terça-feira, junho 21, 2011

A chamada

A reunião da Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP), de que eu era vice-presidente, decorria já há mais de duas horas. Estávamos em outubro de 1995 e um novo governo entraria em funções dentro de semanas, após recentes eleições legislativas. Desde há muito que a ASDP andava às voltas com um projeto de um novo Estatuto para a carreira diplomática e queríamos aproveitar a existência de uma nova equipa ministerial para a convencer, logo no início, de algumas das nossas reivindicações. Sob a presidência de António Santana Carlos, a discussão ia longa e intensa. Caminhávamos artigo a artigo, com divisões entre nós, fruto do confronto de diversas sensibilidades. 

Desde meados dos anos 80 que eu tinha estado envolvido em grupos de trabalho que haviam desenhado vários projetos de "estatuto", uns mais ambiciosos do que outros. Muito mais do que reivindicações de natureza económica, pretendíamos regular com maior rigor o funcionamento da carreira, os processos de transferências e promoções, os direitos e deveres dos funcionários, acautelar uma imensidão de questões relativas à situação dos familiares, etc. À época, eu tinha ideias muito assentes sobre todos estes aspetos até porque, meses antes, tinha feito parte da equipa negocial que, sem sucesso, tentara um acordo com o governo que agora ia cessar funções.

A certo passo da discussão no seio da associação sindical, fiquei isolado. Num determinado artigo desse projeto, creio que o 28º, eu tinha uma posição completamente oposta à da generalidade dos meus colegas de direção. Expus os meus argumentos, mas, embora não convencido, fui vencido. E passámos à frente.

Íamos nós já na análise do "wording" de outros artigos quando o telefone tocou, numa mesa da sala de reuniões. A chamada era para mim. Atendi, verifiquei que não podia ter a conversa naquele ambiente de debate, tomei nota do número, pedi um telemóvel emprestado e saí, para ligar de outro local.

Minutos depois, regressei à reunião, que já tinha avançado pelo articulado adiante. Numa pausa, pedi ao António Santavna Carlos se poderia reabrir o debate sobre o artigo 28º. Houve um coro de protestos. Não apenas a vontade coletiva era esmagadora no sentido de consagrar a solução encontrada para aquele artigo como a minha tentativa de retomar uma questão fechada punha em causa a metodologia de trabalho acordada por todos, comigo incluído.

Com dificuldade, consegui adiantar uma explicação para a minha estranha atitude: "O problema, meu caros, é que a solução que vocês pretendem impor nesse artigo não creio que possa ser acolhida pelo novo governo".

A sala explodiu em perplexidade: "Essa agora!", "como é que sabes?", "ainda não iniciámos a discussão com eles!".

Aí, com um sorriso, deixei cair: "Sei isso porque acabo de ser convidado para fazer parte do novo governo, aceitei e nele vou defender a minha solução".

Era verdade. E, para quem se possa surpreender pela ousadia da revelação imediata do convite, esclareço que não estava a quebrar nenhuma promessa de silêncio, porque havia sido acordado que, naquele preciso momento, a indigitação seria revelada à imprensa. 

segunda-feira, junho 20, 2011

O senhor Ferreira

Quando o novo governo entrar hoje em funções não encontrará, à sua chegada à residência oficial do primeiro ministro, a figura discreta, educada e prestável que, durante décadas, fazia o primeiro acolhimento a todos os visitantes: o senhor Ferreira. 

O senhor Ferreira ocupava um pequeno espaço, à esquerda de quem entra na residência, acompanhado por um polícia, à paisana. Em tempos que por lá andei mais, era uma senhora. O senhor Ferreira conduzia os visitantes que não fossem conhecidos e não soubessem os cantos da casa à sala de espera, ao elevador ou à escadaria que acede ao primeiro andar - onde se situam os principais gabinetes e onde Marcelo Caetano criou uma sala onde reunia o conselho de ministros. Essa sala, que tinha uma mesa em forma de U fechado, foi, no tempo de António Guterres, mudada para a cave. Era nela que, muitas vezes, reunia o conselho de ministros, em alternativa ao edifício existente na rua Gomes Teixeira, perto dos Prazeres.

A figura do senhor Ferreira, que passei a conhecer melhor nos anos 90, sempre me fascinou. Soube um dia que tinha entrado ao serviço ao tempo de Salazar. Como se teria dado com a senhora Maria? Que histórias, se as quisesse e soubesse contar, o senhor Ferreira não teria, olhando o mundo político daquela portaria, desde os anos 60?! Mas o senhor Ferreira era um homem discreto, com a lealdade essencial que os servidores do Estado devem ter, para além dos regimes e governos que servem. Várias vezes "puxei por ele", tentando saber coisas desses tempos antigos, memórias esparsas que pudessem ajudar a desenhar um retrato dessa época. Salvo coisas vagas, nunca me contou rigorosamente nada.

Um dia, nuns minutos de conversa que pudemos ter, quem lhe contou uma história fui eu. Tinha-se passado em 1975, pouco antes do Natal. Terminava então um dos anos anos mais turbulentos da política portuguesa, em todo o século XX. A Revolução, iniciada em abril de 1974, tinha atravessado imensas peripécias - e imagino os tempos "épicos" que o senhor Ferreira não deve ter tido, à beira de vários ataques de nervos, naquela portaria de S. Bento, nesses tempos do PREC (o crismado "processo revolucionário em curso", para elucidação dos leitores mais novos), com fardas e barbas a entrar de roldão, com golpes e contra-golpes a prenunciarem-se e a pronunciarem-se pelo corredores e gabinetes, nas várias encarnações governativas do general Vasco Gonçalves.

Como disse, 1975 ia terminar. O movimento "retificativo" de 25 de Novembro já tivera lugar e o VI governo provisório, que vira a sua existência ameaçada desde a sua formação, em setembro, entrava finalmente nas suas primeiras semanas de verdadeira velocidade de cruzeiro, chefiado pelo almirante Pinheiro de Azevedo.

Eu trabalhava então, destacado pelo MNE, no Gabinete Coordenador para a Cooperação, a primeira estrutura de ajuda pública ao desenvolvimento, criada após a Revolução, voltada para as relações com as colónias africanas recém-independentes. O projeto de um determinado diploma legislativo havia sido por nós preparado e havia urgência em que fosse entregue, em mão, ao então secretário de Estado responsável por aquela área, o comandante Cristóvão Moreira, que deveria entrar para a reunião do conselho de ministros, em S. Bento, dentro de minutos. Fui encarregado de levar o texto e de lhe transmitir oralmente algumas curtas informações complementares. 

Cheguei à residência num velho Mercedes preto. Os portões abriram-se de imediato e, sob continência dos polícias, o carro avançou até ao fundo da escadaria exterior, que dá acesso à entrada do edifício. Estranhei a facilidade com que a viatura foi admitida, sem qualquer pergunta, identificação ou controlo, mas tomei isso à conta de ser, provavelmente, uma matrícula conhecida. Na pequena área no alto da escadaria, o dr. Almeida Santos falava para televisões (perdão, para a televisão, porque então só havia uma...). Procurei alguém que me indicasse como é que eu poderia chamar o comandante Cristóvão Moreira. Foi-me dito para subir ao primeiro andar. Aí, repetida a pergunta, indicaram-me uma sala. Era o conselho de ministros. Estava prestes a iniciar-se a sua reunião, com o primeiro ministro Pinheiro de Azevedo já no topo da mesa, alguns membros do governo sentados, outros em conversas entre si ou com colaboradores. Descortinei o meu secretário de Estado, inconfundível na sua teimosa camisola de gola redonda, entreguei-lhe o documento, dei-lhe a mensagem e saí.

