quarta-feira, janeiro 16, 2019

“Fake news” ou “wishful thinking”?


Uma edição falsa do “The Washington Post” está a circular hoje pela capital americana, anunciando a demissão de Trump. Traz em título o que muitos desejariam.

Não pode ser só ele a ter direito a dizer mentiras...

Armando Vara


A justiça portuguesa concluiu que Armando Vara cometeu vários crimes de tráfico de influências. Todas as instâncias judiciais foram unânimes, pelo que a decisão, além de inapelável, tem uma legitimidade irrecusável. Armando Vara continua a dizer-se inocente, alguns acham que a pena que lhe foi determinada pode ser algo desproporcionada, mas é óbvio que isso agora é irrelevante, atenta a unanimidade da justiça.

A nossa justiça não tinha sido, até agora, muito eficaz em matéria de crimes de "colarinho branco". Mais do que isso, o crime de tráfico de influências, que surge muito ligado à corrupção, tinha sempre passado "por entre os pingos da chuva", talvez por ter como "primo" distante a "cunha", esse arraigado hábito lusitano (e não só). Ver este tipo de crimes começar a ser punido significa um claro avanço social, um salto de modernidade e de transparência pública com que todos nos devemos congratular - todos aqueles que lutam por uma sociedade mais decente.

Armando Vara vai agora preso. É perfeitamente natural que as pessoas fiquem satisfeitas com a circunstância da justiça se ir cumprir. Mas percebo bastante menos o gozo alarve que se prende ao sentido de humilhação pessoal que se quer somar a este facto. Como se não bastasse Armando Vara ir pagar pelos crimes que cometeu, a alguns parece importante objetivar nele uma espécie de vindicta social. O que se lê por estes dias nas redes sociais e em alguma "imprensa" prova que, mais do que sentido de justiça, alguns setores da nossa sociedade vivem marcados pelo desejo de vingança - esse que é um sentimento mesquinho, típico da mediocridade humana.

A política da forma


Hoje, publico no JN, um artigo sob o título em epígrafe que pode ser lido aqui.

terça-feira, janeiro 15, 2019

Não é Thatcher quem quer


Em novembro de 1990, tive a sorte de estar presente nas galerias da Câmara dos Comuns durante o último discurso parlamentar de Margareth Thatcher. Ferida de morte pelas sucessivas traições e por erros próprios, Thatcher tinha-se tornado um peso para os conservadores. Mas a sua força, naquela sua memorável intervenção, quase que parecia intacta. Nunca suportei a arrogância de Thatcher, figura que politicamente sempre detestei. Mas a sua classe, como personalidade política, era incontestável.

Ao ouvir agora Theresa May, e sem mais comentários, só quero dizer: não é Thatcher quem quer...

Querem um conselho?

Querem um conselho? Nunca se disponibilizem para rever o texto de uma intervenção que tenham feito de improviso! Mas nunca deixem que a sua transcrição escrita seja publicada sem a reverem! Há uma imensa contradição nisto? Claro que há, mas ela é apenas produto da minha “raiva” comigo mesmo. Eu explico. É a quarta ou quinta vez que caio nesta asneira: faço uma palestra, a intervenção é gravada, alguém teve um imenso trabalho para pôr aquilo em texto e, por fim, ainda antes da publicação em livro, é-me simpaticamente pedido que faça uma revisão daquilo que disse. E é então que entro, invariavelmente, em pânico. O que me tinha parecido uma coisa que “até tinha corrido bastante bem”, foi, afinal, um chorrilho de imprecisões, de frases inacabadas, de parágrafos incompletos, de palavras mal colocadas, de concordâncias mal feitas. É assim preciso rever tudo, ao pormenor, sem o que o texto publicado com o meu nome me faria passar por uma verdadeira vergonha. E é então que recomeça a tal reescrita, que me demora - estimo eu, pela minha experiência - cerca de três vezes mais do que o tempo que gastaria se tivesse escrito o texto de raíz. Aconteceu-me isso há três meses, está-me a acontecer por estas horas. Nunca por nunca vou repetir alguma vez mais o erro de falar de improviso sabendo, à partida, que isso irá ser objeto de uma posterior publicação. E aconselho quem aqui me ler a não cometer um erro idêntico. Temos de ser uns para os outros, como se diz na minha terra, não é?

