segunda-feira, janeiro 11, 2010

Rohmer


É, com toda a certeza, uma questão geracional, mas marca-me cada vez mais a desaparição de personalidades cujas obras funcionaram como "tijolos" da própria construção daquilo que sou. Há pouco, pela televisão, chegou-me a notícia da morte de Eric Rohmer.

Por instantes, veio-me à memória um ciclo de cinema francês, numa sala perto da avenida de Roma, em Lisboa, no início dos anos 70. E recordei-me dos seus "Contes Moraux". Dos embaraços à beira-lago da figura de Brialy, no sempiterno "Genou de Claire". Das angústias existenciais da personagem de Trintignant, no "Ma nuit chez Maud" (na imagem), filme que me levou a ler Pascal e que me criou uma ideia mítica de Clermont-Ferrand. E do inesquecível "L'amour l'après-midi", de onde um amigo meu retirou o dito magnífico de que "mais vale à tarde do que nunca"...

Ao rever agora a filmografia de Rohmer, dou-me conta dos vários filmes dele que ainda não conheço. Fica-nos essa sua magnífica herança.

Porém, que deste post não nasçam confusões: tal como Philippe Séguin, desenhado ontem à tarde no belo discurso de despedida do presidente Sarkozy, sinto-me por vezes melancólico, nunca nostálgico.

domingo, janeiro 10, 2010

Encontros diplomáticos

Há dias, fui convidado a fazer uma palestra sobre a Europa a dezenas de membros de um "global master of arts program" da universidade americana Fletcher School, dedicada a "mid-to-senior level international affairs professionals". Acho sempre muito estimulante falar a pessoas oriundas de outros mundos, embora acabasse por encontrar no grupo alguns participantes idos de países europeus, o que aliás suscitou um interessante cruzamento de perspectivas.

No termo do debate, que durou quase duas horas, dirigiu-se-me um indonésio, perguntando se não me recordava dele. A cara dizia-me alguma coisa, mas não conseguia enquadrá-la no tempo. Lembrou-me que tinha sido um dos meus três vice-presidentes, quando, em 2001/2002, eu presidira, em Nova Iorque, à 2ª Comissão da Assembleia Geral da ONU (na imagem). Esta Comissão, que trata de assuntos económicos, financeiros e ambientais, é a maior das sete em que se subdivide a acção da Assembleia Geral e, frequentemente, uma daquelas em que a obtenção de consensos se revela mais complicada. Recordo-me de longas semanas de debate, até altas horas, com os Estados Unidos (já então, a administração Bush) e o Irão a polarizarem algumas das polémicas. Quando concorri à eleição para a respectiva presidência, estava longe de supor o que me esperava...

O meu amigo indonésio trouxe então para o grupo uma história que, essa sim!, eu recordava bem. No termo dos trabalhos da Comissão, era tradição a delegação indonésia oferecer, nas instalações da sua missão em Nova Iorque, uma recepção às várias centenas de delegados. Convidado para dirigir algumas palavras aos presentes, fiz então notar que, poucos anos antes, se alguém tivesse aventado a ideia de um representante diplomático português poder vir a falar numa Embaixada indonésia teria, com toda a certeza, sido considerado um lunático. Ora bem, as coisas tinham mudado e ali estávamos nós a trabalhar conjuntamente, com toda a serenidade, agora que as nuvens entre Jacarta e Lisboa se tinham dissipado definitivamente, graças à resolução da crise de Timor-Leste.

Um dos aspectos mais gratificantes da experiência diplomática é a possibilidade de sermos capazes de superar divergências que, em certos momentos, parecem intransponíveis e, no final, conseguirmos colaborar construtivamente em causas comuns de interesse colectivo.

sábado, janeiro 09, 2010

Arquivo


"A pedido de várias famílias", como em tempos se dizia, vou passar a introduzir no fundo de dos posts publicados neste blogue um "marcador", que permitirá, com um simples clique a consulta de todos os textos da mesma natureza já aqui escritos.  Os posts poderão ter mais do que um "marcador".

Porque a "recuperação" do passado é uma tarefa morosa, a operação completa, desde o início do blogue, só daqui a algum tempo estará concluída.

Diplomacia e empresas


Chama-se "Bilatérale" a nova revista trimestral que a Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa, sedeada em Paris, apresentou recentemente.

