A reunião da Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP), de que eu era vice-presidente, decorria já há mais de duas horas. Estávamos em outubro de 1995 e um novo governo entraria em funções dentro de semanas, após recentes eleições legislativas. Desde há muito que a ASDP andava às voltas com um projeto de um novo Estatuto para a carreira diplomática e queríamos aproveitar a existência de uma nova equipa ministerial para a convencer, logo no início, de algumas das nossas reivindicações. Sob a presidência de António Santana Carlos, a discussão ia longa e intensa. Caminhávamos artigo a artigo, com divisões entre nós, fruto do confronto de diversas sensibilidades.
Desde meados dos anos 80 que eu tinha estado envolvido em grupos de trabalho que haviam desenhado vários projetos de "estatuto", uns mais ambiciosos do que outros. Muito mais do que reivindicações de natureza económica, pretendíamos regular com maior rigor o funcionamento da carreira, os processos de transferências e promoções, os direitos e deveres dos funcionários, acautelar uma imensidão de questões relativas à situação dos familiares, etc. À época, eu tinha ideias muito assentes sobre todos estes aspetos até porque, meses antes, tinha feito parte da equipa negocial que, sem sucesso, tentara um acordo com o governo que agora ia cessar funções.
A certo passo da discussão no seio da associação sindical, fiquei isolado. Num determinado artigo desse projeto, creio que o 28º, eu tinha uma posição completamente oposta à da generalidade dos meus colegas de direção. Expus os meus argumentos, mas, embora não convencido, fui vencido. E passámos à frente.
Íamos nós já na análise do "wording" de outros artigos quando o telefone tocou, numa mesa da sala de reuniões. A chamada era para mim. Atendi, verifiquei que não podia ter a conversa naquele ambiente de debate, tomei nota do número, pedi um telemóvel emprestado e saí, para ligar de outro local.
Minutos depois, regressei à reunião, que já tinha avançado pelo articulado adiante. Numa pausa, pedi ao António Santavna Carlos se poderia reabrir o debate sobre o artigo 28º. Houve um coro de protestos. Não apenas a vontade coletiva era esmagadora no sentido de consagrar a solução encontrada para aquele artigo como a minha tentativa de retomar uma questão fechada punha em causa a metodologia de trabalho acordada por todos, comigo incluído.
Com dificuldade, consegui adiantar uma explicação para a minha estranha atitude: "O problema, meu caros, é que a solução que vocês pretendem impor nesse artigo não creio que possa ser acolhida pelo novo governo".
A sala explodiu em perplexidade: "Essa agora!", "como é que sabes?", "ainda não iniciámos a discussão com eles!".
A sala explodiu em perplexidade: "Essa agora!", "como é que sabes?", "ainda não iniciámos a discussão com eles!".
Aí, com um sorriso, deixei cair: "Sei isso porque acabo de ser convidado para fazer parte do novo governo, aceitei e nele vou defender a minha solução".
Era verdade. E, para quem se possa surpreender pela ousadia da revelação imediata do convite, esclareço que não estava a quebrar nenhuma promessa de silêncio, porque havia sido acordado que, naquele preciso momento, a indigitação seria revelada à imprensa.