segunda-feira, janeiro 14, 2019

Segunda-feira



Jorge Palma ironizou um dia, no “Deixa-me rir!”, sobre a pessoa que “domingo sabe de cor o que vai dizer segunda-feira”. Por ter ouvido mal a letra da canção, habituei-me sempre a colocar a palavra “fazer” naquele “dizer”. E sentia-me ali retratado. É que, por muito tempo, creio que como bastante gente, aproveitei os fins-de-semana para construir imensas listas de coisas a executar na semana que se iria seguir. Só que, invariavelmente, quando na segunda-feira iniciava, com toda a boa vontade, esse rol de deveres auto-impostos, dava-me conta de que esse novo dia afinal não era um “feriado”, que ele próprio criava novas solicitações, novas urgências, choviam telefonemas, obrigando a lista tão laboriosamente feita a ir caindo num relativo esquecimento. Não raramente me senti frustrado com essa eterna incapacidade de gerir convenientemente o meu quotidiano.

Com a nova vida que a (relativa) reforma me trouxe, a minha agenda anda agora um pouco mais regular, embora muito, mesmo muito, cheia. Ontem, domingo, ao cair do dia, lá tinha feito a minha lista: vários telefonemas, uma conta a pagar, muitos emails em atraso, uns artigos por ler, um livro que me “faz falta”, etc. Eram só 34 items! Hoje acordei “de peito feito” para concretizar muitas dessas obrigações. Ora bem: acabo o dia a constatar que, afinal, quase tudo (embora não tudo) o que estava em atraso em atraso ficou.

De uma coisa tenho a certeza: no próximo fim de semana tudo se passará da mesma forma. Afinal, se há um vício antigo é que nunca desistimos de nos enganar a nós mesmos. No que me toca, porém, há uma agora substancial diferença face ao passado: não me preocupo tanto, e dou conta de que vivo feliz assim. 

domingo, janeiro 13, 2019

Uma pérola rara

Deliciem-se com esta pérola de verdadeiro delírio: ”Foram as esquerdas, depois do 25 de abril, que construíram o mito de que o Estado Novo era de direita para legitimarem o seu poder e sobretudo limitarem a legitimidade das direitas”.

Escreve isto no “Observador” João Marques de Almeida, que foi diretor do Instituto de Defesa Nacional durante o governo de Durão Barroso.

sábado, janeiro 12, 2019

Os jornais e a net

A mudança que teve lugar nos últimos anos, da leitura de jornais para a visualização dos textos na net, acabou por ter uma consequência curiosa. Ao ler um jornal em papel, só a meia dúzia de maduros passava pela cabeça enviar algo para as Cartas ao Diretor. Com a net, cada um reage de imediato nas caixas de comentários, às vezes só “porque sim”, mesmo que não tenha nada de interessante para dizer. 

A facilidade com que as redes sociais abrem espaço à espontaneidade, à reação a quente, reduz a reflexão, a maturação das coisas, simplificando e caricaturando as ideias. E aumenta o potencial de contraste de posições.

Note-se: não estou a tomar partido contra ou a favor de nada. Estou simplesmente a constatar o que me parece ser um facto.

sexta-feira, janeiro 11, 2019

“Tintin a nonante ans!”


Tintin faz agora 90 anos. Este fim de semana, por entre muita coisa que tenho para fazer, vou tentar encontrar tempo para me deliciar a rever alguns dos seus álbuns - de que, felizmente, tenho uma coleção completa, com várias versões que foram evoluindo com o tempo, ao sabor do politicamente correto. E ainda tenho imensa livralhada sobre Tintin, inclusivé um glossário das interjeições e insultos do Capitão Haddock. A “tintinofilia” é uma doença incurável.

Hergé, na criação das suas personagens, não prestou muita atenção a figuras portuguesas. Há apenas três: o professor Pedro João dos Santos, da Universidade de Coimbra, um anónimo jornalista do “Diário de Lisboa” e a melhor de todas, um português das arábias, uma figura que honra a diplomacia económica e que a Aicep, se tivesse humor e coragem, já há muito deveria ter elegido como o seu ícone: o Oliveira da Figueira, capaz de vender um par de skys no deserto do Saara.

Grande Tintin, grande Hergé! Nem pelo facto de Hergé ter sido, tristemente, um colaboracionista, lhe retira o mérito de ser um génio, a quem sou eterno devedor de muitas horas de genuíno prazer.

