quinta-feira, novembro 01, 2012

Condolências diplomáticas

Sempre que uma personalidade política de relevo de um país morre, é de regra que as embaixadas que esse Estado tem espalhadas pelo mundo abram, durante alguns dias, um livro de condolências. Esse livro recolhe notas de simpatia de quem quiser associar-se aos pêsames. As embaixadas de países amigos costumam marcar a sua presença, através do embaixador ou de um outro funcionário por este indicado.

Por regra, os embaixadores reservam-se para as condolências por morte de figuras mais relevantes - chefes de Estado ou de governo -, encarregando da tarefa um seu colaborador quando a figura desaparecida tem uma importância institucional menor. Diga-se que já tenho visto a abertura de livros de condolências pelo falecimento de personalidades que estão muito longe de ser conhecidas no exterior e, muito menos, são relevantes. Mas imagino que as embaixadas não possam eximir-se às instruções que recebem das capitais.

Um dia, algures, um embaixador estrangeiro pediu para me ver, com alguma urgência. Recebi-o pouco depois. Entrou no meu gabinete de semblante grave e com ar muito preocupado. O que tinha acontecido? Na véspera, tinha-se deslocado à embaixada de um país de expressão portuguesa, para preencher o livro de condolências pela morte de uma importante figura de Estado. Porém, por um "lamentável lapso", em todo o longo texto que escrevera no livro, com quase uma página, onde relevara as imensas qualidades e a sabedoria do estadista que desaparecia, colocara erradamente, e por mais de uma vez, o nome de um outro Estado lusófono.

Esse colega, com "pouca África" no currículo e de uma área do mundo dela algo distante, estava seriamente mortificado com as consequências potenciais que esse seu lapso poderia vir a ter nas relações entre o seu país e o Estado lusófono em luto, que seguramente se iria sentir ofendido com o seu grosseiro erro. Vinha perguntar-me o que haveria de fazer, "porque vocês conhecem-nos melhor a eles".  

Pondo implicitamente de parte a "expertise" pós-colonial que me era atribuída, pensei alto, com base no bom senso. Se acaso fosse pedir desculpa ao embaixador que tinha aberto o livro de condolências, seria muito difícil dar-lhe uma razão plausível para trocar o nome do seu país. Seria como que uma presunção da irrelevância do Estado que ele representava ou um atestado à sua própria ignorância (não sei se tive coragem de lhe dizer isto, confesso). Assim, não me parecia que ganhasse grande coisa com um ato de contrição. Mas também não poderia excluir que, se acaso o erro fosse detetado, alguns sobrolhos nacionalistas se cerrariam. Era, de facto, uma situação com contornos algo delicados. 

E, sem ter nenhuma certeza, deixe-lhe um conselho, ou melhor, disse-lhe o que faria se acaso estivesse no seu lugar (situação que, sem falsa modéstia, me parecia implausível). Porque sempre presumira que ninguém se devia dar ao trabalho de ler os livros de condolências abertos pelas embaixadas no estrangeiro, devendo haver apenas um levantamento das assinaturas, eu era de opinião de que talvez valesse a pena, pura e simplesmente, esquecer o assunto. Não o vi muito sossegado, mas agradeceu, concordando, a minha sugestão e lá saiu, ainda ajoujado de culpa. 

Tempos mais tarde, numa conversa com o embaixador lusófono, testei-o quanto ao colega "gaffeur", para tentar perceber se acaso existiria, da sua parte, algum agravo. Inventei, assim, que tinha ouvido, da parte deste, palavras muito simpáticas a seu respeito. A resposta surpreendeu-me: "Ah! mas é um grande amigo! Ainda há dias, organizou um jantar em minha honra na sua residência. Temos excelentes relações!". 

Ora ainda bem, pensei para comigo. E, inapropriadamente divertido no meu íntimo, tenho-me sempre lembrado desta história quando, nas embaixadas, assino os livros de condolências, coisa que faço sempre com a maior atenção à geografia.