Nela publico o artigo, sob o título "La diplomatie et les entreprises", que pode ser lido aqui , cuja versão portuguesa pode ser lida aqui.

Acordo Ortográfico


O professor Evanildo Bechara, negociador brasileiro do Acordo Ortográfico, dizia-me um dia que este tipo de instrumentos de regulação linguística era feito para as gerações seguintes. De facto, não é agradável para ninguém, mudar a sua maneira de escrever . Apenas as novas gerações, através do ensino, têm facilidade de absorver com naturalidade essas mudanças, que ciclicamente sempre aconteceram no passado.

Durante a minha vida, recordo-me de ter assistido já a algumas mudanças na nossa escrita.  Uma delas, por exemplo, foi o fim da utilização dos acentos graves nos advérbios de modo. Mas não foi "sòmente" essa. 

Todos podemos ter a nossa opinião sobre o interesse deste novo acordo. Eu tenho a minha, mas ela é irrelevante. O facto (palavra que não muda, não obstante a confusão que alguns querem estabelecer) é que o Acordo está em vigor e é hoje um instrumento legal, que tem aplicação directa (ou melhor, direta) na ordem interna portuguesa.

Relembro, aliás, que Portugal foi o primeiro país a ratificar este Acordo Ortográfico, em 1991, e ele só não entrou em vigor, já em início de 1993, porque os restantes subscritores o não fizeram até essa data.

Assim, e porque o Acordo agora se encontra em pleno vigor, goste-se ou não dele, este blogue vai passar a seguir as suas regras, a partir de 11 do corrente. Os nossos comentadores são livres de  escreverem como bem entendam. Podem mesmo voltar à "pharmacia"...

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Jornalismo português

O cenário era o pátio do palácio do Eliseu, sede da Presidência da República francesa. O primeiro-ministro português falava ontem aos jornalistas, após um dia de recepção calorosa por parte do presidente Nicolas Sarkozy, sublinhado em vários momentos públicos.

A certa altura, um jornalista português, vindo expressamente de Lisboa para cobrir a deslocação, perguntou: "O senhor primeiro-ministro tem uma muito boa relação com o presidente da República francesa. Não gostaria de ter também uma boa relação com o presidente da República em Portugal?".

Ando há muitos anos na vida diplomática, considero-me um observador atento da vida política e mediática internacional. Porém, devo dizer, nunca tinha visto nada igual.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Philippe Séguin (1943-2010)


O "gaullisme" é uma escola de fidelidade onde sempre foi possível encontrar políticos cuja distância entre si pareceu maior que aquela que os separava de adversários situados noutros quadrantes partidários. Philippe Séguin, que ontem desapareceu aos 66 anos, era um desses políticos, que uma notícia qualificava hoje como "un homme de droite que la gauche aimait".

Há pouco mais de seis anos comprei, numa passagem no aeroporto parisiense de Roissy, o seu livro de memórias, intitulado "Itinéraire - dans la France d'en bas, d'en haut et d'ailleurs". Interessava-me conhecer melhor o homem que, em 1981, defendera a abolição da pena de morte contra os seus companheiros de partido e que, uma década mais tarde, titulara o combate ao Tratado de Maastricht, num debate célebre com François Mitterrand, que quem se interessa pelas coisas europeias nunca esquecerá.

Séguin foi uma importante figura da direita francesa, onde disputou combates que hoje fazem parte da história da V República, tendo-se retirado da vida política em 2002 para a presidência do Tribunal de Contas. Personalidade controversa, mas homem de fortes convicções e integridade, a sua morte precoce entristeceu toda a sociedade política francesa.

Há poucos meses, acompanhei o seu amigo e homólogo português, Guilherme de Oliveira Martins, a um jantar oferecido, aqui em Paris, por Philippe Séguin. Na próxima segunda-feira, lá estaremos ambos, nos Invalides, para lhe prestar a homenagem que é devida.

Em tempo: vale a pena ver este retrato que Guilherme Oliveira Martins traça de Philippe Séguin

Pedroto


Foi já há um quarto de século que desapareceu José Maria Pedroto. Recordo bem essa noite, pois estava de passagem pelo Porto e pude testemunhar a tristeza dos portistas e de muitos portuenses.

Há dois tempos no futebol português: antes e depois de Pedroto, isto é, antes e depois do "renascimento" do Futebol Clube do Porto. Com Pinto da Costa, Pedroto é o grande protagonista do início da deslocação de poder, no mundo do futebol, do Sul para o Norte do país, retirando-o ao condomínio de largas décadas do Benfica e do Sporting.