O bardo


Nuno Pacheco é um excelente e muito estimável jornalista do “Público”, que regularmente se dedica, como hoje uma vez mais faz naquele jornal, a zurzir o Acordo Ortográfico, apontando incoerências (algumas bem verdadeiras) por parte dos seus crescentes seguidores.

Na produção destes seus artigos monotemáticos (que, somados, já davam um livro, que quiçá seria chatote, pela repetição argumentativa), não sei se Nuno Pacheco se dá conta de que cada vez mais se assemelha àquele antigo ministro da Informação do Iraque que, a espaços, surgia por bairros esconsos da Bagdad ocupada, a afirmar, com um sorriso tão amarelo como as areias do deserto, que afinal tudo estava bem, sob controlo de Saddam Hussein, e que as tropas da potência invasora estavam “à bica” de uma derrota memorável, na “mãe de todas as guerras”. Não está, Nuno Pacheco: a guerra está perdida, como já percebeu. Aliás, ao usar hoje a expressão “só a morte é irreversível”, deixa uma subliminar e necrológica prova de que a Servilusa está prestes a assistir derradeiramente a antiga linguagem.

Posso estar enganado (e prometo não perguntar aos vários amigos que tenho lá pelo “Público”), mas tenho a sensação de que, mais dia menos dia, a Nuno Pacheco vai acabar por acontecer o destino de Assurancetourix, o bardo da aldeia de Asterix...

A bola de papel


Ontem, esteve “na moda”, nas redes sociais, ironizar sobre a ideia anunciada pelo município lisboeta de passar a punir, com multas, quem deitar periscas de tabaco ou pastilhas elásticas para o chão. Foi o bom e o bonito! Logo surgiram fotografias de sacos de lixo e carros em segunda fila, numa forma de “whataboutism” que, lá no fundo, quer dizer: “enquanto houver um carro mal estacionado, o município não tem legitimidade de nos chatear com essas regras de civilidade”, considerando-as talvez uma bizarria, como se houvesse uma qualquer prioridade temporal na observância das normas de educação e respeito social.

Lembrei-me então de algo que um dia se passou comigo na Noruega, quando para lá fui viver, em 1979. Eram as primeiras semanas da minha vida no estrangeiro e essa é talvez a razão por que fixei bem o incidente.

Eu tinha ido a uma estação de correios em Bogstadvein, perto da embaixada, levantar uma carta registada. À saída, abri ansiosamente o envelope, que logo amachuquei numa bola, ao mesmo tempo que caminhava pelo passeio. Com a atenção concentrada na leitura da carta, tenho quase a certeza de que foi deliberadamente que deitei ao chão, numa esquina, a pequena bola de papel. Continuei a andar. Uns segundos depois, ouvi a voz de uma mulher dizer algo alto, em norueguês. Era para mim. Tratava-se de uma senhora bastante idosa, a quem devo ter retorquido com uma interjeição qualquer em inglês, talvez “what?”. E foi também em inglês que ela me respondeu, entregando-me a bola de papel, como se de algo valioso se tratasse: “Deixou cair isto. É seu”. Fiquei “passado”! 

Aprendi a lição. E tenho absoluta certeza de que, nestes quase 40 anos que passaram desde esse dia, nunca mais deitei um papel ao chão numa rua.

quinta-feira, janeiro 10, 2019

Crise protocolar


Às vezes, sinto-me tentado a contar por aqui algumas histórias “proibidas”. Tenho mesmo uma lista de algumas. Parte delas são, porém, eternamente interditas à partilha. Ou porque poderiam pôr em causa pessoas que o não merecem (e não fazê-lo é uma regra que nunca infringirei) ou porque relevam da confidencialidade devida às funções oficiais que ocupei ou, muito simplesmente, porque fazê-lo trairia a confiança daqueles com quem partilhei certas ocasiões. Há ainda aquelas historietas que ficam numa espécie de “zona cinzenta”. Esta é uma delas.

A que hoje vou contar, e que só a mim compromete, foi perdendo o seu caráter sensível com a passagem do tempo. E hoje, creio, já pode ser revelada.

Estávamos no mês de janeiro de 2008. O Cônsul-Geral de Portugal no Rio havia decidido organizar um jantar de gala, com fins de beneficência, no Palácio de São Clemente, a sua bela moradia no Botafogo, que já foi embaixada de Portugal, quando a capital era no Rio de Janeiro.