O outro défice


Das notícias de hoje:
  • a justiça deixou prescrever o caso Bragaparques.
  • Valentim Loureiro recusa-se abandonar a Câmara municipal de Gondomar, apesar da decisão da justiça. (E, em Oeiras, tudo continua como dantes, à espera das prescrições).
  • estivadores, que prosseguem uma greve que está a condicionar fortemente as exportações, assumem tristes atitudes públicas de desrespeito em frente ao parlamento.
  • os maquinistas da CP voltam, uma vez mais, a tomar o país como refém.
  • os sindicatos da (pública) Caixa Geral de Depósitos aproveitam para gozar a ponte.  
Em tempo: e que os puristas não venham com a tese da independência do poder judicial e os obreiristas com a "justa luta" dos que têm ótimos empregos...

quarta-feira, outubro 31, 2012

Eça, agora!


Como diria enfaticamente José Hermano Saraiva, "foi aqui", no nº 5 da rue Crevaux, que liga a avenue Foch à avenue Bugeaud, que José Maria Eça de Queiroz, recém nomeado Cônsul de Portugal em Paris, alugou a sua primeira habitação, das três que viria a ocupar durante a sua estada na capital francesa, onde morreu em 1900. 

Eça viveu na rue Crevaux entre 1889 e 1891 e, por alguma razão, esta sua morada não estava assinalada com uma placa. Decidi tomar a iniciativa de colmatar esta lacuna e, passados meses de autorizações e procedimentos administrativos, vai ser agora possível descerrar essa memória.

Assim, no domingo, dia 25 de novembro, às 12.00 horas, celebrando nesse dia a data do nascimento de Eça de Queiroz, será feito o descerramento formal da placa. De seguida, quem estiver presente ao ato é convidado a beber uma taça de champanhe na Embaixada de Portugal, que fica relativamente perto. Apenas se pede que as pessoas que se queiram associar se inscrevam pelo mail portugal.paris@gmail.com.

Vigília


Não resisto a transcrever, do seu blogue Tim Tim no Tibet, o poema do meu colega embaixador Luís Filipe Castro Mendes, intitulado "Vigília":

Não te deixes adormecer: 
é o que dizem a quem luta por estar vivo,
é o que nos dizemos quando
o frio já entrou muito fundo dentro de nós
e toda a vida se deixou cobrir de nevoeiro.

Não, eu não me deixarei dormir.
Descansa, tu que cada madrugada 
encontras as minhas mãos 
a afastar o frio e o nevoeiro.
Eu não me deixarei dormir.
Nós não nos deixaremos dormir.
O nosso amor é uma vigília sem quebras
e nunca nenhum povo se deixou hibernar.

Em tempo: e, para quem estiver em Lisboa, porque não dar uma saltada aqui.?

Emigração

O comportamento do Estado Novo face à emigração é o tema de um livro de Victor Pereira, intitulado "La dictature de Salazar face à l'émigration - L'État portugais et ses migrants en France (1957-1974)". O autor é doutorado em História pelo Instituto de Estudos Políticos, em Paris.

Convidei Victor Pereira para apresentar o seu trabalho na Embaixada, no dia 26 de novembro. Dada a escassez de lugares, quem estiver interessado em estar presente nesta sessão de lançamento e no debate que terá lugar na ocasião deverá inscrever-se através do mail portugal.paris@gmail.com.

terça-feira, outubro 30, 2012

Ben Barka

Em 29 de outubro de 1965, ao sair de um almoço da brasserie Lipp, no boulevard Saint-Germain, o oposicionista marroquino Mehdi Ben Barka, foi raptado. Seria mais tarde barbaramente torturado e morto.

Ben Barka foi um democrata que desde muito cedo lutou pela liberdade no seu país e é uma figura por quem nutro grande admiração. A saga do seu rapto e a teia de cumplicidades e interesses que estiveram por detrás do seu assassinato constituem, aliás, um terreno de investigação histórico-político do maior interesse.

Tinha prometido a mim mesmo que, durante estes quatro anos de Paris, tentaria saudar a sua memória, almoçando, na data do seu rapto, no mesmo restaurante. Acabei por conseguir fazê-lo uma única vez, levando comigo dois amigos que partilhavam a mesma recordação.