Ao abandonar o edifício, ainda aturdido pela incrível facilidade que tivera, no acesso desde a rua à sala do conselho de ministros, sem nunca mostrar a minha identificação e sem o mínimo controlo de segurança, perguntei quem era o responsável pela portaria. Foi-me então apresentado, pela primeira vez, o senhor Ferreira. Sorridente, muito agradável no trato, ouviu o comentário pelo qual eu lhe transmitia o meu espanto, respondendo assim: "O senhor doutor (presumiu que o era) tem toda a razão. É verdade, não há quase segurança nenhuma! Mas sabe o que é que acontece? Nunca houve um governo tão grande como este. Entre ministros, secretários e subsecretários de Estado são 84 pessoas! Fora os membros do conselho da Revolução! Todos têm chefes de gabinete, adjuntos e assessores que entram frequentemente por aqui dentro e, se lhes perguntamos quem são, ficam quase ofendidos por não os conhecermos. Por isso, temos alguma dificuldade em controlar estas coisas...". Percebi então melhor o embaraço do senhor Ferreira.

Contei-lhe esta história em 1995. Obviamente, não se lembrava da conversa que, vinte anos antes, tivera comigo. Mas recordava-se bem desses tempos complicados da política portuguesa, que atravessara, profissional e discretamente, na portaria de S. Bento. Reformou-se já há uns anos. Se ainda por lá estivesse, e a partir de hoje, ter-se-ia cruzado com o mais pequeno governo da história política portuguesa pós-25 de abril, por contraste com aquele imenso VI governo provisório.

Não sei se o senhor Ferreira ainda é vivo. Espero bem que sim e que possa receber o meu abraço. 

Le Bourget

Em 2009, eram apenas 10 as empresas portuguesas que, num pequeno e esconso espaço, estiveram no salão aeronáutico bianual de Le Bourget. Falei disso aqui

Na altura, senti alguns hesitantes, outros mais entusiastas, ainda com escassa ligação entre si. Recordo-me que organizei entre eles um jantar de trabalho, que correu bem. Na sequência deste encontro, marquei, a pedido de algumas dessas empresas, contactos em Portugal, a níveis que considerei adequados. Vim a saber que se revelaram frutíferos.

Passaram dois anos e o panorama, na visita que lhes fiz na manhã de hoje a Le Bourget, é outro bem diferente: são agora 37 empresas, com elevado grau tecnológico, num excelente e apelativo stand, agora sob a coordenação da AICEP,  com uma imagem que muito dignifica o nome de Portugal. Algumas dessas empresas têm já uma muito razoável carteira de negócios, outras avançam com projetos magníficos. Grande parte delas colaboram entre si, somam valências e, muitas vezes, estão a aproveitar a porta que a presença da Embraer no Alentejo começa a abrir. No Brasil, tive o privilégio de ter sido testemunha presencial, em S. João dos Campos, do momento em que se lançaram as bases para aquilo qur se pretende venha a ser um polo de indústria aeronáutica em Portugal. O caminho está aberto, finalmente.

Hoje à tarde, juntei cerca de meia centena desses empresários numa receção na embaixada. De todos colhi otimismo e alguns fizeram-me a descrição do que foi o percurso de progresso que os trouxe até aqui. 

Há dias em que ser embaixador de Portugal é particularmente gratificante. Hoje foi um deles.

domingo, junho 19, 2011

O "28"

Há dias, aqui em Paris, uma amiga estrangeira revelou-me ter sido assaltada na linha mais conhecida dos elétricos lisboetas, o "28", onde lhe roubaram uma máquina fotográfica. Contou-me que conhecia várias outras pessoas, todos turistas estrangeiros, que aí tinham tido idênticos problemas, nessa linha recomendada a todos quantos nos visitam, por atravessar várias e tradicionais zonas da cidade. Na conversa, e para minha tristeza, alguns dos presentes, maioritariamente de nacionalidade francesa, ecoaram a atual má fama universal do velho "28".

Dias depois, num jornal português, li uma notícia segundo a qual, diariamente, há registo de imensos roubos a turistas, dentro do "28". O caso já começou a aparecer em alguma imprensa internacional, identificado como um dos "cancros" no turismo de Lisboa, com uma dimensão só superada pela dos famigerados taxistas das chegadas, no aeroporto. No mesmo texto, era revelado que a quantidade de "carteiristas" que atuam, simultaneamente, naquela linha de elétrico, em certos dias, chega a atingir a dezena!

Neste tempo em que o turismo constitui um dos importantes fatores de ingresso de divisas para a nossa economia, em que procuramos, por todo o lado, promover a ida de estrangeiros a Portugal e em que sempre gabamos o nosso proverbial bom acolhimento, não será possível fazer nada pelo clássico "28", ajudando a que os turistas possam, sem assaltos nem sobressaltos, descobrir a "Graça" e os "Prazeres" da nossa capital, sem terem de passar pela "Feira da Ladra"?

Notas dominicais

1. Há dias, o "Libération" notava, com perplexidade, o silêncio das autoridades da generalidade dos países árabes, mesmo dos novos regimes tunisino e egípcio, perante as atos de barbaridade que estão a ser cometidos pelo regime sírio sobre a sua população.  O caso, segundo o jornal, é tanto mais estranho quanto o regime sírio esteve sempre longe de ser popular no seio do mundo árabe.

2. Foram várias as centenas de portugueses que ontem encheram a catedral de Notre-Dame de Paris, na tradicional missa anual que, desde há alguns anos, aí tem lugar, por ocasião das festas portuguesas em França, nesta época. Notei ser gente de média ou avançada idade, apenas com alguns jovens pelo meio. Há semanas, quando tive a almoçar na Embaixada os sacerdotes que trabalham junto das comunidades portuguesas em Paris e seus arredores, foi-me dado perceber que há uma mudança muito importante no comportamento dos portugueses em França face à religião católica, que não favorece o proselitismo nas novas gerações.

3. Foi há um ano que desapareceu José Saramago. É triste dizê-lo, mas cada vez tenho mais a sensação de que o posicionamento ideológico do grande escritor acabou por ser um fator altamente limitativo da fixação, no imaginário nacional, de um legítimo orgulho que o reconhecimento universal da sua magnífica obra imporia. Mas também acho que José Saramago pouco se importaria com isso. E gostei muito da frase de Leonor Barros, no Delito de Opinião, segundo a qual "os escritores não morrem, apenas deixamos de os ver".

4. A posse do novo governo português, num calendário muito curto, justificado pela excecional situação nacional que se vive, demonstra que ainda há margens de flexibilidade na lei que o bom-senso pode mobilizar. Como cidadão, e fazendo as contas ao tempo de decorreu entre a demissão do primeiro ministro e a data em que o novo governo vai tomar posse, acho que deveria ser feito um urgente esforço interpartidário para refletir neste assunto, para dar uma maior modernidade e eficácia ao quadro legal em que estas coisas se processam. Mas tudo isso teria de ser feito já! Dentro de alguns meses ninguém se lembrará de nada, da insensatez dos prazos previstos na nossa legislação para cada etapa. E, quando houver novas eleições, lá estaremos nós a reclamar de novo! Isto faz-me lembrar os discursos feitos, todos os verões, sobre as medidas a tomar quanto às florestas... que só vamos ouvir de novo quando surgirem os novos fogos. Confesso que sinto grande inveja do Reino Unido, que sempre realiza as suas eleições legislativas numa 5ª feira. Logo no dia seguinte, o novo primeiro ministro vai à raínha e, às 14 horas dessa 6ª feira, apresenta-se no parlamento para o seu primeiro debate*.