Havíamos conseguido fazer deslocar propositadamente de Brasília para o evento, que envolvia uma imensidão de gente, o vice-presidente da República e a sua mulher, José Alencar, uma pessoa com quem eu teria, até à sua morte, uma boa relação de amizade. O jantar seria co-presidido por ele e por mim.

Fomos de Brasília para o Rio na manhã do dia do jantar. Para não sermos “pesados” numa casa que estava numa polvorosa organizativa, decidimos hospedarmo-nos por uma noite no hotel Pestana do Rio. Passei uma bela tarde a ler na varanda, com vista sobre a Avenida Atlântica e, já bastante em cima da hora do jantar, e apenas por um mero acaso, deitei um olhar pelo elaborado convite que havia sido desenhado para a ocasião... e entrei em choque!

O convite dizia que o jantar era de “smoking” e eu só tinha trazido um fato escuro. Era absolutamente inadequado (Álvaro Cunhal fazia-o sempre nos jantares da Ajuda, mas eu não era Cunhal) ocupar um lugar de honra com o vice-presidente do Brasil, com este vestido a preceito e comigo a envergar um traje “um furo abaixo” daquele que a ocasião exigia. Estávamos em cima da hora: já não havia tempo para alugar um “smoking”. Que fazer?

Só havia uma solução: “adoecer”. Pretextando uma grave crise digestiva, faltei ao jantar, pedindo ao Cônsul-Geral, não só que me substituísse, mas que pedisse por mim desculpa à importante figura de Estado presente. E, à hora em que a “fina flor” do Rio dava entrada na festa para a qual tinha pago uma boa quantia, porque destinada a uma instituição de caridade, estava eu, com a maior discrição, a jantar num ignoto restaurante nas imediações do Pestana, esperando que ninguém me reconhecesse.

A minha “doença” iria ter uma outra consequência negativa, também de vulto. Para o dia seguinte, eu tinha comprado um bilhete para ir ver, no Maracanã, um Fla-Flu, um jogo do Flamengo contra o Fluminense, uma histórica partida de futebol, a que sempre tinha sonhado assistir. Ora, “doente” como eu estava, tendo mesmo nessa manhã havido um simpático telefonema da mulher de José de Alencar para a minha, a inteirar-se do meu estado de saúde, estava fora de causa poder vir a assistir ao prélio na “catedral” brasileira do futebol. E lá regressei ao final da tarde a Brasília, cabisbaixo, onde, nas horas e dias seguintes, recebi vários simpáticos telefonemas de gente da comunidade portuguesa e do “social” carioca a enviar-me votos de melhoras. 

Devo dizer que, a partir deste incidente, passei a ter uma maior atenção com os cartões de convite. Mentir socialmente é uma arte que todos aprendemos na vida diplomática, mas há ocasiões em que, de facto, mesmo sem estarmos doentes, nos sentimos bem mal. Foi o caso.

O Brexit que aí vem


Nada indica que a votação que, daqui a dias, terá lugar no parlamento britânico, para tentar ratificar o acordo entre Londres e os “vinte e sete”, para uma saída negociada do Reino Unido da União Europeia, venha a ter um resultado favorável a tal acordo. Pelo contrário, todos os sinais apontam em sentido inverso. Uma surpresa seria, contudo, muito bem vinda.

O governo de Theresa May, criado para “pilotar” o Brexit, não terá sido capaz de sustentar uma frente que lhe permita agora validar internamente o esforço negocial. Com isso, fica a ideia de que vai também para o lixo todo o excelente trabalho conduzido pela equipa chefiada por Michel Barnier, que obteve aquilo que seria um magnífico resultado ... se o Reino Unido viesse a aprovar o acordo.

Todo o esforço negocial terá sido, assim, em vão? Não creio. Voltemos um pouco atrás, ao tempo que sucedeu ao referendo que desencadeou o Brexit. Lembremo-nos do sentimento de quase pânico que atravessou então a Europa, levando a histéricas e pouco prudentes declarações de vários responsáveis, colando a vontade democrática de Londres a uma espécie de traição, adjetivada ao absurdo e ao quase insultuoso. Os mercados, interpretando esse desvario, deram então sinais de forte instabilidade e de tensão. Depois, acalmaram. Com o tempo, o trabalho da equipa de Barnier terá sido capaz de decompor a nova realidade, segmentá-la e, na medida do humanamente possível, medir o essencial do que estava em causa “nos papéis do divórcio”. E os mercados sabem isso.