Ontem, uma vez mais, compromissos profissionais, a que não pude nem quis escapar, impediram-me de celebrar na Lipp (os "connaisseurs" dizem "no Lipp") a memória de Ben Barka.

Resta-me assim deixar uma nota neste blogue.

segunda-feira, outubro 29, 2012

Decanato

O novo presidente da Assembleia Nacional francesa, Claude Bartolone, tomou a simpática iniciativa de organizar, na noite de ontem, um jantar de debate, reunindo um grupo pouco comum de embaixadores: os representantes diplomáticos dos países da zona euro. Ao sentarmo-nos à mesa, reparei ter tido direito ao lugar de honra, entre os convidados. Olhei à volta e dei-me conta que já era o "decano" dos diplomatas presentes. Como o tempo passa...

A rotação temporal dos embaixadores é uma regra comum. Em geral, em cada quatro ou cinco anos, os embaixadores mudam de funções, indo assumir a chefia de outras representações diplomáticas ou consulares no exterior, ou regressando temporariamente às suas capitais. Esta regra aplica-se também aos restantes diplomatas, sendo que há alguns países que optam por seguir modelos diferenciados.

Com o tempo, percebi que essa mudança regular dos diplomatas tem todo o sentido. Se bem que, à primeira vista, se possa argumentar que se ganharia em ter as pessoas mais tempo nos postos, aproveitando a sua experiência e melhor explorando as redes de contactos entretanto estabelecidos, a verdade é que se constata que o "refrescamento" dos lugares favorece a assunção de novos olhares sobre a realidade local, evitando a queda em rotinas e vícios de perspetiva. Não raramente, o diplomata que fica muitos anos num posto deixa de "ver" o que entretanto mudou e acultura-se a uma certa leitura dos factos e das pessoas, que pode acabar por afetar a eficácia do seu trabalho. Além disso, a rotação permite um enriquecimento dos diplomatas, através de experiências diferentes, em contacto com outras sociedades e situações, o que constitui um importante fator de formação profissional. Não será por acaso que a generalidade das carreiras diplomáticas segue um procedimento basicamente idêntico.

Mas há exceções. Em 2001, nas Nações Unidas, vi-me um dia confrontado com um caso singular. Tinha chegado há escassas semanas e fiquei sentado, num almoço, ao lado do embaixador do Kuwait. Perguntei-lhe há quanto tempo estava em posto, em Nova Iorque. A resposta deixou-me siderado: "21 anos". Comentei que, assim sendo, deveria ser o "decano" dos embaixadores. Respondeu-me que não, que o colega do Iémen estava por lá há ... 28 anos!

Mal eu sabia então que, no meu caso, iria ficar por Nova Iorque apenas cerca de ano e meio...

A nova emigração

O novo surto migratório originário de Portugal é um fenómeno de que, só muito recentemente, começa a traçar-se um perfil mais rigoroso. Os dados estatísticos existentes assentam apenas em estimativas e têm um elevado grau de incerteza, pela inexistência de referências absolutamente seguras. Mas fica evidente que estamos já perante um movimento quantitativamente significativo, com uma dispersão geográfica bastante maior do que a das vagas migratórias de um passado mais recente.

Globalmente, e como não será de surpreender, os novos migrantes que procuram a Europa têm uma qualificação académica média bastante superior à de quantos, nos anos 60 e 70 do século passado, saíram pelos caminhos de França, da Alemanha e do Luxemburgo, ou mesmo dos que, de forma sazonal ou mais permanente, procuraram depois a Suíça e o Reino Unido*. Os dados e as informações disponíveis mostram-nos que muitas dessas pessoas saem acompanhadas pelas famílias, o que altera significativamente o modelo de outros tempos e, naturalmente, induz outros impactos nas exigências do seu quotidiano.