5. A França é um país em que a questão da energia nuclear, desde o general de Gaulle, passou a constituir um elemento identitário do seu posicionamento internacional, quer a nível da "force de frappe", quer no tocante ao nuclear com finalidades civis. As preocupações ecológicas e a sua retoma por parte de certas forças políticas tem vindo a abrir um debate, se bem que limitado, sobre o nuclear civil. Porém, e curiosamente, a tragédia japonesa teve escasso impacto no modo como a questão tem sido aqui abordada. Não tenho, contudo, a menor dúvida que a atitude radical do governo alemão, no sentido de abolir a produção nacional de energia nuclear até 2020, pelo impacto que acabará inevitavelmente por ter nas reflexões futuras em matéria de uma eventual política energética à escala europeia, vai, a prazo, potenciar de uma revisitação séria do problema em França.

Em tempo: no Reino Unido, como lembra um comentador, da última vez, excecionalmente, a formação do governo demorou três dias. Uma eternidade...

sexta-feira, junho 17, 2011

Manifestação

Ao ler, há dias, nas memórias de Pedro Feytor Pinto, mais um relato das manifestações contra a política colonial portuguesa que tiveram lugar aquando da visita de Marcelo Caetano a Londres, em 1973, não pude deixar de recordar uma curiosa situação de que fui testemunha privilegiada, precisamente 20 anos mais tarde, quando estava colocado na nossa embaixada naquela cidade.

A imprensa britânica tinha vindo a publicar artigos, crescentemente acusatórios, pelo facto de, alegadamente, laboratórios portugueses utilizarem cães como cobaias para experiências médicas. Várias cartas indignadas haviam sido recebidas na embaixada, às quais eu, como encarregado de negócios, na ausência do embaixador, pacientemente respondia, já nem me recordo bem em que termos.

Uma associação britânica dedicada à proteção dos animais pretendeu ser recebida, para entregar um protesto formal, dirigido ao nosso governo de então. Na data e hora combinadas, quando aguardava o grupo, entrou-me um contínuo com um ar desaustinado pelo gabinete, pedindo para eu ir, com urgência, à varanda. Lá fora, ocupando o canto de Belgrave Square, onde se situam os edifícios da residência e da chancelaria da embaixada, que vejo eu? Largas dezenas de cães, pela trela dos donos, bloqueando uma área importante, numa imensa manifestação, entrecortada por latidos em anárquico coro.

As surpresas não tinham terminado. Quando a delegação do grupo protetor dos animais acedeu, instantes depois, ao meu gabinete, dois dos seus integrantes pegavam pelas pontas de um grande "osso", feito em esferovite, ao qual vinha anexo um grande envelope, que vim a verificar tratar-se da carta de protesto. Colocado o imenso "osso" no chão, no centro da sala, ouvi os argumentos da delegação, transmitindo-lhe as justificações que entretanto recebera de Lisboa, as quais, decididamente, não acalmaram a sua indignação.

Acabada a audiência, que decorreu em tom cordato e civilizado, saíram, deixando o "osso" no meu gabinete que, nesse dia, se tornou num centro de romagem de todo o nosso risonho pessoal. Recordo que alguém ainda lançou, irónico: "O senhor doutor quer que se faça uma mala diplomática especial, para Lisboa, para mandar o "osso"? Podia seguir em anexo ao ofício que vai remeter o protesto...". Não mandei, claro, mas perdi uma boa oportunidade para o caso ficar nos anais do MNE. E, de caminho, para eu receber uma reprimenda do secretário-geral pela dispendiosa graça...

quinta-feira, junho 16, 2011

Grécia

Aquando da sua chegada à chefia do governo grego, falei aqui de Georgios Papandreou, de quem sou amigo há mais de 15 anos. Assumiu essas funções num dos momentos mais delicados da história recente do seu país, depois de ocupar vários outros cargos políticos. 

Georgios é uma personalidade serena, com um humor discreto e uma imensa atenção aos outros. Uma sua estada em Lisboa, em 1998, a meu convite, coincidiu com a morte súbita, precisamente em Atenas, de um grande amigo meu, diplomata português, que aí se encontrava de passagem. Recordarei sempre o modo emocionado como Georgios partilhou esse momento delicado, da morte na sua terra de alguém de quem os seus anfitriões estavam muito próximos. A sua sensibilidade tocou-nos a todos.

Neste tempo bem complexo em que, de certa maneira, "todos somos gregos", gostaria de poder dar um abraço ao Georgios e à Ada, extensivo ao vários amigos gregos que tive a felicidade de criar ao longo da vida.

Em tempo: lembro-me do que, há um ano, aqui escrevi sobre a crise grega.

Ainda o Dia de Portugal

Para registo, aqui fica a mensagem do embaixador de Portugal em França, por ocasião do Dia de Portugal, publicada pelo LusoJornal.

Cohn-Bendit e Portugal

Fico às vezes com a sensação que alguns deputados eleitos para o Parlamento Europeu adquirem, só por esse facto, um conhecimento, quase renascentista, que, a partir desse instante, os autoriza a falar de cátedra praticamente sobre tudo o que toca às relações internacionais. Está longe de ser o caso da maioria, mas sente-se que alguns dentre eles, qualquer que seja a sua nacionalidade, logo que eleitos para o areópago volante entre Bruxelas e Estrasburgo, se sentem ungidos por uma espécie de autoridade, não apenas pan-europeia, mas mesmo à escala global. Com a imprensa a adorar as belas e sonoras frases que podem dar títulos, está feito o "matching" ideal.

Desta vez foi a nossa agência "Lusa", que sabe-se lá por que luas, entrevistou em Bruxelas o dirigente "verde" francês Daniel Cohn-Bendit sobre a crise financeira internacional, nomeadamente sobre o caso português. O líder histórico do Maio 68, entre outros comentários, não se coibiu de dizer que pensa "que não existe consenso na sociedade portuguesa quanto aos passos que devem ser tomados, nem uma visão concreta sobre que tipo de medidas para além de uma política de austeridade e de reforma". Tendo acrescentado: "não vejo ou ouço - mas posso estar cego ou surdo - que na actual situação a sociedade portuguesa diga que é preciso arregaçar as mangas e percorrer esse caminho".

Não é verdade. O deputado Cohn-Bendit não está "cego ou surdo", está é mal informado sobre o sentido largamente maioritário da expressão do voto popular português nas eleições de 5 de junho, bem como sobre o histórico de aplicação de anteriores pacotes de reforma económico-financeira no nosso país.

Se acaso estas declarações de Daniel Cohn-Bendit tivessem sido proferidas na imprensa francesa teriam tido, de imediato, a resposta pública e completa do embaixador português em França. Mas a verdade é que aqui ninguém se lembraria de o consultar sobre isto...

Em tempo: dito e confirmado o que disse, acho que o sr. Cohn-Bendit afirmou coisas interessantes sobre a política europeia na intervenção reportada no video que um comentário lembrou.

quarta-feira, junho 15, 2011

Condecorações

As condecorações são a forma republicana de nobilitação. Representam o reconhecimento do destaque cívico obtido por um cidadão no seio da sua comunidade. Por essa razão, as condecorações devem ser conferidas com parcimónia, por forma a que a sua multiplicação não conduza à respetiva banalização, de modo a que quem as receba possa perceber que foi objeto de uma distinção particular.

Não desconheço que, se há tema eternamente polémico no seio das comunidades portuguesas no exterior - e, por maioria de razão, no seio da sua mais populosa comunidade, como é a francesa -, esse foi e será sempre a lista das personalidades que, por proposta do governo, o chefe do Estado distingue com condecorações, no Dia de Portugal. 

