Foi Churchill quem cunhou a expressão “the finest hour”, para designar esse tempo
em que, com estoicismo e sacrifício, o povo britânico ajudou a vencer a barbárie
nazi. Nos dias que correm, por mais auto-convincentes que os discursos de Westminster possam parecer,
este é um tempo muito menos
glorioso e bastante mais temeroso. Embora, para a Europa em geral, também esteja longe de ser um bom momento.
A entrada do Reino Unido para a Europa comunitária, de que a França seria o principal
objetor, representou um gesto de pragmatismo político, levado a cabo por uma
classe dirigente que percebia que o país tinha tudo a ganhar, pelas oportunidades que isso trazia ao
seu pendor globalista
« avant la lettre », com a integração num clube que se projetava de forma
crescente no cenário internacional. “Se não os podes vencer”, através de uma EFTA débil, “junta-te a
eles”. Foi uma adesão pragmática, com os meios industriais e financeiros por
detrás, mas que, há que reconhecer, teve um assumido pendor
oportunista.
Não
obstante o referendo consagrador da adesão, a opinião pública britânica deu
sempre sinais de uma grande
reticência face ao projeto europeu. Nisso foi, em permanência, seguida e
estimulada por uma imprensa que diabolizou cada passo integrador, visto como usurpador da
sacrossanta soberania das instituições da ilha. Os políticos, poucos dos quais ousaram enveredar por um proselitismo mobilizador em favor do
projeto europeu, acabaram grande parte das vezes por se colar ao euroceticismo que sempre foi o “politicamente
correto” dominante
no país.
Claro que houve exceções,
períodos em que certas figuras políticas se mostraram de pendor mais europeísta. Mas isso foi sempre
sol de pouca dura, num ambiente em que quase já se não estranhava que a imprensa
tablóide apelidasse
de
“federastas” quantos se mostravam favoráveis ao projeto integrador.
Para o Reino Unido, desde o primeiro momento, viveu-se uma batalha de permanente disputa
com Bruxelas, vista como fonte de todos os males e vícios, de onde os seus dirigentes
regressavam sempre tentando bramar vitórias,
fosse no “rebate” financeiro compensatório, fosse na obstrução aos avanços nos
tratados. Os governos ingleses, hipocritamente, iam-se calando quando a sua
imprensa clamava contra as “ingerências” legislativas de Bruxelas, fazendo
esquecer que esse acervo se foi criando sob os olhos e o voto complacente dos seus representantes,
à mesa dos conselhos de ministros.
Margareth Thatcher foi a cara mais evidente do confronto aberto com Bruxelas, numa atitude popular (e populista) que contrastou, com êxito, com a imagem de europeísmo
envergonhado, e
quase culpabilizado,
de seus antecessores, de Edward Heath a James Callagham, com Harold Wilson dividido. John Major seguiu-a e clamou “game, set
and match”, quando regressou de Maastricht com o grande « opt out » de uma vitória
que foi pírrica.
Só Tony Blair viria a mudar um pouco o tom, pretendendo mostrar aos britânicos que uma nova Europa
podia ser criada sob forte influência britânica. O líder trabalhista contava com o alargamento
ao Centro e Leste europeu, que Thatcher já favorecera, como um fator diluidor
da temida homogeneidade da
Europa continental, para o que jogava também com o peso da « special relationship »
com Washington. Estava certo nisso no plano político, como ficou patente na « carta
dos oito » na crise do Iraque, mas a sua ambição vivia desligada da realidade essencial dos equilíbrios
intracomunitários. E a sua progressiva debilitação interna não permitiu que Londres fosse
colocado no « the heart of Europe », como proclamava.
Depois, foi o que se viu. Gordon Brown foi um parêntesis, Cameron um
irresponsável ponto final, bem pouco glorioso. Theresa May tem agora uma tarefa
quase impossível.
Como europeu, deste lado da Mancha, só posso desejar que, no fim do jogo,
Londres venha a ter saudades de Bruxelas. As boas lições, as mais das vezes,
saem caras.