Há um ponto que me parece importante registar, porque dele resultam consequências comportamentais muito particulares: a maioria desses novos emigrantes portugueses obtém ocupações profissionais que se situam, quase sempre, abaixo daquelas que, legitimamente, o seu nível académico poderia justificar, o que constitui um natural elemento de frustração pessoal, com efeitos no seu estado de espírito. A crise e o aumento do desemprego em muitos dos seus países de destino faz com que, uma vez mais, apenas lhes sejam oferecidas tarefas profissionais que os nacionais desses países procuram menos e, frequentemente, com um elevado grau de precariedade no vínculo laboral. Daqui resulta, muitas vezes, uma tendência para uma fixação breve nos postos de trabalho obtidos, na busca incessante de outras oportunidades entretanto vislumbradas. Alguns empresários portugueses em França, que para aqui vieram em gerações anteriores e perseveraram muitos anos em tarefas modestas antes de descobrirem os caminhos do seu sucesso pessoal, referem essa instabilidade como um fator que, por vezes, os desmotiva ao acolhimento dos novos migrantes portugueses. Mas os casos de solidariedade neste domínio são cada vez mais frequentes e louváveis.

Como por aqui tenho dito, ser obrigado a emigrar por razões económicas é a triste constatação de que o país não é capaz de criar condições para a plena realização, no seu seio, dos cidadãos nacionais. As pessoas que saem, não apenas são forçadas a esse sacrifício como, muitas vezes, acabam por ser elas a contribuir, com aquilo que ganham no exterior, para o aumento da riqueza nacional. Só podemos desejar que, deste novo ciclo da viagem dos portugueses pelo mundo, acabe por resultar um futuro mais feliz para a sociedade portuguesa, com o retorno de muitos dos que agora são obrigados a partir, depois de novas experiências e de qualificações adquiridas, que possam ajudar a reforçar a modernidade e o desenvolvimento do país.
* Em tempo: e Espanha e Andorra, claro.

domingo, outubro 28, 2012

Subtileza

No início de um espetáculo, na noite de domingo, ouvi esta "pérola", de uma elegância mais do que subtil, antes do início da "performance": "Chama-se a atenção das pessoas presentes para a necessidade de ligarem o seu telemóvel quando saírem do teatro".

Hora

Hoje, temos a mais uma hora, coisa que, por ora, ainda está isenta de impostos. Aproveitem-na!

sábado, outubro 27, 2012

Os tomates e a Europa

Só hoje me chegou uma crónica de Miguel Esteves Cardoso, no "Público", há três dias, sob o título "Não mexam nos tomates", que passo a transcrever, sem quaisquer comentários e sem sombra de modéstia:

"Estava ontem na primeira página do "Público": só a Califórnia é mais produtiva do que Portugal no tomate. Lá dentro, na peça de Jorge Talixa, são de festejar os 1,2 milhões de toneladas de tomates produzidas este ano. Este ano, por acaso, os tomates foram bem mais suculentos do que nos dois anos anteriores. Comemos muitos mas, sobretudo, não esbanjámos nenhuns, como naquela absurda festa espanhola do tomate, que todos os anos deixa larga nódia na nossa imprensa, como se fosse novidade. Quem nunca tiver visto uma foto de um jovem espanhol encharcado em sumo de tomate tem uma sorte invejável. Conseguimos até exportar 95% desses tomates. Isso rende-nos 250 milhões de euros: é um número redondo demais para ser inteiramente crível mas, pronto, é muito dinheiro.

O medo agora é que a UE, através da Política Agrícola Comum (PAC), venha a proibir tal abundância. Nesta altura em que de novo se fala de Portugal ser o melhor aluno da zona euro, lembro uma notícia de maio de 1996, altura em que Portugal produzia só 900 mil toneladas.

Também há 16 anos a PAC quis cortar-nos os tomates. O secretário de Estado para os assuntos europeus de então, Francisco Seixas da Costa, avisou logo que se tinha acabado essa história de sermos os "bons alunos" da Europa, com tudo o que isso "implicava de subordinação".

Mantenha-se a mesma insubordinação e pode ser que, daqui a 16 anos, cheguemos a 1,5 milhões de toneladas. E passemos à frente da Califórnia".