Qualquer que seja a opinião que se tenha sobre estas figuras do nosso futebol, esta é uma realidade incontroversa para quem se interessa por este desporto-negócio e, por essa razão, um motivo para relembrar José Maria Pedroto.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Le temps des chimères



Recebi como oferta do pessoal da Embaixada, neste Natal, o excelente livro "Le Temps des Chimères", de Hubert Védrine, uma personalidade francesa de quem já aqui se falou.

O volume reúne textos de natureza diversa, desde artigos a entrevistas e intervenções, do período entre 2003 e 2009. Nele, Védrine traça a sua visão sobre a situação internacional. com grande atenção à América, à crise europeia e a outros temas, entre os quais a "françafrique".

Ao lê-lo, fica-se com a nítida sensação de que este colaborador próximo de François Mitterrand e, mais tarde, ministro dos Negócios Estrangeiros de Lionel Jospin, é  hoje uma das mais lúcidas cabeças da política externa europeia.

Pena é que, até agora, a sua experiência e rigor não tenham sido aproveitados nesse contexto,  para além dos "think tanks" que usufruem do seu saber e por onde, em Paris, o vou encontrando.

terça-feira, janeiro 05, 2010

Diplomacia e economia

Os membros do Fórum dos Embaixadores, que reúne as estruturas da AICEP com os chefes das representações diplomáticas portuguesas nos países com relevantes laços económicos connosco, vão hoje estar reunidos em Lisboa, para falar da dimensão económica da diplomacia, isto é, do modo como a nossa rede diplomática e consular melhor pode auxiliar à promoção da economia portuguesa. Trata-se de uma reflexão importante, para conseguirmos garantir maior eficácia ao modo como Portugal gasta o seu dinheiro na vertente externa - na promoção comercial, na captação do investimento estrangeiro, na divulgação turística.
Na minha carreira profissional, e embora não sendo economista, passei a maior parte do tempo a trabalhar na área económica, tentando que diplomacia se orientasse para objectivos importantes para a riqueza material do país.

Há precisamente sete anos, um então titular de um dos mais elevados cargos políticos em Portugal "descobriu a pólvora" e decidiu “decretar”, junto da imprensa, que tinha acabado o tempo da “diplomacia do croquete” e que “agora é que era!” na definição de uma diplomacia voltada para a economia. Porque quem não se sente não é filho de boa gente, e porque não admito que se brinque com a dignidade de uma profissão a que eu e muitos colegas dedicámos, com grande seriedade, grande parte das nossas vidas, respondi-lhe à letra, num artigo no “Público”, sob o título “Diplomatas & Croquetes”, que aqui deixo hoje, para memória futura:




Iniciativas recentes ligadas à dimensão económica da política externa portuguesa deram azo, uma vez mais, a que os diplomatas fossem brindados com notas depreciativas na comunicação social. Até aqui, nada de novo: zurzir os diplomatas, tidos como um nicho aristocrático e snobe da administração pública, tem uma audiência garantida à partida, por razões que a psicologia do despeito também ajuda a explicar.

Não tendo dos meus colegas qualquer procuração, nem vocação particular para titular reacções corporativas, entendo ter o dever de lembrar – porque, aparentemente, ninguém o fez de forma clara - que os profissionais do Ministério dos Negócios Estrangeiros não nasceram hoje para a chamada diplomacia económica. E afirmar publicamente a dignidade de quantos, como eu, se não sentem representados pela caricatura da “diplomacia do croquete”, a menos que aí caibam (porque frequentemente tais croquetes são digeridos nesse âmbito…) as diligências políticas que os embaixadores portugueses continuam a efectuar diariamente pelo mundo, a solicitação dos nossos interesses empresariais. 

Convirá, aliás, começar por nos entendermos quando falamos de “diplomacia económica”. Prevalece frequentemente a ideia simplista de a reduzir ao apoio político-diplomático aos agentes empresariais que actuam na área internacional (comércio de bens e serviços e promoção do investimento e turismo), bem como às acções para a captação de investimento directo estrangeiro para Portugal. Ora esta é apenas a definição da diplomacia de negócios.

