sexta-feira, junho 08, 2018

Que Espanha vem aí?


Lá pela "nossa vizinha Espanha", ou pelos "nuestros hermanos", expressões do jornalismo sem imaginação, há agora um novo governo. É um executivo de oportunidade, no mais puro sentido do termo. Alguns, críticos, dirão mesmo que é um governo que cavalga uma onda política oportunista, e até podem ter alguma razão. Mas é o governo de Espanha e isto, para o país co-ocupante da península, é sempre a forte realidade com que há que contar.

A Espanha é um corpo político imensamente complexo e mutante. Incomparavelmente mais complexo do que Portugal, com uma dinâmica de mudança muito maior do que neste lado da península. Mantém, dentro de si, fatores potenciais de divergência muito fortes, parte dos quais ligados à sua heterogeneidade regional, outros fruto de clivagens sociais e políticas que, tendo raízes históricas profundas, devemos resistir sempre a ler viciadamente sob essa luz. 

Por isso, mais do que estar a "cavar" insistentemente nos referentes do antecedente, julgo que, para um país como Portugal, interessa olhar de frente para a Espanha contemporânea e tentar nela identificar os elementos que, no tempo mais recente, podem vir a ser os "drivers" do futuro do país, porque são esses que podem ter implicações importantes sobre nós.

No plano do novo arranjo governativo, há que notar ter havido uma preocupação no sentido de dar um sinal à Europa de que, naquilo que releva dos compromissos assumidos, Madrid seguirá "business as usual". No fundo, trata-se de seguir o bom exemplo de Lisboa, local onde, às vezes, a Espanha, sem o admitir, se inspira para alguns dos seus passos internos. 

Nesse terreno europeu, há, contudo, uma interrogação que persiste: será que o PSOE teve tempo e arte para negociar, como foi feito na Geringonça, que alguns companheiros de percurso se comprometessem a "olhar para o lado", enquanto o realismo prevalecia? É que, do que se conhece do compromisso político obtido por Pedro Sánchez, fica a ideia de que a “pressa” em tirar o PP do poder sobrelevou o cuidado no detalhe, o qual, contudo, pode ser a chave do sucesso, ou não, da governação futura. A Espanha tem uma importância no quadro europeu que não se compadeceria com atitudes equívocas neste âmbito, particularmente num tempo em que a Itália é já uma dor de cabeça maior e suficiente.

Olhando a composição do novo governo espanhol, e seguindo quantos conhecem os novos ministros, fica a sensação de que Sánchez quis desenhar um executivo forte, com nomes testados em setores vários, como que a compensar a sua própria inexperiência governativa. Ao ler-se esses comentadores, a impressão global que ressalta é francamente positiva. 

Restará saber se este governo terá a solidez política para enfrentar os embates que aí vêm, seja nas delicadas tensões autonómicas, seja nos sensíveis impactos sociais das restrições ditadas pelos compromissos em Bruxelas. No primeiro caso, há uma incógnita enorme: que terá Sánchez prometido a algumas autonomias que possa tê-las levado a dar luz verde à sua indigitação? O que dirá a nova Moncloa a Barcelona? No segundo caso, o primeiro teste ao novo presidente do governo vai ser a questão do orçamento, matéria em que o PP, numa “révanche” muito politiqueira, já se afastou da posição que assumira enquanto ainda governo.

Em Santa Cruz – expressão com que, nas Necessidades, designamos o palácio homólogo em Madrid -, Portugal cruza-se com uma cara nada estranha, um ministro de Filipe Gonzalez, o catalão Josep Borrell. Antigo presidente do Parlamento Europeu, e bem nosso conhecido – recordo-me que foi um difícil negociador da questão do regime dos rios peninsulares, que só se fecharia com um governo PP... -, Borrell é aquilo a que os anglo-saxónicos chamam “a safe pair of hands”, isto é, alguém a quem a diplomacia espanhola pode ser entregue com toda confiança. Competente, sabedor, consciente de todos os riscos. Uma caução de responsabilidade num governo que vai estar sob constante prova. E a que só podemos desejar felicidades, até porque é na prosperidade da Espanha que reside grande parte da nossa sorte – no sentido de destino, claro.