"Resgatados"

Em Portugal, não há tradição de surgimento de relatos serenos sobre eventos políticos situados num passado próximo, centrados em temáticas indutoras de forte polémica, ainda prolongadas nos dias em que as obras são publicadas. Por essa razão, entendo que a edição de "Resgatados - os bastidores da ajuda financeira a Portugal", dos jornalistas David Dinis e Hugo Filipe Coelho, merece ser saudada como uma interessante contribuição para se conhecerem melhor os bastidores do tempo muito complexo que antecedeu o pedido de ajuda externa feito em 2011. 

O livro, no seu ritmo quase cinematográfico, descreve uma tormenta em progressivo desenvolvimento. E, como todos sabemos, quem se envolve em tempos revoltos lê os factos e as suas circunstâncias de modo, muitas vezes, oposto. Por essa razão, sei que algumas pessoas não apreciaram este trabalho, porque continuam a cultivar sobre os factos nele referidos uma memória de envolvimento que se não coaduna com a frieza equilibrada que os autores - a meu ver, bem - procuraram atingir.

Como em todos os textos deste género, há evidentes lacunas, há perguntas implícitas que ficam sem resposta. Mas este tipo de trabalhos vive sempre da abertura dos interlocutores que é possível mobilizar, bem como da sabedoria e equilíbrio com que neles se colocam as várias versões dos factos, sempre enviezadas pelo interesse de todos em edulcorar o seu lugar na pequena História. Nem toda a gente esteve, com certeza, disponível para contribuir para este livro. Sei do que falo, porque fui contactado por um dos autores, a quem, com toda a cordialidade, expliquei que a lealdade imanente às funções que exercia à época, e que ainda exerço, me não autoriza a revelar o pouco que sei de alguns factos e que, de resto, rigorosamente nada adiantaria de substancial ao trabalho.

Este livro é, assim, o livro possível, escrito por dois "impacientes da História", como Jean Daniel qualifica todos os jornalistas. Mas é um "guião" que reputo de muito útil e pelo qual felicito os autores. A sua leitura permite recortar melhor o papel das principais personalidades envolvidas, a sua diferente avaliação das circunstâncias vividas e, porque não dizê-lo, estabelecer um primeiro inventário das várias decisões e das motivações, políticas, económicas e até pessoais, que, no seu todo, desenharam o caminho que obrigou o país a recorrer ao "resgate". Acho que todos saímos deste livro com uma perspetiva mais clara sobre o papel desempenhado por cada responsável político, do governo e da oposição, na crise que acabou por estar na origem da situação que o país hoje atravessa, cuja moldura institucional e as condicionantes, em matéria dos compromissos que vieram a ser assumidos, não poderão nunca ser desligadas dos factos elencados neste trabalho. 

sexta-feira, outubro 26, 2012

24 horas em Lyon

1. Foi muito instrutivo anotar as várias interrogações no tocante ao futuro da Europa que ontem ouvi de um conjunto de qualificados empresários franceses, perante os quais fiz uma palestra em Lyon. Nela procurei fazer entender a nossa posição no processo integrador, sem esconder as fragilidades que nos são próprias, mas tentando simultaneamente que, da sua transparente explicitação, resultasse evidente que jogamos com todas as cartas em cima da mesa. Se bem que, neste momento, com uma evidente escassez de trunfos. Mas alguns trunfos continuam a existir, não sendo por acaso que os investimentos franceses em Portugal continuam a comportar-se de forma positiva.

2. Lyon é a sede da Euronews. Encontrei-me com o seu presidente, que se mostrou fortemente interessado em dar continuidade à cooperação que mantém com a RTP. Num passado recente, as emissões em língua portuguesa - e o trabalho dos portugueses que trabalham na Euronews - estiveram em forte risco. Alertei Lisboa, à época, para o assunto e, pelo menos por algum tempo, foi possível garantir um balão financeiro de oxigénio, com a ajuda da Comissão Europeia e, segundo o presidente da Euronews, muito graças ao empenhamento do deputado Ribeiro e Castro.