Ninguém mais dos que os profissionais do MNE tem interesse em ver reforçadas as condições funcionais que permitam melhorar a eficácia do trabalho que o ministério sempre desenvolveu nesse contexto, quando para tal solicitado. É essencial, contudo, que haja uma definição de linhas incontroversas de autoridade institucional interdepartamental, o estabelecimento de uma formação técnica contínua dos seus quadros e a dotação dos serviços com os necessários recursos humanos, técnicos e financeiros, se se pretender que esse trabalho evolua para um diferente patamar de especialização. A partir daí, qualquer gestão por objectivos será sempre mais do que bem-vinda pelos diplomatas. 

Mas convirá notar, para quem não saiba ou possa entretanto ter esquecido, que a diplomacia de negócios está muito longe de esgotar o conceito de diplomacia económica. Com escassas excepções no domínio financeiro, o MNE assumiu, desde sempre, a direcção de praticamente todas as negociações internacionais relevantes na área económica, quer no plano bilateral, quer multilateral – neste caso, no âmbito das Nações Unidas, da EFTA, do GATT/OMC, da OCDE ou da CEE/UE. E sempre com uma eficácia técnica que nunca se viu contestada seriamente por ninguém. Por exemplo, quem, senão o MNE, coordenou as negociações económico-financeiras de onde derivaram os três Quadros Comunitários de Apoio que beneficiaram Portugal?

Por outro lado, a ideia de que os profissionais do MNE dão prioridade à “política”, entretendo-se na elaboração de especulações analíticas destinadas a arquivos, ignora que o mundo e a vida internacionais ainda são algo mais do que a economia, se bem que essa evidência pareça hoje escapar a alguns neo-fascinados pelos cifrões. E Timor? E as questões de segurança e defesa ? E as relações com os PALOP? E a ajuda pública ao desenvolvimento? E as negociações institucionais europeias? E a coordenação do ensino e dos leitorados no estrangeiro? E a gestão da imensa rede consular?

Neste tempo em que parece prevalecer uma cultura de diabolização do serviço público, está criado um terreno fácil para se projectar uma sombra de dúvida sobre o empenhamento e a qualificação profissional de diplomatas, técnicos e quadros administrativos do MNE, os quais, na sua grande maioria e em condições de trabalho muitas vezes difíceis, têm dado provas de grande dedicação aos interesses do país. Mais uma razão para assumir o risco de afrontar l’air du temps e tentar preservar essa coisa simples, mas essencial, que é a verdade das coisas. Doa a quem doer.”

segunda-feira, janeiro 04, 2010

Espanha europeia

A Espanha assume, desde 1 de Janeiro, a presidência da União Europeia.

Madrid habituou-nos a presidências ambiciosas e bem sucedidas, com sentido estratégico e determinação. Desta vez, a Espanha tem perante si um desafio complexo, porque lhe cabe dar corpo prático ao Tratado de Lisboa. As instituições são também o que vier a ser o seu próprio funcionamento, pelo que os primeiros meses desta transição de modelos terão a maior importância.

Duas áreas são vitais: o papel das presidências rotativas e a fixação do formato do Serviço Europeu de Acção Externa (SEAE).

O Tratado de Lisboa consagra uma opção deliberada em favor das estruturas de continuidade, em detrimento do papel dos Estados a quem compete a presidência semestral. Definir onde termina um terreno e começa o outro é algo que no primeiro semestre de 2010 terá de ficar assente. Porquê no primeiro semestre? Porque o segundo competirá à Bélgica e, com toda a lógica, nele deverá prevalecer a leitura do novo presidente do Conselho Europeu, Van Rompuy.

Já o SEAE, sem Javier Solana e com Catherine Ashton, sofrerá o seu desenho essencial nos próximos meses, sendo interessante perceber o modo como se fará o "merge" das estruturas externas da Comissão e do secretariado-geral do Conselho com os quadros idos dos diversos países. A luta pelo poder está já nos corredores e da sua resultante final dependerá igualmente o modo como os diversos Estados-membros "viverão" a compatibilidade necessária entre o novo Serviço e as suas respectivas redes diplomáticas nacionais.