Porquê este e não aquele? Que diabo justifica que fulano seja condecorado e não beltrano, quando este, ou mesmo sicrano, mereceriam muito mais? Porquê um dirigente associativo e não uma personalidade cultural? Porquê uma figura política e não um empresário de destaque? A discussão é eterna, atravessa conversas e, muitas vezes, extravaza para órgãos da comunicação social, às vezes em registos de inveja, outras de indignação pura.

Noto também que, a nível diplomático, esta costuma ser uma espécie de questão tabu, que se torna sempre muito delicado abordar, até pelo caráter reconhecidamente discricionário que tem. A verdade é que não se pode condecorar toda a gente que o mereceria. Também é evidente que, qualquer que seja o critério de escolha, ele será sempre discutível, que outros poderiam ser adotados e, muito provavelmente, com uma validade objetiva e de justiça perfeitamente idênticas. Sei disso, como também sei, de ciência certa que nunca seria possível nenhum consenso, estabelecido em torno de um único critério. 

Por isso, pela parte que me toca, assumo com serenidade o "odioso" de ser (quando sou - e muitas vezes sou) responsável pelas propostas que se fazem, embora possa lamentar não poder fazer outras. Fique-se também a saber, porque nem sempre há disso plena consciência, que o número das propostas formuladas à consideração "de Lisboa" é sempre muito maior do que a necessária (e bem mais melindrosa) escolha final - que, no caso das comunidades, abrange também cidadãos residentes em muitos outros países. 

Dito isto, quero felicitar vivamente José Baptista de Matos, a quem o presidente Cavaco Silva acaba de atribuir a Ordem de Mérito, nas comemorações deste ano do Dia de Portugal. 

Há já bastante tempo, falei aqui de José Baptista de Matos. Antigo conselheiro das comunidades portuguesas e presidente da Associação Recreativa e Cultural de Fontenay-sous-Bois, de que foi fundador, Baptista de Matos desenvolveu, ao longo de mais de quarenta anos, um destacado trabalho cívico no seio da nossa comunidade. A ele se deve a iniciativa da construção de um monumento dedicado ao 25 de Abril, junto ao qual tem lugar a mais bela cerimónia que, nessa data e anualmente, tem lugar em França. Note-se ainda que Baptista de Matos figura, como exemplo, no museu da “Cité Nationale de l’Histoire de l’Immigation”, como um caso bem sucedido de integração em França. A meu ver, Baptista de Matos, com os seus "jovens" 77 anos, é uma das personalidades que bem merece passar a ter no peito uma condecoração portuguesa.

Parabéns, Baptista de Matos! 

Votos

Uma locutora da conhecida escola do jornalismo ofegante, presente na sala onde hoje se contam, com toda a serenidade, os votos das comunidades portuguesas no estrangeiro, afirmava há pouco, numa televisão, de forma jornalisticamente irresponsável, que o ambiente vivido na sala parecia o de uma "eleição africana" (aquele telejornal é transmitido também por toda a África, pela SIC Internacional). 

Ora o ambiente era idêntico ao de qualquer local de contagem manual de votos, em todo o mundo. Com o seu comentário, a senhora em causa, para além do seu triste e preconceituoso eurocentrismo, lançou uma nota de injusto descrédito sobre o sistema eleitoral português, cuja eficácia está acima de toda a suspeita, tanto mais que tem todos os mecanismos de fiscalização e controlo necessários para o apuramento rigoroso da vontade popular.

A locutora já se deve ter esquecido da "africana" Flórida...

Notas soltas

1. Imaginemos que um país "do Sul" da Europa tinha levantado uma qualquer "lebre" sobre um produto alimentar alemão, que viesse a provocar uma disrupção na produção e nos circuitos de comercialização do país. Caía o Carmo e o Reichstag! Não tendo sido assim, paga o orçamento da União Europeia...

2. Nestas coisas de sensibilidade dos mercados - talvez porque nunca tenha sido um grande fã da "mão invisível" - não me considero dos melhores "meteorologistas". Porém, o ambiente de divisão que se está a criar entre o Banco Central Europeu, por um lado, e a Alemanha e o Eurogrupo, por outro, relativamente às soluções para a situação grega, traz-me muito maus pressentimentos. Bastante para além (ou aquém) da Grécia, claro.

3. O caso de "Amina Arraf", uma suposta lésbica sírio-americana que, de Damasco, editava um blogue que estava a fazer sensação junto de quem seguia, à distância, a crítica situação na Síria, é bem a prova de que a "balda" no mundo da internet acaba por dar alguma razão a quem o pretende regular. Um suposto rapto de "Amina Arraf", que sublinhava nos seus textos a situação de repressão que se vive naquele país, provocou uma onda de solidariedade internacional. Afinal, "Amina Arraf" era um americano, estudante em Edimburgo, que inventava as histórias no seu blogue...

4. Fui hoje ver "La conquête", um filme de quase-ficção sobre a ascensão de Nicolas Sarkozy à presidência da República francesa. Os primeiros comentários davam a obra como uma caricatura achincalhante para a figura do chefe de Estado. Depois, foi com curiosidade que li uma apreciação benévola do filme por parte de Brice Hortefeux, uma das personalidades mais próximas do presidente francês. Hoje confirmei, uma vez mais, que uma obra tem a leitura que cada um estiver disponível para fazer.

5. Tira-teimas com um amigo diplomata que comigo entrou, no mesmo dia, no Ministério dos Negócios Estrangeiros: quantos ministros já tivémos nas Necessidades, até hoje? Ele dizia 16, eu dizia 19. Na realidade, depois de consultarmos o Anuário (um dia falarei deste clássico "instrumento" da nossa carreira), verificámos que, desde a nossa tomada de posse, em 14 de agosto de 1975, houve 18 personalidades diferentes que assumiram o cargo de chefe da diplomacia portuguesa, embora duas delas o tivessem feito por duas vezes, o que significa que tivémos, de facto, 20 ministros. É muito, em 36 anos? Talvez. No mesmo período, os EUA tiveram 12, a Espanha e o Brasil 13, a França e o Reino Unido 15, a Itália 18. Porém, desde que cheguei a Paris, o Quai d'Orsay já teve três titulares.

terça-feira, junho 14, 2011

Autocrítica

Aqui tens o teu blogue.
Mas que fazes tu com ele?
Dás-lhe sentido que sobre
ou ficas só com a pele


das coisas abandonadas,
do que ninguém vai cuidar,
esperando madrugadas
de que possamos falar?


Aqui tens a tua voz.
Somos inteiros e sós.

Poema de Luis Filipe Castro Mendes no seu blogue Tim Tim no Tibete, aqui reproduzido com a devida vénia

Pontault-Combault

Esta é a imagem da impressionante multidão (clique na imagem para ver melhor) que, na festa portuguesa em Pontault-Combault, no domingo passado, ouviu o discurso do embaixador de Portugal.

Fiquei, porém. na dúvida sobre se todo este entusiasmo teria "também" alguma coisa a ver com o facto de, depois de mim, o microfone ter passado para Tony Carreira...

Os meus parabéns ao Mário Castilho, dirigente associativo local, que há 36 anos realiza esta magnífica festa popular.

"Marcelismo" e diplomacia

Terminei há pouco a leitura de um livro de memórias de Pedro Feytor Pinto, intitulado "Na sombra do poder", recentemente editado pela Dom Quixote. O autor é uma figura pública que esteve fortemente envolvida na máquina de propaganda dos derradeiros anos da ditadura, após o que encetou, já em democracia, um percurso profissional na área da promoção do comércio externo português.