3. O "Banque BCP" é uma instituição financeira franco-portuguesa, com forte expressão no seio da nossa comunidade. Sempre que a tal solicitado, tenho procurado sublinhar o papel neste país de todas e cada uma das entidades económicas e financeiras com capitais portugueses, pelo que tive muito gosto em testemunhar a imagem de modernidade da unidade ontem apresentada numa das zonas mais prestigiadas de Lyon. A presença de muitos franceses no evento mostrou que a nossa banca está longe de ser "comunitarista".

4. A comunidade portuguesa em França não é imune às preocupações que, sobre o futuro, atravessam toda a sociedade portuguesa. Ficou-me isso claro nas conversas com vários dos nossos compatriotas que vivem na região de Lyon. Porque não vendo ilusões, não consegui dar-lhes grandes certezas que acalmassem as suas angústias, até porque as não possuo. Apenas lhes disse da minha profunda convicção de que vamos "sair disto", porque, felizmente, na nossa democracia e na negociação europeia, existem sempre saídas. E não ousei dizer aos nossos compatriotas que o slogan "tina" ("there is no alternative"), que a senhora Thatcher e os seus turiferários utilizavam para tentar convencer os britânicos de que o mercado das soluções se esgotava nas soluções do mercado, é de um tempo que já lá vai...

quinta-feira, outubro 25, 2012

Pausa diplomática

Colegas do Quai d'Orsay lançaram um blogue com alguma graça. intitulado "Chroniques Diplomatiques", com pequenas frases sobre situações correntes ilustradas por imagens com algum movimento.

Aconselho a que se visite o arquivo do blogue, desde o início. 

Pergunto-me que tipo de frases surgiriam nas Necessidades...

"Vamos falar português"

Foi ontem, ao final da tarde, na UNESCO. Em mais uma sessão da iniciativa "Vamos falar português", algumas dezenas de luso-falantes e outros apenas amigos juntaram-se para ouvir falar do fado e ouvi-lo tocar cantar. Para tal, fiz a apresentação da doutora Ana Paixão, que é musicóloga e dirige a casa de Portugal na Cité Universitaire de Paris, e de Mónica Cunha, uma voz do fado em Paris, que também combina com a sua atividade docente.

As origens do fado estiveram inevitavelmente na berlinda, tendo sido evocada a polémica luso-brasileira em torno da teoria de que o fado "é brasileiro". Uma certa doutrina aponta no sentido do fado ter nascido, nos anos 20 do século XIX, em torno de figuras regressadas com a corte de dom João VI, portadoras de uma musicalidade onde se misturavam influências africanas e já brasileiras, que acaba por se fixar nos arredores de Lisboa e dar origem ao início daquilo a que hoje chamamos fado.

Uma amiga (brasileira, claro!) perguntou-me: "Você vai ter coragem de colocar no seu blogue que o fado é brasileiro?". Respondi-lhe que sim e que até acrescentaria que há rumores de que dom Afonso Henriques tinha uma prima do Ceará...

quarta-feira, outubro 24, 2012

"Frappés"

Os dois diplomatas chegaram tarde ao restaurante, para o almoço. Algumas mesas começavam a esvaziar-se. Naquela que ficava ao seu lado, um casal conversava animadamente. No balde com gelo entre as duas mesas, surgia uma garrafa de Chablis, "frappé", consumido por esses vizinhos. 

Chablis! Ora aí estava uma boa ideia! Pediram ao empregado dois copos de Chablis. O tempo passou, a conversa fluiu, os copos dos diplomatas foram-se esvaziando.

A certo passo, os convivas da mesa ao lado levantaram-se e saíram porta fora. Os diplomatas miraram a quase meia garrafa de Chablis por usar e, depois de um olhar discreto em torno, serviram-se. Sempre era melhor do que o vinho ir "para dentro", levado pelos empregados, conluiaram em voz baixa.

O Chablis estava excelente. Cada um acabou mesmo por se servir de mais do que um copo. A garrafa chegou ao fim, mas já estavam saciados. Iam pedir a sobremesa e, depois, dois cafés.