Bourdain e Les Halles


Morreu Anthony Bourdain. Bem novo. Era uma figura simpática e culta que nos surgia nos programas sobre culinárias do mundo, apresentados na CNN. Não lhe seguia minimamente o gosto por novas e exóticas experiências gastronómicas, mas apreciava o modo sábio e descontraído como convivia, simultaneamente, com a simplicidade e a sofisticação. Já tinha lido o seu famoso “Kitchen Confidencial”, que tinha acabado de sair, quando fui viver para Nova Iorque. E, mal lá chegado, fui logo, nos primeiros dias, almoçar ao seu “Les Halles”, uma “brasserie” não muito cara e com uma bela carne, situada na parte menos “trendy” da Park Avenue. Leio agora que faliu, há menos de um ano. Para além de pessoas, morrem-me cada vez mais mesas.

(Dois amigos, que creio que não usam o facebook, falaram-me hoje do “Les Halles” pronunciando “lèzales”. Ora bem: em francês as duas palavras leem-se separadas e não se ligam. Não tive coragem de notar-lhes isso. Recordo-me de um político português a quem, um dia, em Paris, expliquei que o nome do antigo presidente francês não era “françoázolande” e que esse seria o nome de uma “prima” dele, presidente, que acaso se chamasse Françoise... Não me pareceu ter apreciado excessivamente a correção.)

Carlucci


Há dias, uma televisão convidou-me a dar um testemunho, por ocasião da morte de Frank Carlucci, o embaixador que os americanos enviaram para Portugal, alguns meses depois do 25 de abril. Agradeci, mas não aceitei. 

Faço parte de uma geração que, por algum tempo, viveu com a imagem regular de Carlucci na nossa (à época única) televisão. Aquela figura de rictus estranho, com umas patilhas de forcado, foi então uma espécie de vedeta nacional. Eu já era diplomata e tenho bem presente a sua importância na sociedade política portuguesa. 

Segundo alguns historiadores, Carlucci terá convencido o chefe da diplomacia do presidente Nixon, Henry Kissinger, de que a deriva revolucionária portuguesa, subsequente ao 25 de abril, não condenava necessariamente o país a converter-se numa república socialista radical, que este via como uma espécie inevitável de “vacina” para a Europa ocidental. Para o embaixador, havia a opção de apoiar os líderes dos partidos moderados, tentando, com a ajuda de regimes pluralistas europeus, promover a instauração da democracia no país. O facto de isso ter assim sucedido é tido por muitos a crédito de Carlucci.

Por este facto, Carlucci transformou-se, aos olhos de alguns, num “herói” da democracia portuguesa, uma espécie de “santo padroeiro” do 25 de novembro. E os descendentes políticos dessa gratidão apresentaram, na Assembleia da República, votos (diferenciados) de pesar pelo passamento do político americano. Esse voto tem de ser respeitado. Quero, porém, deixar aqui claro que, se acaso fosse deputado, não me teria associado a ele, abstendo-me ou saindo da sala. Porquê? Porque não aplaudo cínicos.

Frank Carlucci apoiou os democratas portugueses, não pelo sentido humanista decorrente de uma opção a favor da vida política em liberdade no nosso país, mas exclusivamente porque esse era o interesse geo-estratégico americano de ocasião. Mas não será isto um preconceito? Não creio. Em outras ocasiões, a História prova que o mesmo Frank Carlucci deu apoio, claro e deliberado, a golpes políticos conducentes à instauração de ditaduras e regimes opressivos noutras partes do mundo. Com orgulho declarado e sem o menor remorso.

Aliás, não é necessário ir muito longe para constatar essa duplicidade: a mesma administração americana que enviou Carlucci, para substituir um diplomata que não tinha “visto chegar” a Revolução cujas consequências pretendia combater, era precisamente a que até então se mostrara plenamente confortável com o regime ditatorial de Marcelo Caetano.

Desejo assim que Carlucci descanse em paz. Nada mais.

quinta-feira, junho 07, 2018

Catwalk


Ontem, numa conversa com alguém que foi modelo até há pouco tempo, perguntei por que diabo as modelos fazem sempre uma cara ”grave”, quase zangada e muitas vezes triste, sem um sorriso, ao desfilarem nas passerelles.

A resposta confirmou um rumor que eu já ouvira, mas que não tinha a certeza de ser verdade. Salvo em situações excecionais, é pedido às modelos que não sorriam porque isso poderia distrair quem vê a passagem de modelos do objeto em que se pretende que atenção esteja concentrada: o vestuário.