Não farei aqui uma análise valorativa deste livro. Porém, quero dizer que, para quem se interessa pela história do "marcelismo" (1968-1974), o livro traz alguns relatos curiosos, fruto do envolvimento direto de Feytor Pinto em diversos eventos da época. O trabalho descreve muitas situações e acontecimentos, sob um prisma em que o autor assume, com meritória lealdade, a sua constante admiração pelo chefe do governo derrubado em 25 de abril de 1974, bem como pela linha política por este seguida, nomeadamente em matéria colonial.

Frequentes, ao longo do texto, são as referências ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, pela multiplicidade de contactos que Feytor Pinto teve com diversas figuras da carreira. Creio que, com uma única mas relevante exceção, a diplomacia portuguesa frequentada pelo autor sai "bem tratada" do livro. Noto, a este propósito, um comentário que Feytor Pinto recolheu no livro, atribuído a uma conhecida figura da carreira diplomática, o embaixador Caldeira Coelho: "No serviço diplomático é, muitas vezes, muito mais importante o que evitamos do que o que conseguimos". É bem verdade. 

domingo, junho 12, 2011

Pensar Portugal em França

Por estes dias, o embaixador português em França é chamado a dizer algumas palavras aos nossos compatriotas, nas diversas festas que ocorrem por ocasião do "Dia de Portugal".

Os cidadãos de origem portuguesa residentes em França, com familiares e interesses em Portugal, parece-me que dispensam bem o discurso de arautos da desgraça, de "vencidos da vida", proclamações tremendistas que instilem dúvidas quanto à solidez das nossas instituições e adensem núvens de ceticismo quanto ao nosso futuro.

Pelo contrário, creio importante reforçar a necessária confiança nacional que deve derivar da recente religitimação popular dos nossos principais órgãos de soberania - Presidência da República e Assembleia da República.

Parece-me também necessário lembrar aquilo que o presidente da República portuguesa referiu, quanto à importância do envolvimento dos nossos cidadãos na diáspora no esforço de recuperação da nossa economia. É no exterior do país, no seio daqueles que tiveram a audácia de sair para o mundo, para tentar encontrar as soluções de vida que o lugar onde nasceram lhes não proporcionava, que reside uma das reservas de esperança com que Portugal hoje também conta.

A mensagem que sempre passo à nossa comunidade, como representante do Estado português em França, é uma mensagem de esperança, de otimismo, mas que não esquece a necessidade de ter consciência dos tempos difíceis e exigentes que ainda temos perante nós. Mais do que suscitar dúvidas e medos que só induzem instabilidade e propagam a inquietude, é preciso sublinhar a necessidade de uma cultura coletiva de rigor, de trabalho, de probidade e de sentido de responsabilidade. No setor público e no setor privado, entenda-se.

Nessas palavras, reitero sempre o orgulho que devemos manter nas instituições da nossa democracia, tutelada pela Constituição da República, a qual reflete os valores do 25 de abril, cujo provado equilíbrio, em três décadas e meia que agora comemoramos com júbilo, sempre permitiu enfrentar situações difíceis e ultrapassar momentos complexos. 

Destaco também o importante facto das três principais forças políticas portuguesas, não obstante o seu natural posicionamento diverso em muitos aspetos sobre a gestão do país, se terem formalmente comprometido a levar à prática o acordo subscrito com as instituições internacionais, o qual facilita, por alguns anos, meios acrescidos de financiamento ao Estado e à economia do país, ligados à introdução de um importante pacote de reformas. A preservação no tempo dessa posição conjunta é hoje vista no exterior como essencial para que Portugal possa recuperar a confiança dos mercados e obter condições para a retoma do seu crescimento.

E, finalmente, não deixo de lembrar aos portugueses em França que a mais evidente prova do sucesso da sua integração neste país é dada pelo facto da chefia da missão diplomática francesa em Lisboa, bem como a representação consular da França no Porto, serem hoje tituladas por diplomatas de origem portuguesa.

Fado nos trópicos

Naqueles tempos, as relações políticas entre Portugal e Angola eram muito tensas, fruto conjugado de diversas circunstâncias, só parte das quais assentes na racionalidade das coisas, a qual ainda demoraria algumas décadas para se impor. A comunidade portuguesa atravessava então um período de alguma insegurança, pelo que a comemoração do Dia de Portugal constituía um importante momento para a sua união. Por parte da nossa embaixada, era também uma ocasião para fazer passar uma mensagem de confiança e esperança.

Foi isso que pensou o embaixador António Pinto da França, que era e é a personificação de um homem de boa-vontade, o qual havia chegado a Angola disposto a tentar o impossível para aproximar os dois países, superando o ceticismo, quase desanimado, de alguns dos seus colaboradores, que, depois de muito terem porfiado em remar contra a maré, já só achavam que "não há nada a fazer!". Afinal era ele que estava cheio de razão, como o tempo viria a provar.

Num desses "Dia de Portugal" organizado para nossa embaixada em Luanda, António Pinto da França decidiu convidar, para fazer um espetáculo para a comunidade, uma fadista na altura em voga no nosso país - Luz Sá da Bandeira. O fado é uma linguagem musical que, para além de alimentar o sentimento dos portugueses expatriados, poderia ter como potencial condão fazer despertar, em alguns setores angolanos, memórias subliminares que ajudassem a minorar a crise de afetividade que então se atravessava. Na verdade, só eu, com a frieza político-estratégica que vinha dos tempos da "ação psicológica", havia pensado as coisas dessa forma. O embaixador Pinto da França, com a sua sensibilidade diplomática apurada, havia considerado, muito simplesmente, que um bom espetáculo de fado ficaria bem, para juntar os portuguses e convidados, nesse 10 de junho.

Mas essa opinião não era generalizada. Alguém expressou discretas reticências quanto à bondade da escolha daquela cantora. Por razões de natureza musical? Não, apenas pelo seu nome. Essa pessoa comentou - nunca se percebeu se totalmente a sério - que o nome de "Sá da Bandeira" poderia soar como estranho aos ouvidos mais militantes da política local, cujo regime tinha caprichado, anos antes, em mudar o nome da cidade angolana de "Sá da Bandeira" para "Lubango".

O assunto, porém, logo morreu por aí, entre gargalhadas. Ninguém chegou ao ponto de pensar mandar imprimir cartazes e convites para uma sessão de fados de "Luz Lubango"...

sábado, junho 11, 2011

Festas

Há anos que não vou às festas de Lisboa. Ontem, ao conversar com os fadistas que por aqui vieram para o espetáculo do Théâtre de la Ville (e, no caso de Camané, também para uma sessão em Orléans, para onde partirei daqui a pouco), soube algo mais sobre a vitalidade festiva destes dias lisboetas, em torno de Santo António. 

Embora eu seja muito pouco dado a nostalgias (arranjo sempre maneira de me sentir em casa nos sítios onde vivo, o que é um segredo para o bem-estar diplomático), confesso que me faz falta o flanar pelas noites lisboetas, com cheiro a sardinhas, música a rodos e cenas de arco-e-balão, nestes dias de junho. 

Ao comentar, na noite de ontem, que a única coisa que não me entusiasmava nada, nesta animação sazonal de Lisboa, eram as marchas populares, um amigo, que tenho de visita cá por casa, comentou, críptico: "bem me parecia que estás cada vez menos marchista..."

sexta-feira, junho 10, 2011

Dia de Portugal

Este ano, decidimos mudar o modelo tradicional das comemorações do "Dia de Portugal". Em lugar de convidar o corpo diplomático estrangeiro e os círculos políticos, económicos e sociais franceses, concentrámos na nossa comunidade esta festa, podendo, desta forma, alargar substancialmente o número de convidados portugueses. 