Hoje, perante a perspetiva de um Brexit sem acordo, embora seja inevitável que algum nervosismo possa vir a atravessar de novo os meios económicos, parece que ninguém acredita que isso possa ser o fator desencadeador de um pânico em cadeia, de consequências catastróficas. O trabalho negocial terá tido o interessante mérito de permitir antecipar certos efeitos, pelo menos no que toca aos “vinte e sete”. Muito menos claro parece ser o cenário para o próprio Reino Unido, que inevitavelmente vai entrar num mundo novo e imprevisível. 

A gestão do que aí virá não vai ser fácil. O bom senso aponta para que, a um eventual vazio negocial, não venha a somar-se uma acrimónia irresponsável, de ambos os lados. É do interesse comum que, perante um provável impasse, se recomece de imediato o trabalho entre as partes, tentando criar pontes onde for possível estabelecê-las. Os vizinhos não saem do sítio e, com ou sem Brexit, o Reino Unido é um vizinho próximo com que teremos de nos entender.

quarta-feira, janeiro 09, 2019

Chirac e os “embaixadores da Europa”

Há dias, li uma notícia que dava conta de que o representante diplomático da União Europeia junto dos Estados Unidos tinha sido “downgraded” no protocolo de Washington: a partir dos últimos meses do ano passado deixou de ser convidado para certas cerimónias e o seu lugar na ordem protocolar foi “baixado” para o fundo da tabela, colocado em conjunto com algumas estruturas multilaterais de nível muito inferior.

Depois do Tratado de Lisboa, com o surgimento da “personalidade jurídica” internacional da União Europeia, os seus delegados, oriundos do Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE), passaram a ter o estatuto de chefes de missão diplomática, exatamente a par com os embaixadores dos Estados membros. A sua aceitação está hoje generalizada um pouco por todo o mundo e é vista como incontroversa, pelo que esta atitude americana foi interpretada como uma óbvia provocação, fruto da acrimónia existente na administração Trump face à UE.

A representação externa da União, que passou a congregar no SEAE quadros oriundos da Comissão Europeia, do Secretariado-Geral do Conselho e dos Estados membros, alterou significativamente o modelo de representação externa da União, anteriormente limitado às delegações técnicas da Comissão. Estas últimas tinham um estatuto algo híbrido, mas de nível diplomático formalmente baixo. Não obstante, em especial em Estados muito dependentes da ajuda comunitária (e não são tão poucos como isso), a importância local do delegado da Comissão, por quem passavam muitas das ajudas financeiras, era imensa. Não raramente, eram tratados como “embaixadores” e, embora não o sendo, nunca dei conta de que algum recusasse ser considerado como tal...

O que agora se passa. em Washington trouxe-me à memória um episódio, ocorrido em 2000. Eu tinha ido a Paris com António Guterres, no quadro da presidência portuguesa da UE, para um almoço de trabalho no Eliseu, com o presidente Jacques Chirac. Era amplamente sabido que, para Chirac, a Comissão Europeia era uma espécie de “bête noire” europeia: a sua autonomia, os seus poderes e a liberdade de atuação que crescentemente assumia nos assuntos comunitários eram algo a que uma certa França, sempre muito ciosa da sua soberania, e que Chirac bem representava, tinha horror.

Num certo momento da conversa, Chirac contou a Guterres que tinha ido um dia a um país africano e que, na “receiving line” das personalidades que o esperavam à saída do avião, ouviu a certa altura alguém apresentar-se: “Eu sou o embaixador da Europa”. Chirac, contou-nos o próprio, estacou, olhou o homem do alto do seu 1,90 m, e retorquiu-lhe, em voz bem forte e sonante, por forma a ser bem ouvido em redor: “Você não é embaixador de nada! Você é apenas um funcionário nosso”. O efeito sobre o delegado da Comissão deve ter sido grande, pelo seguinte comentário de Chirac: “Nem imaginas, António, como o homem ficou! Estava tão pálido que eu receei que desmaiasse...”