Madrid vai estar sob o olhar de toda a Europa e o presidente do Governo, Jose Luis Zapatero, vai ter de utilizar toda a sua consabida capacidade negocial para garantir um resultado consensual. Como sempre aconteceu no passado, a Espanha sabe que pode contar plenamente com Portugal para tudo quanto, nesta exigente tarefa, resulte em favor de interesses comuns no plano europeu, que aliem as nossas muitas identidades e compatibilizem algumas das nossas diferenças.

domingo, janeiro 03, 2010

Seminário diplomático

Hoje é dia de Seminário Diplomático. Desde há vários anos, e sob vários modelos, a maioria dos embaixadores e altos funcionários do ministério dos Negócios Estrangeiros, que coincidem em Portugal neste período de festas, junta-se num encontro anual, onde reflectem sobre o trabalho feito e recebem orientações do ministro e de outros dirigentes políticos e da "casa".

Para além deste objectivo, torna-se extremamente interessante, para quem trabalha em postos diferentes e distantes, poder cruzar-se com amigos antigos, convivendo com eles, ainda que por um período muito curto. Durante o ano, trocamos e-mails, alguns telefonam-se, às vezes visitamo-nos nos postos ou encontramo-nos por Portugal. De quando em quando, lemos o que os outros escrevem nas comunicações oficiais para Lisboa. Mas, por mais esforços que façamos, vamo-nos "perdendo" um pouco uns dos outros, deixando de nos ver com a regularidade que a "alimentação" da amizade requer. Esse é um dos "preços" desta profissão.

A carreira diplomática é, em todo o mundo, uma actividade muito exigente, que obriga a mudanças cíclicas de vida, ao afastamento das famílias e a testes constantes sobre a nossa capacidade para trabalharmos em novas realidades. Acarreta, além disso, custos insuperáveis para a vida profissional dos cônjuges e sérias instabilidades para os filhos.

Mas esta foi a carreira que escolhemos e, sem a menor dúvida, os problemas que suscita são - em muito! - suplantados pelos seus imensos aspectos positivos. Ser diplomata constitui um enorme privilégio, não apenas pelas experiências e oportunidades que este tipo de vida proporciona, mas, principalmente, pelo facto de podermos ter o singular orgulho de ser a cara do nosso país em vários lugares do mundo. Gostava que as novas gerações de diplomatas percebessem bem essa honrosa responsabilidade e a fantástica possibilidade que a carreira diplomática lhes concede para servir Portugal.

sábado, janeiro 02, 2010

Cumplicidades



Cada vez mais me convenço que comprar livros começa a ser um mero gesto de esperança de que vamos conseguir arranjar tempo para os ler. Com tudo o que tenho atrasado, nem duas vidas de ócio pleno me dariam para os milhares que já me enchem as estantes. E, contudo, continuo a comprar mais livros...

Há dois dias, em Orense, retraí-me de adquirir umas memórias da filha de Franco e outras de Mario Conde, uma biografia de Buñuel e uns textos de Cortázar que me faltavam, pela quase certeza de que não iria ler esses livros. Há uns anos, isso não me teria acontecido: compraria e, depois, logo se veria! Confesso que me entristeceu esta minha decisão... A idade começa a rimar com um excessivo bom senso.

Na minha conversa com o livreiro galego, falámos, com alguma emoção, de publicações que ele me havia vendido, em diversas visitas, vai para quatro décadas, nas anteriores instalações da sua Libreria Tanco. Eram coisas proibidas em Portugal, que o franquismo já então deixava publicar. Relembrámos as idas discretas às estantes nas traseiras da sua loja, de onde saíam textos anarco-sindicalistas, o diário do Che na Bolívia e publicações da linha "rosaluxemburguesa" ou do "internacional situacionismo". O que eu lia (ou tencionava ler) por essa altura...

Num certo momento, o meu amigo livreiro fez-me uma surpreendente revelação: "Sepa Usted que yo tenía como muy buenos clientes algunos curas portugueses, de Chaves y Vila Real. Venían por cosas muy de izquierdas...". Nunca me havia dito isso! Será que, com o 25 de Abril, terão chegado a bispos ou arcebispos? Acho melhor nem tentar saber...

sexta-feira, janeiro 01, 2010

Marão


Atravessar o Marão, na minha infância e adolescência, era uma programada aventura. A serra era uma imensa barreira entre o nosso mundo e o mundo, centenas de curvas que davam direito a enjoos, que se iam atenuar com um copo de "Pedras" na "Lai Lai" ou no "Zé da Calçada", logo que chegados a Amarante.