Foi um "Dia de Portugal" bastante diferente, mais "em família", que teve como convidado de honra o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que nesta data veio a Paris para mais uma iniciativa de promoção do fado a "património imaterial da humanidade".

Antes da receção, acompanhado por toda a Embaixada, fui depor uma coroa de flores no monumento a Luís de Camões, existente junto ao Trocadéro, aqui em Paris.

Em tempo: até o Malta da Rima já falou disto, imaginem!

Eurico Figueiredo



Na minha adolescência, em Vila Real, o nome de Eurico de Figueiredo identificava um estudante de "ideias avançadas", saído anos antes da cidade, que liderara as lutas académicas lisboetas de 1962 e que, depois de uma agitada passagem pela universidade de Coimbra, se exilara na Suíça. Só o vim a conhecer muito depois do 25 de abril, quando regressou a Portugal para exercer psiquiatria e, posteriormente, para se envolver na ação política, da qual um dia acabou por se cansar - e talvez com razão.

No passado sábado, numa sessão no Governo Civil de Vila Real, tive o prazer de colaborar na apresentação de uma sua obra literária onde, através de textos ficcionados de e-mail, traça os encontros e desencontros de uma geração onde muitos de nós nos podemos rever. Uma escrita que marca o seu regresso à terra de onde um dia partiu.

Fado em Paris

Dificilmente será possível juntar em Portugal, num único espetáculo, o conjunto de fadistas que a Câmara Municipal de Lisboa trará, hoje à noite, às 20.30 h, ao Théâtre de la Ville, em Paris.

Carlos do Carmo, Cristina Branco, Camané, Carminho e Ricardo Ribeiro, pertencendo todos ao núcleo dos maiores intérpretes contemporâneos do fado, representam como que três gerações da canção portuguesa. Hoje em dia, o fado "está bem e recomenda-se", como o prova a multiplicidade de intérpretes que têm vindo a afirmar-se nos últimos anos.

Dentro de alguns meses, o fado deverá ser consagrado como "património imaterial da humanidade", no âmbito da UNESCO, se tudo correr como esperamos. E é justo que isso aconteça em Paris, cidade do mundo onde o fado é acarinhado como em nenhum outro lugar.

Neste "Dia de Portugal", em que o fado, com o simpático apoio de Emmanuel Démarcy-Mota, sobe ao palco do prestigiado Théâtre de la Ville, julgo de justiça deixar aqui uma palavra a uma intérpetre a quem a a divulgação da canção portuguesa em França muito deve e que a comunidade portuguesa não esquece e acarinha, como sempre fica evidenciado nos seus regressos a Paris: Mísia.

quinta-feira, junho 09, 2011

Diplomatas britânicos

Vale a pena ler o que o site do "Foreign Office" refere, no tocante aos blogues dos seus diplomatas:

"Foreign Office blogs provide a place for officials and Ministers to engage in a direct and informal dialogue with public audiences about international affairs and the work of the Foreign and Commonwealth Office. 


We want our blogs to be personal, real time, integrated with other things we're doing, responsive to commments, and written for particular (sometime niche) audiences. But there's no right or wrong way to blog, and you'll see that our bloggers take different approaches. 

Our blogs are personal and attributed - they are all written by the named authors. 

Some are written by ministers, some by ambassadors, some by staff on particular themes. Some are about particular foreign policy issues, some cover a range of our work. Some of our bloggers are on our officially branded websites, some are hosted on other web platforms. Most of our blogs are written in English, but some of our bloggers write in local languages. 

Anyone in the Foreign Office with a good reason to can write an official blog. We provide some guidance and support because we want our bloggers to make the best use of the medium. But the bloggers themselves take full responsibility for the blogs that they publish"

quarta-feira, junho 08, 2011

"Tard"

Há dias, em Portugal, um amigo surpreendeu-se quando eu lhe disse que o mundo operário francês começou a aparecer designado, desde há alguns anos, como "la France qui se lève tôt", para sublinhar a penosa condição da sua vida quotidiana.

Vi-o matutar um pouco sobre a frase para, instantes depois, comentar:

- Eu, cá por mim, pertenço ao "Portugal qui se lève tard...".

E, depois, ainda se queixam das "bocas" anti-sulistas dos alemães...

Semprún

Hoje, como membro do júri do "Prix des Ambassadeurs" (um prémio literário anual sobre história política, atribuído por um júri constituído por 20 embaixadores acreditados em Paris, escolhidos sob a égide da Académie Française), apresentei um parecer sobre "Le Bolchevisme à la française", de Stéphane Courtois, um livro que é um "pavé" de cerca de 600 páginas, sobre o comunismo em França (já agora: não aconselho o livro). 

Nesse texto, citei, a certo passo, Jorge Semprún, o escritor e político hispano-francês que efetuou um processo de afastamento do PC espanhol e que, a esse propósito, escreveu, entre outros, um livro muito curioso -  "Autobiografia de Federico Sanchez".

No termo da minha intervenção, um colega revelou que Semprún morrera, ontem, aqui em Paris.

Foi por recomendação do António Massano que conheci, nos anos 70, essa obra, creio que editada pela Moraes. A "Autobiografia" foi apenas o primeiro dos vários livros de Semprún que fui lendo ao longo dos anos - sobre o seu tempo de prisioneiro dos nazis, a sua vida no universo clandestino comunista, o seu regresso à Espanha democrática e vários outros temas e pretextos. Se tivesse de recomendar uma única obra de Semprún, eu optaria por "Le mort qu'il faut" (não faço ideia se há tradução portuguesa), sobre a experiência no campo de concentração de Buchenwald.

Pela riqueza da sua vida, Semprún fazia parte daquelas pessoas que eu gostaria de ter conhecido pessoalmente.

Nós e a Europa

Não sei quem poderá ter paciência e tempo para ver e ouvir o que o embaixador português em França disse ao Cercle des Européens sobre a situação atual no nosso país, em especial face ao acordo com a "troika" e às perspetivas da sua execução, bem como o modo como o projeto europeu continua a ser visto entre nós.

Aqui fica o link

terça-feira, junho 07, 2011

Conhecimentos

Desde o início da sua carreira que aquele colega se revelara um deslumbrado com o seu estatuto de diplomata, que espalhava aos quatro ventos, como se isso fosse a coisa mais importante do mundo. O "upgrading" social que a carreira lhe trazia era por ele explorado de forma quase obsessiva, procurando, por essa via, introduzir-se na vida mundana de Lisboa, forçando intimidades, recheando a agenda de novos conhecidos ditos importantes, que tentava tratar pelo nome próprio. Era um espetáculo (triste, diga-se) vê-lo entrar nos restaurantes onde, ao almoço, se juntavam políticos, empresários e figuras da sociedade. De mesa em mesa, saudava, mostrava-se e derretia-se se acaso alguém lhe acenava.

Um dia, um recém-entrado diplomata, manifestamente seduzido pela coreografia social desse colega mais antigo, fez notar isso a um velho embaixador, sublinhando o facto daquele colega conhecer "toda a gente"! O embaixador, homem com mundo que já tinha visto um pouco mais do que tudo, para além de ser um snobão de primeira, respondeu, cruel:

- Pois é! Ele, de facto, pode conhecer toda a gente. Só é pena que ninguém o conheça a ele...

Os blogues da política

Os últimos anos viram florescer, na blogosfera portuguesa, aquilo que poderíamos designar como "os blogues da política".

Trata-se de tribunas onde o poder político vigente foi, nos últimos anos, regularmente zurzido, às vezes sem dó nem piedade, ou, numa lateralização ideológica contrária, onde ele foi defendido, com maior ou menor vigor, convicção ou até zelo oficioso.