Quando li a notícia sobre a “bofetada” protocolar dada agora pelos americanos ao representante diplomático europeu, não consegui deixar de pensar que, se acaso o estado de saúde de Jacques Chirac o não impedisse hoje de estar a par do que quer que se passe pelo mundo, seguramente que sorriria imenso perante estes revés da política centralizada em Bruxelas, que nunca lhe agradou.

O Brexit que aí vem


Pode ler aqui, o texto que hoje publico no JN.

terça-feira, janeiro 08, 2019

As gravatas de Sobel


Ontem, num site americano, li que Clifford Sobel foi nomeado como consultor de Trump para a área dos serviços secretos. Pensei para mim: o nome “rings a bell”. Fui ver ao Google e lá estava: tinha sido antigo embaixador no Brasil.

Um dia de 2008, em Brasília, o novo embaixador americano, que acabara de chegar e eu ainda não conhecia, pediu para me ver. Chamava-se Clifford Sobel. Na prática diplomática, os embaixadores que arribam aos postos fazem uma visita de cortesia a alguns dos seus colegas. Não a todos, como é óbvio, mas àqueles que podem ter maior importância para o seu país ou para o país onde estão acreditados. Portugal, no Brasil, é um desses países.

Mandei dizer que, ao invés de uma reunião no escritório, tinha muito gosto em convidá-lo para almoçar. Na volta, mandou perguntar se podia trazer a mulher, ao que naturalmente anuí. Era um homem simpático, um “businessman” feito diplomata (já o tinha sido na Holanda), com um sentido de conversa muito prático. A senhora era também muito agradável, parecendo-me quase tão profissional como o marido. (Vim depois a apurar que ela fora uma importante “fundraiser” da campanha de George W. Bush). Para a mesa, para minha grande surpresa, o embaixador levou um caderno. Mas a surpresa ia ser ainda maior: a mulher levava outro caderno. O almoço teve alguma graça. Fui sujeito a uma bateria de perguntas, com base de notas que traziam, por parte de ambos os membros do casal, essencialmente sobre a vida política brasileira: se A era mais importante do que B, quem mandava aqui ou acolá, quem seria corrupto ou honesto, a orientação política de vários importantes jornalistas, etc. 

“Disseram-me que você sabe tudo sobre a vida política deste país”, justificou ele, elogioso. Lembro-me de lhe ter dito que, como todo o diplomata num posto no exterior, eu estava de facto a chegar ao ponto em que começava a achar que já sabia bastante da realidade local - momento perigoso que passava a recomendar a minha mudança de posto, porque, quando estamos convencidos de que sabemos quase tudo, deixamos de ver o que chega de “novo”. Não é por acaso que, em regra, todos os diplomatas mudam ao final de quatro ou cinco anos. Eu próprio iria sair meses depois.

Porque pensava que a conversa com o meu novo colega americano e a sua mulher ia ser social, tinha convidado para o almoço a jornalista Maria João Avillez, que estava de passagem por Brasília, e que me recordo ficou siderada pelo verdadeiro “exame” político a que fui sujeito.

A saída, preguei a Clifford Sobel um leve “susto”: perguntei-lhe se gostava de gravatas. Tendo ele dito que sim, que gostava muito, aconselhei-o a não dizer o seu nome se entrasse numa loja brasileira para comprar gravatas. Perplexo, perguntou-me porquê. Expliquei-lhe que o mais importante rabi brasileiro também se chamava Sobel e, cerca de um ano antes, fizera capa de todos os jornais brasileiros, com fotografia, por ter sido preso por roubar cinco gravatas na Louis Vuitton... precisamente nos Estados Unidos, tendo sido obrigado a demitir-se das suas funções religiosas. 

Os embaixadores americanos saíram de minha casa algo pensativos...

segunda-feira, janeiro 07, 2019

Soares


Ainda vamos a tempo de lembrar que, faz hoje dois anos, ficámos sem Mário Soares.

domingo, janeiro 06, 2019

Nancy Pelosi


Como previsto, Nancy Pelosi foi eleita presidente da câmara dos deputados nos EUA. Hoje com 78 anos, havia sido, em 2007, a primeira mulher a exercer aquele cargo. A partir de agora, ela vai comandar de novo a maioria democrática na chamada Câmara dos Representantes, tornando-se assim na principal figura da oposição a Donald Trump.