Ele há cada coisa!

quarta-feira, junho 06, 2018

Jorge Jesus


Não gostei da escolha de Jorge Jesus para treinador do (meu) Sporting. E disse-o então por aqui. Embora tivesse dele a imagem de alguém que sabia bastante de futebol, o seu estilo e o seu perfil público pareciam-me “casar” demasiadamente bem com a figura que titulava a direção do clube - aquele cromo inenarrável que um dia nos saiu na rifa e cujo nome não grafo aqui. Não me enganei em relação ao jaez não classificável deste último. Mas falhei redondamente quanto a Jorge Jesus. Por um lado, não é tão bom treinador quanto eu pensava: construiu um plantel a seu gosto, o mais caro do país, mas deu-lhe um aproveitamento apenas sofrível (mesmo descontando as culpas alheias dos últimos tempos). Mas, por outro, no seu jeito simplório e com a expressão oral limitada que é a sua, revelou ser uma muito respeitável figura humana, com grande dignidade no comando técnico da equipa de um clube “ao deus dará”. Não conheço pessoalmente Jorge Jesus, mas fiquei com uma grande consideração por ele. E só lhe quero desejar a maior sorte na sua vida profissional futura.

terça-feira, junho 05, 2018

O lugar de Portugal


Foi hoje divulgado que quase metade dos alunos não sabe apontar o lugar de Portugal num mapa. 

No pressuposto (improvado) de que os respetivos pais conseguem fazer essa “proeza” e de que têm pena que tal aconteça com os seus ignaros rebentos, não lhes ocorreu ainda a ideia, muito simples, de comprar lá para casa um globo com os nomes dos países? É que “poupa” imenso o Google e estimula a curiosidade.

segunda-feira, junho 04, 2018

Quem não sabe...


... é como quem não vê, sempre ouvi dizer. Ontem, no Museu da Cidade, tive oportunidade de recordar a grande verdade por detrás desta expressão.

Há muitos anos, na casa de um tio para a qual fui viver quando vim estudar para Lisboa, havia um album fotográfico sobre Lisboa. Estava sobre a mesa de uma sala e recordo-me bem de, ao folheá-lo, ter uma sensação estranha. As fotografias eram sobre pessoas de Lisboa, tiradas em diferentes cenários, especialmente em bairros populares. Eram caras e casas que, contudo, estavam retratadas de um modo que então me não era “confortável”. Nalgumas imagens havia um excesso de exposição, noutras desfocagens e enquadramentos que me pareciam descuidados, também duplas imagens e coisas assim - isto é, precisamente o contrário daquelas fotos “certinhas”, muito SNI, das varinas a fadistas, de degraus de escadas a janelas a emoldurar caras com que a Lisboa a-preto-e-branco nos era regularmente apresentada.

Na altura, confesso, o álbum não me impressionou. Ou melhor, deixou-me uma impressão estranha. Porque o não percebi, porque a minha cultura estética não estava preparada para o entender. 

Alguns anos mais tarde, o livro veio parar-me de novo às mãos e, confesso, foi um deslumbre. O caráter quase “subversivo” das imagens, precisamente porque desviantes face à “caricatura” oficiosa da capital, davam-lhes uma luz nova, uma perspetiva muito mais rica. Foi só então que também li o livro, porque nele não há só imagens, há também magníficos textos de autores consagrados da literatura - alguns dos quais escritos propositadamente para aquela edição. De 1959!

Agora, o Museu da Cidade, reapresenta o livro, “Lisboa, Cidade Triste e Alegre”, da autoria dos arquitetos Victor Palla e Costa Martins, através de uma exposição que realça algumas das suas imagens mais marcantes e nos ajuda a melhor contextualizar a sua conceção. Ontem, ganhei o dia!

domingo, junho 03, 2018

Jacarandás


Deve ser do tempo “manhoso” (como dizia a minha mãe) que faz por aí que os jacarandás só agora estão a ficar mais bonitos. Aqui fica uma fotografia da dom Carlos, com o conjunto mais completo de Lisboa.

Cara nova


O (meu) JN sai hoje à rua com uma imagem renovada, mais apelativa e serena.

Também o “Notícias Magazine”, distribuído com o jornal e com o “Diário de Notícias”, tem uma nova apresentação gráfica e uma estrutura diferente.

Felicidades aos três!

Heysel


Há pouco, ao ver o pacífico Bélgica-Portugal no estádio Rei Balduíno, em Bruxelas, tive um pressentimento e fui ao Google. O meu pressentimento estava certo: de facto aquele era o estádio Heysel, onde, em maio de 1985, tinham morrido esmagadas quatro dezenas de pessoas e muitas centenas haviam ficado feridas, entre os adeptos da Juventus e do Liverpool, no final de uma taça europeia.

