Para que possamos responder com verdade perante todos estes mortos, perante todas estas cruzes. É nossa responsabilidade deixar clara bem a razão porque morreram.
Mas os países e os povos não devem apenas comemorar as batalhas que venceram. As derrotas fazem parte da vida, como fazem parte da História. Por isso, os homens que estão no cemitério de Richebourg, são figuras da nossa História, figuras de que nos orgulhamos, porque vieram, bem longe do seu país, defender os valores que o seu Governo entendeu dever proteger, num tempo em que era necessário defender a liberdade da Europa. Esses homens, esses soldados, seguramente mal equipados, pouco treinados e sujeitos a um ambiente muito diferente do seu país de origem, estiveram aqui a mostrar que um país a cuja metrópole a guerra não chegara era, contudo, um país que se sentia envolvido nessa guerra. E esses homens, esses soldados, lutaram e morreram, com sacrifício mas com honra, provavelmente pouco conscientes dos valores pelos quais combatiam. O que torna ainda mais digna a sua tragédia.
Ainda no século XX, Portugal veio a travar novas guerras em África, guerras coloniais, na defesa de soluções políticas que o tempo provou estarem já fora do tempo. Outros soldados aí morreram, também com honra, também com um espírito de sacrifício que todos temos obrigação de respeitar e saudar. Como há que saudar os militares portugueses que hoje estão presentes em operações de paz, em vários cenários internacionais de risco, no cumprimento de missões determinadas pelo poder político. Todos são parte da mesma continuidade de serviço público, da mesma História.
Portugal é hoje um parceiro de corpo inteiro da comunidade internacional. Os nossos interesses estão onde estiver a defesa da paz, da estabilidade e da liberdade. Fazemos parte da NATO e da União Europeia, mantemos uma política externa baseada no diálogo, mas sempre em torno de princípios que cuidamos em preservar e promover. Nos Balcãs ou em Timor-Leste, as nossas Forças Armadas são hoje um contributo inestimável para a acção externa do país. Tal como, em 1918, aconteceu com o Exército que veio para a Flandres, com os homens que aqui deixaram a sua vida e cuja memória hoje honramos e queremos preservar."
10 comentários:
As razões do Governo republicano para envolver Portugal na Guerra foi o receio de não participar na Conferência de Paz e, por isso , correr o risco de ver o império colonial "redistribuído" entre os vencedores.
O perigo era real e era recorrente, vinha de trás e continuou presente até ao fim da II Guerra Mundial.
Havia outros motivos mas este foi o determinante,
Mas o Exército Português era fraco, mal treinado e mal equipado, como afirma no post; os seus oficiais estavam ao mesmo nível de preparação; alguns deles, como Gomes da Costa, viriam a participar no famigerado 28 de Maio.
O banho de sangue da Flandres não foi a única consequência dramática: uma outra foi o sidonismo, um proto-fascismo doméstico, que instabilizou ainda mais o país e preparou, por isso, a Ditadura Militar e o advento do clerico-fascismo salazarista e as décadas negras que se seguiram.
João Antelmo
Permita-me que aplauda o seu discurso.
Honra e Glória ao Corpo Expedicionário Português.
Senhor Embaixador
As suas palavras dignificam a Diplomacia portuguesa.
Elvira Grego Esteves
Também acredito que falar de obreiros da Paz de Um País é despertar os cidadãos para os Soldados do anonimato que puseram ao serviço da Pátria o bem mais precioso... A vida.
A homenagem através da menção honrosa ao longo dos tempos é um tributo mais que justo aos Homens que nos campos de batalha da Paz defendem: a crença do cumprir o dever,Paises, Pátrias e Ideais...Penso que ajuda a mitigar, para os Actuais que ainda equacionam a validade dos resultados, a sede do Vale a Pena.
Isabel seixas
O pior sabor...
É o sabor
A nada
É passar na luta
Sem ser
Reconhecido
Por Quem e Qual...
É a Mágoa
Da perda
Nas Mães...
Isabel Seixas
Parabéns, Senhor Embaixador, pelas excelentes palavras proferidas nessa ocasião. Tenho defendido no meu blogue ENXUTO dedicado à língua portuguesa uma noção de patriotismo sem cedências â mitificação do passado (ver entrada de 9 de Fevereiro intitulada "malditos-descobrimentos: um-pais-embriagado-com-mitos-de-grandeza"). Vou chamar a atenção dos meus leitores para o seu discurso, pois exprime o meu ponto de vista melhor do que eu faria. Parabéns.
teste
Sinto-me confortado pelo facto do Embaixador de Portugal em Paris ter a noção correcta do que é o serviço da Pátria, especialmente aquele que levou ao sacrifício da própria vida. Uma coisa é a avaliação sobre as decisões dos responsáveis políticos, outra é a consideração por aqueles que mais arriscam para as cumprir, os soldados.
Não me surpreendem as posições do Embaixador do qual, aliás, tenho a melhor das impressões. Confirma-se, mais uma vez.
Loureiro dos Santos
Permita que discorde da oportunidade de evocar, naquele dia, em terra francesa regada pelo sangue português e perante as autoridades francesas, o debate em Portugal sobre a participação na 1ª guerra mundial. Há tempo para a discussão, há tempo para a celebração. Naquele dia, naquela celebração, não me parece que era o momento certo.
Lamento muito, mas entendo que a História não se faz às fatias e foi, porventura, em grande parte pelo facto da questão ter sido divisiva em Portugal que o desastre militar teve lugar. E há que dizer isto alto e bom som, em todos os lugares, até para se identificarem os culpados - que nem são só portugueses. E tudo isto, precisamente, deve ser dito quando se celebra a memória dos que morreram à sombra da bandeira - esses, sim, isentos de culpas.
Honra seja feita às palavras do Embaixador em toda a sua extensao e profundeza
Enviar um comentário