Diga-se que, em ambos os casos, a blogosfera revelou frequentemente muito boa escrita, o que não nos deve admirar, por frequentemente se tratar de profissionais da comunicação social que, voluntária ou involuntariamente, acabaram por fazer inesperados "outings" nesta guerra de afetos políticos.

Como agora o mundo político se inverteu, vai ser muito interessante observar o modo como essas plataformas de opinião irão evoluir. E, em especial, curioso será verificar se o respetivo mercado de leitores virá a ser afetado, agora que "les jeux sont faits". 

segunda-feira, junho 06, 2011

Poesia diplomática

Não vou poder estar presente na sessão de lançamento das "Lendas da Índia", o novo livro de poesia do meu amigo Luis Filipe Castro Mendes, que será apresentado hoje à tarde na livraria Buchholz, em Lisboa, por Nuno Júdice. Algum embaixador português tem de ficar por Paris...

O embaixador Luís Castro Mendes tem uma ampla obra poética publicada e premiada. Chefia a missão portuguesa junto da UNESCO, em Paris, depois de ter sido embaixador em Budapeste e Nova Delhi. É autor do blogue Tim Tim no Tibete.

Curiosa (e carinhosa) é a nota que um alegado poeta popular português, Reinaldo Azenha de Noisiel, que parece residir em Pont de Sèvres, nos arredores de Paris, deixou na abertura do seu recente blogue "Malta da Rima", a propósito da publicação deste livro.

António Manuel (1959-2011)

Chamava-se António Manuel dos Santos, mas (como muita gente) sempre o conheci apenas por António Manuel. Jornalista de profissão, já só o vim a encontrar como "operacional" político, como colaborador de Vitor Constâncio, Jorge Sampaio e António Costa. Figura imponente, era o exemplo de um "falso lento", com raro instinto político e eficaz sentido de organização, em especial na área da relação com os media. E de uma lealdade à prova de bala.

Não tínhamos uma grande intimidade, apenas uma muito boa relação pessoal. Não o via há muito, desde que partira para Bruxelas, para trabalhar no Parlamento Europeu.

Morreu ontem. A prova da sua discrição é também dada pelo facto de não ter conseguido encontrar uma foto sua para ilustrar este post.

Fica um abraço triste para o António Manuel.

domingo, junho 05, 2011

Acordar

Há dias, um comentário trouxe ontem aqui ao blogue o nome da Ciesa-NCK, uma empresa de publicidade em que trabalhei, por algum tempo, a partir de 1974. Eram algumas horas diárias, que retirava ao meu tempo militar (uma "tropa" de tarde...), empregadas num "serviço de leitura seletiva" da imprensa (diária e semanal), criado pelo Carlos Eurico da Costa, para combater a crise por que passava a publicidade.

(Esse serviço iria depois evoluir, já em 1975, para a criação da "Análise da Informação", um boletim semanal que avaliava, com procurada isenção, o modo como a realidade portuguesa era tratada pela diferente imprensa. A "Análise" foi um êxito e era vendida, a alto preço, a empresas e embaixadas, que pretendiam dispor de uma informação independente, que lhes permitisse "descriptar" a turbulenta situação político-social de então. Tinha como coordenador o jornalista José Silva Pinto (que viria a criar "O Jornal"), que comigo e com o Francisco Vale (hoje dono da editora "Relógio d'Água"), assegurava a sua redação. Se bem me lembro, teve colaborações esporádicas de Manuel Beça Múrias e de Cáceres Monteiro, um dos quais julgo que me substituiu, quando deixei de colaborar, em meados de 1979. Acabavam então quatro longos anos, em que ocupava parte do meu fim de semana a redigir a minha contribuição para a "Análise", para além de ser diplomata a tempo inteiro.)

Mas é do "serviço de leitura seletiva" que queria falar. Tratava-se de uma recolha de notícias, retiradas dos muitos e variados jornais que o 25 de abril fez emergir, que executávamos a partir de horas bem matutinas. A responsabilidade por este trabalho de leitura rápida e escolha que se pretendia muito criteriosa e representativa, assente num conjunto muito alargado de temas, competia a duas pessoas: a mim e a Pedro Moutinho.

Pedro Moutinho foi uma figura muito conhecida da rádio e da televisão, até ao 25 de abril. Era um dos melhores locutores portugueses, estando a sua imagem como repórter consagrada no famoso relato do Porto-Sporting que integra o filme "O Leão da Estrela" (onde o Sporting ganha, diga-se de passagem...). Fora casado com outra famosa voz da rádio portuguesa, Maria Leonor.

Com a Revolução de abril, alguém terá descoberto que o Pedro teria estado inscrito, por algum tempo, na Legião Portuguesa. Isso levou ao seu afastamento da Emissora Nacional e ao desemprego. Foi o Carlos Eurico da Costa (que era oriundo de uma área política bem oposta) quem o acolheu na Ciesa-NCK e, tal como a mim, lhe arranjou trabalho.

Entrávamos às 8 da manhã. O Pedro Moutinho não tinha um feitio fácil, principalmente nas primeiras horas. Ia depois adocicando com a passagem do tempo, tornando-se um companheirão para o final da manhã, quando "despegávamos". Contava histórias magníficas, que tenho pena de não ter registado.

(Lembro-me apenas de uma. Um dia, foi chamado à PIDE porque, numa reportagem sobre a chegada à estação de Santa Apolónia do presidente da República, Américo Tomaz, vindo de Madrid, identificara o seu chefe da casa civil, general Humberto Pais, por... Humberto Delgado! Verdade seja que esta seria a sua única medalha de "anti-fascismo", ele que, com coerência, nunca renegou as suas convicções fortemente conservadoras.)

Numa daquelas matinais horas, em que estava com um feitio impossível, o Pedro perguntou-me:

- Diga-me lá! Você acorda bem disposto, de manhã?

Disse-lhe que não, que normalmente me custava a "arrancar" o dia e que acordava "irritadiço".

O Pedro não quis ouvir outra coisa e, com o seu vozeirão, felicitou-me:

- É isso mesmo! Você é uma pessoa normal! Acordar, para si como para mim, é um ato de violência, uma coisa anti-natural. O que eu nunca compreendi são aqueles maduros que acordam bem dispostos, que cantam no banho e que começam o dia felizes. Imagine! Não passam de uns anormais!

E a nossa amizade e compreensão mútua aumentou, a partir de então.

O Pedro Moutinho morreu já há muitos anos. Há tantos que o "Google" não tem nenhuma foto sua que possa ser mostrada.

"Os donos de Portugal"

Ontem, numa cálida noite vila-realense, alguém me fazia notar que a história eleitoral portuguesa mostra que, na realidade, as grandes decisões políticas, aquelas que afetam os equilíbrios conjunturais da vida de todos nós, são tomadas por apenas entre 15 e 20% da população votante.

Segundo esse amigo, os dois grandes partidos da cena política portuguesa mostram ter um núcleo de eleitorado fiel, o qual, aconteça o que acontecer, confere sempre, a cada um, um "score" seguro, que deve andar em pouco mais de 25%. A decisão sobre qual dos dois partidos chega à frente do outro em cada ato eleitoral é, assim, determinada por esses 15 a 20% flutuantes, os quais, no fundo, são aqueles a quem se destinam as campanhas eleitorais. Esses são, na frase simples desse amigo, "os donos de Portugal".

Propinas

O Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), a que presido, decidiu ontem aumentar em 12 euros por ano (um euro por mês), as propinas de base para o ano letivo 2011/12. Ponderámos muito esta decisão, não tanto pelo acréscimo em si mas, principalmente, porque este esforço acrescido se soma às dificuldades por que passam muitas famílias, atingidas pela crise económico-social. 