Mais tarde, as idas para a universidade, na camionete do "Cabanelas" para o Porto, representavam mais de três horas de viagem, sempre com paragem obrigatória em Amarante, desta vez no largo do Arquinho, para um "reforço" no "Príncípe".

Nos eternos regressos a Vila Real, recordo o conforto psicológico que era descortinar, lá ao alto, as luzes da Pousada de S. Gonçalo, uma espécie de posto avançado da cidade, a qual se iria vislumbrar, quilómetros depois, numa certa curva de Arrabães.

Graças ao IP4, o Marão é hoje um "tigre de papel". Há dias, de Vila Real, fui jantar a Amarante e regressei em cerca de meia hora. Há quem vá, a meio da manhã, de Vila Real ao Porto, e volte para almoçar. Com o futuro prolongamento da A4 a Trás-os-Montes, tudo vai ser ainda mais fácil.

Portugal está bem mais pequeno. Não tenho a mais leve saudade daquele passado. Ou melhor: apenas me faz falta a Pousada de S. Gonçalo, ali perto do Alto de Espinho, ingloriamente "terceirizada", como dizem os nossos amigos brasileiros.

Apontamentos

E, pronto! De umas centenas de milhares* de caracteres nasceu um livro de "Apontamentos" - ou melhor, um volume - com alguns estudos sobre coisas ligadas à minha profissão. A capa e contracapa estão "catitas", como diria o meu vizinho de rua Dâmaso Salcede (pelo menos, a acreditar na geografia urbana do Eça). Dentro de dias, estará à venda mas, devo reconhecer, não estou à espera dos respectivos "copyrights" para viver...

Espero que, daqui a um ano, não tenha razões para escrever alguns "Desapontamentos"...

Em tempo: para os amigos que me perguntam sobre o "lançamento" deste título, aviso que não haverá tal sessão. O livro será distribuído no dia 4 no Seminário Diplomático do MNE e, mais tarde, entrará no circuito comercial.

O livro pode ser adquirido na livraria Almedina, sendo possível encomendá-lo aqui.


*ver comentário

quinta-feira, dezembro 31, 2009

Um excelente 2010 !


Acabou 2009!


Heranças

"Não me atirem com o passado porque eu meto-o ao peito" - é assim que acaba a coluna de Ferreira Fernandes, no "Diário de Notícias" de hoje, a propósito de uma recordação espertalhota que alguns decidiram trazer à praça pública.

Não me julgo ao nível do cronista, no passado ou na escrita, mas quero deixar-lhe a minha solidariedade porque, também eu, fui alvo de algumas farpas, aquando de memórias que aqui trouxe sobre as minhas ligações políticas e militares, nos idos de 60 e 70, no outro século. Por isso, aproveitando a "boleia" e para que fique tudo bem claro, deixo lavrado em post, para quem o não tivesse ainda percebido, que, do mesmo modo, não renego nenhuma das minhas heranças, mesmo as que recebi de mim mesmo. Era só o que faltava...

quarta-feira, dezembro 30, 2009

Eu conheço um blogue...

... onde, durante 2009, se não falou da avaliação dos professores, dos telejornais da TVI, de asfixia democrática, do Freeport, de Manuel Pinho, de tauromaquia, da Casa Pia, do BCP/BPN/BPP & ofícios correlativos do Sul e Ilhas, destas, da dona Isabel dos Santos, de lideranças partidárias, de submarinos, da ida do Red Bull para Lisboa, de escutas, do Face Oculta, do Eurojust, do DIAP, do PGR, da REN, do STJ, do H1N1. E que sobreviveu... até ver!

terça-feira, dezembro 29, 2009

Vidas

Ele há cada conversa!

Ontem, à porta de uma funerária de Vila Real, o respectivo proprietário, com quem trocava cumprimentos rituais de Boas Festas, disse-me, a certo passo: "Ainda hoje falei do senhor embaixador a um colega de Portalegre. Ele foi a França buscar um cadáver e queixou-se-me das demoras consulares por lá". Defensivo e burocrático, reagi logo: "Ele que me contacte se, no futuro, tiver problemas". E fui andando.

Entramos para a carreira diplomática com o sonho de fazer parte de grandes negociações internacionais para acabarmos a agilizar os negócios da morte. É a vida, como dizia o outro engenheiro.

Uma nota para os tristes

Há vários anos que, quando penso (e penso muitas vezes) ir comer ao restaurante "Salsa & Coentros", não longe da Avenida do Br...