Eu vivia então em Luanda. No 14° ou 15° andar do “prédio do livro”, em casa da Élia Rodrigues, adida comercial da embaixada, tinhamo-nos juntado, numa jantarada de amigos, para ver o jogo, num aparelho pequeno, a preto e branco. O elevador estava avariado e nós, com calma (e com outra idade) lá tinhamos subido a pé todos aqueles andares. Nada de raro, numa Luanda onde o arranjo dos elevadores estava bem no fundo das prioridades locais. Já com os bofes de fora, desaguámos na casa da Élia, onde umas cervejolas acabaram por atenuar o esforço. 

Diga-se que cerveja e whisky, e muitas vezes gin, eram o nosso “alimento” líquido nesses encontros, entre muita conversa solta e saudável amizade. Assim nos compensávamos, por umas horas, de um quotidiano tenso, numa cidade sitiada, com recolher obrigatório, quase sem comércio ou restaurantes, um zero na oferta cultural. Valia-nos assim o frequente convívio, onde partilhávamos o que, com dificuldade, conseguíamos arranjar para o nosso sustento diário. Paradoxalmente, visto de agora, foi um belo tempo.

Recordo-me que, nessa noite, não tivemos a dimensão da tragédia que tinha ocorrido em Heysel. As pobres imagens televisivas reproduzidas pela TPA, sem jornalismo adequado, não deram conta clara do que se passava. Só a audição da ”onda curta” da BBC World Service e, dias depois, a chegada pela “mala diplomática” dos jornais internacionais, deu para nos apercebemos melhor do acontecido.

Uns anos mais tarde, em Bruxelas, passei junto ao estádio. Estava fechado (esteve-o, creio, muitos anos), parecia ter-se convertido um memorial àquilo que acontecera no seu seio. Depois, terá sido recuperado. 

Ontem, Portugal empatou por lá com a equipa da casa. Ao ver os apoiantes das seleções, com muitas crianças à mistura, num ambiente sereno, tive pena das bancadas dos nossos estádios, ajavardadas pelas claques, sempre numa vertigem sectária de violência. As lições de Heysel e de outras tragédias ainda não foram aprendidas por aqui.

sábado, junho 02, 2018

Os limites da criatividade


Ao final da noite de hoje, um amigo crédulo - e socialista, o que não é sinónimo - dizia-se esperançado em que Pedro Sánchez, o lider do PSOE feito presidente do governo espanhol pelo voto do Partido Nacionalista Basco, venha a conseguir negociar uma “fórmula” institucional que permita acomodar, ou protelar duradouramente, as tensões autonómicas mais radicais e o movimento independentista catalão.

Eu acredito muito nos socialistas, mas já passei a idade de poder vir a acreditar em milagres. E embora nas aulas que dou explique que, muitas vezes, a “ambiguidade construtiva” é uma fórmula de texto que permite leituras não unívocas, que servem para adiar conflitualidades, não me parece que, num domínio onde tudo já foi tentado, o nóvel primeiro-ministro possa vir a surpreender-nos. Embora fosse magnífico se isso pudesse acontecer!

E, a propósito, lembrei-me de uma historieta que mete a Espanha e um tema também “impossível”: Gibraltar.

Entre a Espanha e o Reino Unido renasce, a espaços, a polémica em torno da questão de Gibraltar, com ambos os países a insistirem nos seus direitos de soberania sobre o rochedo.

Este é um tema difícil para Londres, que não consegue fazer esquecer a solução que foi dada a Hong-Kong, face à China, e tem sempre presente a paralela questão das ilhas Falkland/Malvinas, com a Argentina. Mas a diplomacia espanhola tem igualmente que defrontar-se com o exemplo da sua presença em Ceuta e Melilla, contestada por Marrocos. E já nem trago aqui a questão de Olivença...

O que julgo não ser conhecido, mas que me parece suficientemente longínquo no tempo para o poder ser, é o interessante processo de mediação que Portugal procurou desenvolver, durante a sua presidência da instituições europeias em 1992, no sentido de se poder encontrar uma solução para a integração de Gibraltar no espaço de livre circulação no espaço europeu, com a possibilidade de utilização do respetivo aeroporto - construído numa zona de soberania contestada pela Espanha, o que constitui um outro problema, que é independente da própria questão central da soberania de Gibraltar.