De súbito, os vizinhos da mesa ao lado regressaram, depois de, aparentemente, terem ido ao exterior fumar um pouco. Os diplomatas levantaram-se num salto, correram para o balcão, pagaram a conta e desapareceram, antes que a evaporação súbita do Chablis, na garrafa dos vizinhos de mesa, fosse notada.

Ontem, divertidos, contaram-nos a história. Noutro restaurante, claro.

Impostos

Estive hoje presente num pequeno almoço de trabalho que reuniu empresários franceses com o ministro do Orçamento, Jérôme Cahuzac. Para além de tentar perceber a racionalidade de algumas medidas que desenham o difícil orçamento francês para 2013 (as dificuldades, embora em grau variável, andam um pouco por todo o lado), tinha alguma curiosidade em assistir à conversa entre um ministro oriundo do Partido Socialista e um mundo empresarial que, não raramente, tem dado mostras de alguma incomodidade com decisões do novo poder político emergido em França.

Jérôme Cahuzac é médico cirurgião e explicou que a sua profissão o ensinou a "cortar" e a não hesitar, quando a decisão está tomada. Disse isso quanto à despesa, embora os seus interlocutores estivessem mais preocupados com o lado da receita. O diálogo com os empresários foi sereno, bem humorado mas bem franco. Dele não darei pormenores, porque a regra deste tipo de encontros (a famosa "Chatham House rule") assim o obrigam. Apenas revelarei que, a propósito da política fiscal deste governo, alguém lembrou, no final, uma frase de San-Antonio, que deixo em francês: "C'est au moment de payer ses impôts qu'on s'aperçoit qu'on n'a pas les moyens de s'offrir l'argent que l'on gagne".

terça-feira, outubro 23, 2012

Clark Kent

Onde isto chegou! Segundo a imprensa americana, na edição próxima das aventuras do Superman, o jornalista Clark Kent, uma espécie de "Mr Hyde" tímido da personagem, demite-se do "Daily Planet" por discordar da aquisição do jornal por um outro grupo de imprensa.

Não sei se os leitores do blogue estão familiarizados com as sagas do Superman, com o seu namoro eterno com Lois Lane, com as fragilidades que a "kryptónita" lhe provoca, para além dos ódios de Lex Luthor e outras imaginativas peculiaridades que fazem viver, há quase sete décadas, este sempiterno mito americano. Verdade seja que nunca teve um Pulitzer e não se lhe conhecem grandes peças de imprensa, mas essa parece ser a pecha dos "jornalistas" da BD, de que o Tim Tim é o melhor exemplo.

Hoje, ao ver-se a Controlinveste em riscos de ser dirigida da Maianga, com o "Público" já quase sem ele, com a "Lusa" a definhar e a RTP pelas ruas de uma progressiva amargura, tudo indica, de facto, que só um Superman terá condições para resgatar este estado de coisas. Ninguém quer contratar o Clark Kent? Talvez dessa forma nos convencêssemos de que tudo isto não passa de uma simples ficção, embora de gosto duvidoso.

À mesa de Portugal

Ontem, coincidiram em Paris três eventos em que as indústrias agro-alimentares portuguesas estiveram em destaque.

Na grande feira internacional bianual da especialidade, a SIAL ("the Global Food Marketplace"), mais de 40 empresas portuguesas apresentaram dezenas de produtos de alimentação, algumas delas mostrando-se pela primeira vez neste contexto, outras consagrando uma presença externa habitual. O que mais me surpreendeu, e muito positivamente, foi o otimismo da generalidade dos empresários, olhando "em frente" e com um discurso comum de saída da crise.

Durante todo o dia, os salões da embaixada encheram-se de escanções e responsáveis pelos mais importantes restaurantes e hotéis de Paris, numa iniciativa reservada a profissionais promovida pela recém-criada "L'Art em bouteille", uma empresa que pretende trazer para França os melhores dos nossos vinhos e que, nesta sua primeira grande iniciativa, contou com a presença de importantes produtores do Douro.

Ao final da tarde, numa operação que anualmente aqui costuma ter lugar, o destaque foi para os vinhos da Madeira, num evento que decorreu num prestigiado hotel de Paris.