Há cerca de duas décadas, um destacado político português teve um encontro com Pelosi, numa audiência na Câmara dos Representantes. Numa conversa, perguntei-lhe a impressão que ela lhe causara: “Muito inteligente. E rápida, no raciocínio. Pode ir longe!”. Quando eu pensara que o perfil daquela figura política estava desenhado, fui surpreendido: “E muito bonita! Você não imagina o charme dela!”. O nosso político vinha deslumbrado.

sábado, janeiro 05, 2019

Parabéns, Ministro !


Meu Caro João

Dignifica-o, e dignifica muito o governo a que pertence, ter tido a atitude de cidadania de vir a terreiro denunciar a gravidade daquilo que a TVI fez - e que aquele canal assume ser uma deliberada opção editorial -, dando espaço à voz de um sujeito inqualificável, oferecendo-lhe um palco para promover miseráveis ideias que, quanto mais não fosse, flagrantemente contrariam a ordem constitucional em que livremente vivemos.

Os democratas não devem nunca retrair-se de promover a saudável denúncia de tudo quanto possa pôr em causa a liberdade das suas sociedades. Isto torna-se especialmente importante nestes tempos em que algum primarismo argumentativo, que sempre nos tínhamos habituado a ouvir apenas na boca de alguns marginais da política, surge, em várias partes do mundo, titulado por culturas de medo, ódio e preconceito. É que, por cá, como por aí se observa numa fauna que escrevinha em elegantes colunas ou em javárdicas redes sociais, essas mesmas teses fazem também o seu caminho, com loas mais ou menos subliminares aos “ontens que cantaram”. Denunciá-las a tempo é uma obrigação.

Que nunca as mãos lhe doam, meu caro João e nosso ministro da Defesa - que também é a defesa da democracia. Fez muito bem em vir a jogo! Quem não se sente não é filho de boa gente - e você é-o.

Com um solidário abraço do 

Francisco

sexta-feira, janeiro 04, 2019

Vai dormir bem, Joana Marques Vidal?


Há mais de três anos, publiquei aqui um post onde, a certo passo, dizia isto:

Ontem, porém, abriu-se um capítulo novo e a coscuvilhice sobre processos envolvendo figuras mais ou menos famosas foi bastante mais longe, ao termos assistido às incríveis imagens televisivas de Miguel Macedo e Manuel Palos a serem interrogados por uma procuradora. Por mim, ao ver aquilo, senti-me enojado e triste, com um sentimento de vergonha pela justiça do meu país - e não é por acaso que hoje não uso maiúscula para a qualificar. Não conheço nem nunca falei com Miguel Macedo, figura política que, tanto quanto sei, não suscitará uma polarização pública de simpatia/antipatia como é o caso de José Sócrates. Quero com isto dizer que, salvo a menina do CMTV que logo cuidou de avisar que se tratava de imagens "de interesse público", o país não vai acordar amanhã com grupos de cidadãos a defender os autores destes novos "leaks", talvez apenas alguns "jornalistas" amigalhaços, à espera de também serem usufrutuários futuros destes comportamentos miseráveis. Por isso me pergunto se isto ficará "assim", uma vez mais.”

A pergunta que coloquei teve uma resposta: que se saiba, ninguém da Procuradoria-Geral da República, onde o processo estava em segredo de justiça, foi punido por aquela quebra do mesmo. Como é costume.

Miguel Macedo e Manuel Palos, tal como outros, foram hoje considerados inocentes dos crimes que lhes eram imputados. Passaram, entretanto, eles e as suas famílias, quatro anos de humilhações públicas, com o primeiro a ser politicamente afetado de forma quase irreversível e o segundo, uma pessoa que conheci na minha vida oficial e que sempre tive na melhor conta, a ter de atravessar uma situação profissional terrível, depois de ser afastado de um cargo público importante a que tinha ascendido por mérito próprio. A vida de ambos mudou para sempre, nestes quatro anos, e não para melhor.

A pergunta que agora faço também tem a ver com responsabilização: ninguém paga pelo que fizeram a estes dois cidadãos? Quem os acusou, pelos vistos sem o menor fundamento, quem pôs o seu nome (e a sua cara, em fotografias e dias inteiros de imagens televisivas) na lama, sai disto sem ter de responder perante ninguém? Será por este tipo de coisas que o Ministério Público quer ter uma maioria de pessoas da corporação no seu Conselho Superior? Joana Marques Vidal vai dormir bem esta noite?

Geórgia à espreita, Ucrânia à espera

Ver aqui .