As conversações tiveram como um interlocutor português, Paulino Pereira, um técnico que era o representante pessoal do então secretário de Estado dos Assuntos Europeus, e o embaixador britânico Jeremy Greenstock, ao tempo diretor-geral para a Europa. Estive presente nas reuniões que tiveram lugar em Londres, onde eu trabalhava na embaixada, sendo que outras decorreram em Madrid.

Infelizmente, e não obstante toda a criatividade, em matéria de soluções técnicas, demonstrada por Portugal, cuja mediação tinha a confiança política de ambas as partes, não foi possível obter-se um acordo. Lembro-me, em particular, que procurámos gizar um modelo de utilização dual do aeroporto, com acessos diferenciados e jurisdições complementares. Não guardei qualquer documento sobre esse processo negocial, que então foi rodeado de grande secretismo.

Uma noite, depois de um encontro num hotel londrino onde Paulino Pereira se esforçou em promover soluções técnicas, muito imaginativas, que Lisboa tinha gizado para tentar tornear o problema, saí para a rua com Greenstock, de quem me havia de tornar amigo e com quem vim a coincidir, uma década depois, como embaixador junto das Nações Unidas.

Dei-lhe boleia no meu carro até ao metro que ele ia apanhar para casa. Eu estava cada vez mais cético com o andamento das conversas e aproveitei para lhe perguntar se, com sinceridade, via que a nossa fórmula podia ter algumas “pernas para andar”. Esperei aquelas tiradas muito próprias da diplomacia britânica: que era “uma boa base de trabalho”, que tínhamos que aprofundar e precisar melhor alguns aspetos, que era importante perceber se os espanhóis podiam “evoluir” na sua posição e coisas assim.

Greenstock, visivelmente cansado, sem paciência para “understatements”, recostou-se no banco e disse-me: “Tu já deves ter percebido que estas conversas nunca poderão levar a nada. Isto não é uma questão técnica, é um problema político de fundo. Quando há soluções políticas, as fórmulas técnicas são fáceis de encontrar. O contrário nunca é verdade”.

Pedro Sánchez e o PSOE sabem isto muito bem. Pretendem ganhar tempo?

sexta-feira, junho 01, 2018

Cinco notas sobre a Espanha



1. O voto que afastou o PP do governo de Espanha foi mais do que merecido. Rajoy foi incapaz, no seu longo mandato, de travar a endémica corrupção que atravessava o seu partido, a vários níveis. Ele e o PP deram mostras de uma arrogância que cansou os espanhóis. É isso que faz com que a sua saída, substituído por um partido menos votado, seja aceite sem qualquer sobressalto no país.

2. O apoio heteróclito à moção de censura que derrubou Rajoy, permitindo a Pedro Sanchez subir a presidentre do governo, nada tem a ver com uma alternativa sob base programática coerente. Não se trata de uma Geringonça, é apenas uma expressão de descontentamento contra o PP e Rajoy.

3. Num parlamento espanhol com 350 lugares, o PSOE, cujo líder vai agora ser primeiro-mnistro, apenas tem 84 deputados. Este é talvez o governo potencialmente mais frágil da história democrática espanhola, desde que, em 1978, entrou em vigor a atual constituição.

4. Depois de Rajoy, em quem a direita espanhola sempre viu um "genérico" de Aznar, vai ser dificil ao PP reinventar-se. Se o Cuidadanos souber explorar em seu favor alguma debilidade do PSOE no poder, pode vir a ter a sua "chance" nacional. Mas será difícil: ainda há "duas Espanhas".

5. Tal como na questão catalã, o silêncio de Lisboa é a mais sensata postura a propósito da vida política espanhola. Tentar cavalgar cumplicidades políticas é um erro. As mais frutuosas relações democráticas bilaterais foram tituladas por Cavaco-Gonzalez e Guterres-Aznar.

A Europa de Bruxelas


Há a Europa e há a Europa de Bruxelas. Esta última é um corpo mais ou menos organizado que tem como cultura comum uma certa ideia evolutiva do projeto europeu. Essa cultura, decantada ao longo décadas, atravessa grande parte do funcionalismo da máquina europeia, a qual, sem o dizer, se considera ungida da missão de levar à prática uma espécie de desígnio “do bem”, cuja finalidade não é explicitada e que só é debatida na metodologia. Aliás, as mais das vezes, o objetivo final não é sequer referido, para evitar espantar a caça. De certo modo, esse projeto europeu funciona na lógica do socialismo reformista de Bernstein: “o movimento é tudo, o fim é nada”. Em português simplório é o “vamos andando e depois logo se vê”.