No esforço exportador em que muito assenta a possibilidade de recuperação económica do país, o setor agro-alimentar está a ter um comportamento de algum destaque. Mas Portugal tem de conseguir firmar uma imagem sustentada de qualidade ligada ao que produz neste domínio, coisa que outros países já fizeram com imenso sucesso. 

segunda-feira, outubro 22, 2012

Editoriais

O "Diário da Assembleia da República" (que até ao 25 de abril se chamou "Diário das Sessões") é um dos menos difundidos jornais portugueses. Nele se relatam, em pormenor, os debates ocorridos no nosso parlamento, com registo de alguns apartes (infelizmente, não todos) e interrupções. Se se olhar para uma fotografia do plenário verificar-se-á que, no espaço entre os deputados e a tribuna, há sempre duas pessoas que tomam notas numa pequena mesa, que se revezam ao fim de alguns minutos. A sua tarefa parece ser anotar aquilo que a gravação da sessão possa não ter deixado claro, como a autoria dos apartes e outros pormenores que o "Diário" tem obrigação de registar. Sempre que alguém faz uma intervenção escrita, invariavelmente esses funcionários solicitam-na discretamente ao orador, para aferição do texto com a gravação. Uma tarefa discreta, mas essencial.

Um dia dos anos 90, numa das tardes em que, pelo governo, ia à Assembleia, e porque o humor é parte da política, resolvi "lançar a confusão" nas hostes do executivo, testando o "calo" de um dos seus membros. No gabinete do ministro dos Assuntos parlamentares, onde o primeiro-ministro e os membros do governo que iam a debate se reuniam um pouco antes, lancei, em jeito de confidência, para um ingénuo e recente secretário de Estado, "maçarico" nas lides governativas e sem nenhuma experiência parlamentar:

- Parece que o primeiro ministro está furibundo com o Almeida Santos! Dizem que ele não desiste da ideia de, a partir da próxima semana, fazer um pequeno "editorial" em cada edição do "Diário da Assembleia da República".

O meu querido amigo Almeida Santos era então presidente da Assembleia da República e o seu gosto pela escrita era bem conhecido. Mas a ideia era de total implausibilidade. 

- A sério? Mas isso tem sentido? A oposição é capaz de "saltar"!, disse-me o meu colega, com ar já preocupado.

- Pois é, mas ninguém trava o homem! Até já ouvi dizer que o assunto vai a "conferência de líderes".

- O Guterres tem razão, não achas? Isso pode vir a dar uma "bernarda" das antigas, comentou o meu colega, ciente de que já bem nos bastavam as crises que a vida política, à época, nos trazia.

Afastei-me e deixei o jovem governante a aboborar a angústia. Minutos depois, dei-me conta de que passava a "notícia" a outros membros do governo, que o ouviam com ar divertido. Pelos olhares oblíquos que me eram dirigidos, percebi que o meu nome, como veículo do boato, começava a circular. Temi mesmo que acabasse por chegar a António Guterres, que estava num canto da sala (que fora o antigo gabinete de Oliveira Salazar). 

O debate parlamentar iniciou-se, entretanto, com Almeida Santos a presidir aos trabalhos. A meio dessa tarde, um contínuo aproximou-se de mim, na bancada do governo, com um bilhete: "Meu caro amigo, está convidado, quando quiser, para publicar alguns artigos no "Diário da Assembleia da República", que aproveitarei para os dias em que eu não tiver inspiração para os meus editoriais".

Fiquei preocupado. Afinal, até ao próprio António de Almeida Santos tinha chegado a minha graçola. O tom do bilhete era muito irónico. Estaria ofendido? Durante uma hora mais, enquanto o debate continuava, remoí algum arrependimento. Em que diabo de brincadeira eu me tinha metido! À saída da sessão de perguntas ao governo, encaminhei-me para a tribuna da presidência, a fim de lhe dar uma explicação. Nessa altura, fui travado por um ministro que, sorridente, me disse: "Não vás! Fui eu quem te escreveu... "pelo" Almeida Santos".

Fui buscar lã e saí tosquiado!

Isto é verdade?