Ontem, na conversa com a Alta Comissária da UE para a Acção Externa e Política de Segurança, quando se falava de determinadas realidades europeias, dei comigo a lembrar uma história a que assisti num Conselho de Ministros, em Bruxelas, há mais de 15 anos.
O tema em agenda era, uma vez mais, o conflito israelo-palestino. O recém nomeado Alto Comissário, Javier Solana, um cargo que na altura era vulgarmente referido como o "senhor PESC", estava ainda a "desenhar" o seu lugar. Da parte dos vários governos, a acreditar no que os ministros dos Negócios Estrangeiros diziam à volta da mesa, parecia haver um grande interesse em dar uma oportunidade ao seu trabalho de representante da vontade comum da Europa, conferindo-lhe o papel de "voz" da UE junto de Estados terceiros. Nesse dia, Solana recebeu o mandato para ir a Jerusalem e a Ramallah levar uma qualquer mensagem e tentar obter da parte de Israel e da Autoridade Palestina uma posição sobre uma determinada proposta europeia. O "senhor PESC" faria a viagem dentro de alguns dias e reportaria posteriormente ao Conselho.
Dois dias depois, o "Financial Times" relatava, com o pormenor que o "Foreign Office" lhe quis revelar, que o MNE britânico, Robin Cook, fora a Israel e à Palestina. Do que o jornal contava, percebia-se que falara exatamente dos temas que Solana iria abordar... três dias depois.
Cerca de um ano mais tarde, à margem de uma reunião nos Açores, em conversa descontraída com Robin Cook, perguntei-lhe porque fizera aquilo, por que razão "estragara" essa "operação Solana". A resposta foi curiosa: "A nossa ideia não era necessariamente enfraquecê-lo. Mas o Reino Unido, como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, tem responsabilidades que vão muito para além da nossa pertença à União Europeia. E não prescindiremos nunca delas. A questão em causa era demasiado importante para que a voz da Europa ouvida pelos nossos interlocutores, naquele momento particular, fosse apenas a do Solana".
Guardei sempre isto na cabeça e tive oportunidade de testar, como embaixador junto das Nações Unidas, que essa era uma linha de orientação muito firme. Quer Londres quer Paris recusavam-se a coordenar com os restantes parceiros da UE, mesmo com aqueles que eram membros europeus não permanentes, as posições que iriam assumir no Conselho.
Na Europa, há uns que são mais do que outros. O tropismo de afirmação de alguns países é impeditivo que a Europa venha alguma vez a ter uma forte expressão comum na área externa, a menos que ela seja a "média aritmética" das posições dos Estados que a dominam - "a voz do dono". Por isso, quando ouço falar na "igualdade dos Estados", que está escrita na letra dos tratados europeus, sinto vontade de rir. Mas não consigo. Não é decente rir de coisas tristes.