Há duas palavras-chave no glossário dessa ideologia. E há uma não-palavra que raramente é pronunciada. 

A primeira palavra é “ambição”. Na novilíngua da Rue de la Loi (rua de Bruxelas onde estão muitas das instituições), uma proposta tem mais ou menos “ambição” na razão direta da transferência de poderes que, através da sua eventual aprovação, se processa da esfera nacional para a máquina bruxelense. Dependendo do “l’air du temps”, os ventos estão mais ou menos favoráveis a esse desígnio centralista. Às vezes, o facto da opinião pública em alguns países estar “recuada” impede que a “ambição” possa colher apoio suficiente para conduzir as decisões a bom porto. Aumentar o número de decisões por maioria qualificada, evitando o irritante empecilho da unanimidade, é o caminho para que a “ambição” se concretize com mais facilidade.

Ligada à “ambição” surge a palavra “eficácia”, que designa o grau de operatividade que uma medida pode trazer à “ambição”. A eficácia é o conceito motor por detrás da propositura de muita da legislação ou regulamentação europeia. É “eficaz” aquilo que contorna os mecanismos que atrasam a implementação das medidas. Os parlamentos nacionais são vistos por essa cultura europeia como obstáculos irritantes à eficácia das medidas. E até o Parlamento Europeu, que no passado era um inóquo “compagnon de route” dos promotores da “ambição”, passou frequentemente a ser “parte do problema”, quando obteve mais poderes e responsabilidades.

O drama europeu é que os promotores das medidas com “eficácia”, que têm como finalidade dar corpo à “ambição’, fogem como o diabo da cruz da tal não-palavra incómoda, raramente pronunciada nesses meios, que é a “legitimidade”. Também por isso é que o Brexit aconteceu, que a recusa da “ambição” é cada vez maior, que a Itália reage como reage.

Por graça, há alguns anos, dizia-se que se a União Europeia pedisse adesão ... à União Europeia, receberia um rotundo não, porque o seu grau de democraticidade era insuficiente para ser aceite. Será verdade? 

quinta-feira, maio 31, 2018

Por esse Rio abaixo

O anúncio do afastamento de Santana Lopes do apoio ao líder partidário tinha prenunciado que algo começava a gerar-se contra Rui Rio, no seio de um PSD cujo grupo parlamentar já se percebeu que ele nunca vai conseguir controlar. Depois, reemergiu Passos Coelho, com “opinião” na folha informática que, depois de alguma hesitação editorial, é hoje uma espécie de “Povo Livre” do passismo. Abreu Amorim, com a habitual subtileza, deixou nas redes sociais uma nota clara do que aí vinha. Fechou o círculo Luís Montenegro, com o mais violento ataque ao líder desde o congresso. O pretexto imediato, frouxo, foi o voto sobre a eutanásia.

Rui Rio, nos seus 100 dias como presidente do PSD, parece estar já debaixo de fogo cruzado. Os motores podem estar a começar a aquecer para tentar criar uma onda de fundo para a sua substituição até ao fim do ano. A mensagem dos críticos, para dentro do partido, é simples: Rio “não vai lá!”, é uma muleta de António Costa, não tem estratégia, o grupo parlamentar é vítima dessa desorientação. Com ele, a derrota em 2019, além de certa, será estrondosa, dizem. O “pote” fica mais longe, para citar um conhecido “clássico”.

A rotura, como é óbvio, terá de de se produzir antes das eleições europeias e legislativas de 2019. Porquê? Porque, sendo óbvio que o PSD vai perder ambos os sufrágios, se acaso Rio sobrevivesse politicamente até lá, as listas para Estrasburgo e para Assembleia da República seriam feitas por ele. Isso significaria que os seus adversários perderiam, com toda a certeza, o acesso ou a manutenção nesses palcos políticos e que, mesmo que Rio viesse a ser substituído no pós-eleições, quem lhe sucedesse viria a ficar com grupos parlamentares hostis... como hoje acontece ao próprio Rio.

É assim importante, para os “passistas”, conseguir remover Rio nos próximos meses. O grupo parlamentar é a sede central da manobra, alguma imprensa está a pôr-se a jeito e a fazer o frete. 

Para seguir as cenas dos próximos episódios é preciso estar atento a outros atores que devem estar prestes a assomar à boca de cena. Nada garante que a “peça” seja um sucesso, mas o “script” parece já estar escrito.

quarta-feira, maio 30, 2018

Cavaco “vermelho”?

Ao recomendar aos portugueses, na sua “alocução ao país”, que nas próximas eleições não escolhessem partidos que tivessem defendido a eutanásia, o professor Cavaco Silva deu uma clara recomendação de voto: é preferível votar PCP do que PS. Ele há cada surpresa! 

Os da estrada de Damasco

As prioridades mediáticas, entre a Coreia e a Itália, fizeram esquecer que, nas últimas semanas, Assad reforçou o seu poder na Síria, que os russos estão a tentar um “modus vivendi” dele com Israel e que a Jordânia já quer reabrir a fronteira. 

Até Trump parece ter desistido do “regime change” em Damasco, que, a bem dizer, nunca foi um verdadeiro objetivo central de muitos poderes ocidentais. A começar por Israel, que conseguiu coexistir com o Assad pai e a quem uma vizinhança de regimes autoritários, mas estáveis, sempre conveio.

Se o Irão conseguir equilibrar as ambições que projeta através do Hezzbolah, se a Turquia se sentir confortada e aceite na zona síria que hoje controla e se se souber conter perante os aliados curdos dos EUA, o futuro imediato de Assad poderá vir a ser menos turbulento. Mas os “se”, no Médio Oriente, são como o “diabo” nos pormenores.

Por cá, a vitória de Assad é um regalo para os anti-americanos da paróquia, os mesmos que o apoiam como antes apoiavam Milosevic. Eles estarão sempre ao lado de qualquer regime que desafie Washington, do de Putin ao norte-coreano ou dos clérigos iranianos. E com Trump a fazer piorar ao limite a imagem americana, o seu ódio à América (onde, aliás, adoram passar férias) sente-se hoje confortado. 

Esses viúvos não assumidos da União Soviética, com um ”penchant” nostálgico para ditadores ou para autoritarismos, desde que anti-ocidentais, são uma raça velha em extinção. Uma espécie de lince da Malcata, só que sem futuro. Ah! E acham-se de esquerda, o que é o cúmulo das ironias.

terça-feira, maio 29, 2018

Ainda pensar

No último post, falei por aqui da palavra “penso”, numa perspetiva um tanto bizarra. Mas há mais vida para o conceito, como verão. Deixo uma história verdadeira, passada num Centro de Saúde, contada por quem assistiu à cena.

A telefonista do Centro atendeu uma chamada de uma senhora. Parecia aflita. Queria falar com o seu marido, que tinha ido lá a uma consulta. Explicaram-lhe que era difícil chamá-lo ao telefone. “Por que lhe não liga pelo telemóvel?”, foi-lhe perguntado. “Nós não temos dessas coisas”, explicou a senhora, que era claramente de alguma aldeia das redondezas. Foi decidido ligar para um telefone fixo perto do balcão e chamar o marido da senhora. E assim foi feito.

O telefone, contudo, ficava ainda a uns metros do balcão. Do outro lado da linha, a senhora explicou que, na verdade, não precisava de ser ela a falar com o marido, queria apenas fazer-lhe uma pergunta. “Até pode ser a senhora a perguntar-lhe. Eu só queria saber se ele pensou ou não”. A funcionária do Centro estava perplexa: “Se pensou ou não?”. “Sim, pergunte-lhe só isso”. 

A conversa, entretanto, “socializou-se” aos utentes à espera. Um tanto atrapalhada, perante o olhar da sala, a funcionária, de dentro do balcão, perguntou, alto, ao senhor, um homem de aldeia, já idoso, muito simples de modos: “A sua senhora pergunta se já pensou”. O homem foi rápido: “Diga-lhe que sim, que já pensei”. A resposta foi transmitida de volta, mas a maioria das pessoas ficou intrigada, alguns sorrindo.

O homem foi sentar-se no lugar, à espera da consulta. E comentou, também alto: “Atão eu ia lá sair de casa sem pensar o gado!”. 

É que, nas aldeias, “pensar” significa dar comida, o penso, ao gado. A língua portuguesa, além de traiçoeira, é muito rica.

Tertúlia

Ontem, regressei a uma tertúlia jantante de amigos, de que tinha “desertado” nos últimos meses, por razões que foram sempre diversas, a cada semana. Foi muito agradável o reencontro com amigos (há quase sempre mais mulheres do que homens). E ontem até tivemos direito a caras novas à mesa.

Uma das novas convidadas, brasileira, contou uma história divertida, ocorrida na sua família. Tinham contratado uma empregada doméstica para algumas horas de limpeza. Quando chegou a hora de discutir preço, a empregada perguntou se a patroa ia definir qual o trabalho a fazer ou se seria ela a ter de tomar essa iniciativa. E, antes que a empregadora pudesse esclarecer, esclareceu ela: ”É que eu tenho um preço “com penso” e outro “sem penso” “. O que é que isso significava? Muito simples: se tivesse de ser a empregada a decidir o que fazer, era um preço, se fosse a patroa era outro. Se tivesse de “pensar”, cobrava mais...

Adoro estas tertúlias em que, por umas horas, também “penso” noutras coisas.

segunda-feira, maio 28, 2018

O congresso e a geringonça

O Partido Socialista realizou o seu Congresso num ambiente que se pré-anunciava algo turbulento. 

À súbita reemergência do caso Sócrates, estranhamente potenciado pelo caso Pinho, somaram-se as trapalhadas de incompatibilidades de dois governantes. Alguma direita cavalgou a onda. Melhor do que todos, António Costa manteve-se impassível, não deixando poluir o Congresso. Com maestria, concentrou a reunião no futuro e ganhou a parada. Verdade seja que algumas “bombas” não rebentaram na Batalha porque se aproxima o desenho das listas para 2019, europeias e não só...

O Congresso fez o elogio da Geringonça. Com razão. Contra o parecer de muitos, a opção de apoiar o governo à esquerda provou ser correta. Ela só foi possível porque BE e PCP, depois do trauma da governação da direita, teriam grande dificuldade em fazer perceber ao seu eleitorado se se recusassem a favorecer uma solução governativa que lhe permitiria partilhar os louros da recuperação de alguns rendimentos. Depois disso, com a economia a correr bem, ficou feita a quadratura do círculo: respeitaram-se os compromissos com a Europa e retificaram-se algumas injustiças. O país gostou, não achou nada demais e vive confortável com a solução.

Mas a Geringonça teve outro efeito - e este Congresso mostrou-o bem: sublinhou, no seio do PS, a expressão política de quantos entendem que o futuro da governação socialista deve projetar, precisamente, o modelo de ação política dessa mesma Geringonça. Na leitura de alguns, esse será o “segredo” para a maioria absoluta, isto é, colocar o PS declaradamente à esquerda, reforçando, dentro do partido, a ala que considera ser esse o seu destino natural, por forma a não perder votos para a “esquerda da esquerda”. 

Uma coisa é hoje muito clara: aqueles que, num passado não muito distante, viam a “ala esquerda” do PS como um bando de lunáticos irrealistas, tiveram de meter a viola no saco. Essa ala está hoje reforçada pelo teste da realidade. 

A continuidade da sua prevalência no eixo da decisão socialista tem, contudo, dois potenciais problemas. Desde logo, a hipótese de um afastamento de um ou dos dois “compagnons de route” que sustentam o modelo, por opção estratégica ou qualquer outro fator conjuntural. O segundo problema prende-se com a hipótese de uma desregulação económico-financeira externa poder vir a provocar uma tensão entre o cumprimento das regras europeias e algumas das atuais políticas públicas mais identitárias para essa linha. Nos dois casos, a “ala esquerda” socialista poderia vir a confrontar-se com a (re)emergência de uma linha mais centrista, dita “realista”, os profetas do “eu bem dizia”.

O PS vive hoje muito confortável com a Geringonça, a qual já não assusta ninguém, como aconteceu em 2015. Porém, há algo indesmentível: António Costa continua a personificar, aos olhos de muito eleitorado, o fiel da balança que permite aos socialistas um crédito público de confiança. Isto é, continua a ser indispensável.

domingo, maio 27, 2018

Eutanásia

Não tenho ainda uma opinião formada sobre a legalização da eutanásia. 

Por ser uma questão de grande sensibilidade, bastante divisiva na sociedade portuguesa, e pelo facto de não vislumbrar nenhuma urgência especial na tomada de uma decisão, preferiria que o assunto fosse mais maturado.

Porém, reconheço plena legitimidade a que os deputados a esta legislatura da Assembleia da República, se assim o entenderem, legislem sobre o assunto.

Pivot

Morreu Bernard Pivot. Tinha 89 anos. Há hoje uma França (e não só) de luto. Não terá chegado a receber a chamada telefónica que mais temia: ...