Poderíamos ter evitado tomar esta decisão? Claro que sim: se não houvesse estudantes a furtarem-se à liquidação das propinas, o que é altamente injusto para os colegas que cumprem as suas obrigações, este aumento não teria sido necessário. 

As universidades públicas portuguesas (não apenas essas, mas são essas que para aqui interessam) atravessam, embora de forma desigual, um momento algo complexo, produto de diversos fatores, que vão desde as alterações recentes do seu mercado ao facto de terem de adaptar-se às limitações orçamentais com que o setor Estado vive. E isso exige mudanças, com algumas a poderem não ser as mais populares.

Pela génese da sua oferta pedagógica, pelo seu enquadramento geográfico e por outros fatores específicos de vária natureza, a UTAD tem necessidade de fazer, com caráter de urgência, algumas opções estratégicas muito sérias. Por essa razão, porque a universidade deve repensar a sua estrutura, o seu modelo e os seus objetivos, vi aprovada uma proposta que apresentei para que se organizem, em Outubro e Dezembro, duas jornadas de reflexão estratégica. Vamos ouvir o que a Academia pensa para a sua universidade e, de seguida, com base em estudos devidamente fundamentados, vamos tomar, em 2012, as medidas que tivermos por mais adequadas para o futuro da UTAD.

Ser embaixador em França não é incompatível com esta contribuição, a titulo totalmente gracioso, que faço à universidade da minha terra. É com muito prazer que retiro dias de férias para vir, de Paris, algumas vezes por ano, trabalhar umas horas em Vila Real, tentando ser útil à UTAD. 

sábado, junho 04, 2011

Ver eleições

Os meus amigos franceses surpreendem-se sempre quando lhe conto que, uma vez, antes de 25 de abril de 1974, "meti" duas semanas de férias, no meu emprego, para ir a Paris... ver eleições! É que, naquela altura, os atos eleitorais em Portugal eram uma verdadeira farsa e, para muitas pessoas da minha geração, a França funcionava como uma espécie de democracia "adotiva". Para alguns, acabaria por ser mesmo um destino de vida.

"Ver" eleições em Paris significava poder assistir aos comícios na Mutualité, estar presente em debates organizados pelas forças partidárias, contemplar o panorama da polémica que se refletia nas televisões e nos jornais, recolher imensa papelada que nos alertava para a liberdade que se vivia naquele mundo, com os placards exteriores a mostrarem caras e símbolos em disputa democrática. Era uma sensação estranha mas entusiasmante, para um jovem português de então.

Agora, vim a Portugal, não para "ver" eleições, mas para participar nelas, para votar. Há quem ache isso inútil, quem entenda que "são todos iguais", que "assim não vamos lá". Alguns opinam que a classe política portuguesa não merece confiança, que os eleitos acabam por nunca fazer aquilo a que se comprometem, que votar ou não votar não muda nada na nossa vida. Agora, há também quem considere que o compromisso assumido pelo país com as instituições financiadoras internacionais limita de tal modo a margem de manobra de quem quer que seja eleito que, no fundo, "vai dar tudo ao mesmo".

Não é verdade. Os partidos não são todos iguais, têm histórias e princípios diferentes. Os políticos que os titulam têm perfis diversos e há muitos espaços de afirmação legislativa e de atuação político-administrativa que apenas dependem do exercício da vontade política, que não estão vinculados ou dependentes do acordo com a "troika".

A questão é muito simples: se nos afastarmos do processo político, se deixaremos aos outros a decisão de escolherem por nós, perdemos parte da legitimidade para poder avaliar e responsabilizar aquele que vierem a ser eleitos... pelos outros!

Hoje, com toda a serenidade e em consciência, vá votar!

"Diplomatas"

A nossa imprensa é sempre muito lesta quando lhe cheira a qualquer esturro que possa ligar-se negativamente à imagem da diplomacia lusa.

Há meses, um "cônsul honorário" na Alemanha apareceu envolvido em maroscas financeiras. De imediato, os títulos e os textos apontavam para "diplomata recebe luvas em negócio" ou "diplomata acusado de corrupção".

Há dias, um "vice-cônsul" no Brasil, uma categoria administrativa em má hora recém-renascida, que alguns, premonitoriamente, advertiram que poderia vir a redundar em "vício-consulados", foi acusado de desvio de fundos. Como era expectável, a comunicação social logo trouxe títulos como "diplomata roubou" e coisas do mesmo jaez.

Vamos a ver se nos entendemos: ambos os cavalheiros envolvidos no que parece serem atividades criminosas não são diplomatas - eu diria mesmo, estão mesmo muito longe de o serem. A qualidade de "cônsul honorário" ou de "vice-cônsul", que, por todo o mundo, é exercida por pessoas geralmente muito estimáveis e de impecável honestidade, não confere a ninguém a qualidade de "diplomata", categoria profissional que tem requisitos de formação, recrutamento e responsabilidade muito específicos. Repito: um "cônsul honorário" ou um "vice-cônsul" são categorias funcionais que nada têm a ver com a carreira diplomática, salvo na circunstância de exercerem uma atividade na dependência desta.

Por essa razão, é completamente abusivo utilizar o termo "diplomata" para qualificar quem o não é, fazendo recair sobre uma profissão os "salpicos" de eventual falta de ética de quantos, noutra qualidade, agem em nome do Estado português no exterior.

Só lamento que a entidade representativa dos diplomatas portugueses (que, por alguma razão, se não chama "sindicato dos diplomatas e ofícios correlativos"...) não tenha saído a terreiro em todos os casos, pondo "os pontos nos is", denunciando a difamação e ensinando, por uma vez, aos plumitivos de serviço aquilo que a sua profissão, pelos vistos, não lhes soube ensinar.

sexta-feira, junho 03, 2011

Mãos

- Você conhece o rapaz que Lisboa mandou para a reunião?

À pergunta do embaixador, o conselheiro da missão portuguesa junto daquela organização internacional relatou o pouco que sabia sobre o jovem colega que o MNE tinha enviado para assegurar um determinado grupo de trabalho, por algumas semanas. Na descrição que fez do diplomata visitante, o conselheiro não deixou de acrescentar o estranho pormenor de que ele tinha sempre "a mão úmida".

- Que horror!, reagiu o embaixador.

Passaram-se os dias e, uma tarde, o diplomata lisboeta entrou no gabinete do conselheiro e, de chofre, perguntou-lhe:

- Você acha que o seu embaixador tem alguma coisas contra mim?

O conselheiro reagiu negativamente, dizendo que tinha mesmo a certeza de que o embaixador nunca antes ouvira falar dele, tanto mais que, na altura da sua chegada, lhe perguntara quem ele era. Não, não tinha nada contra ele, onde é que ele fora desencantar essa ideia?

- Eu pergunto isto porque, sempre que estendo a mão ao embaixador, para o cumprimentar, ele põe as mãos atrás das costas... Nunca consegui dar-lhe um aperto de mão!

Aí, o conselheiro entendeu...

Astérix em mirandês

Um amigo bem nortenho, fez o favor de me enviar o "Le grand fossé", um belo álbum das aventuras de Astérix (e Obelix, não esqueçamos!), numa edição limitada, em língua mirandesa ("L galaton").

Igualmente me ofereceu, editada igualmente em mirandês, a banda desenhada "Os Lusíadas" ("Ls Lusíadas), com o clássico traço de José Ruy.

Os mirandês está bem e recomenda-se!

quinta-feira, junho 02, 2011

O relógio

O Melo era aquilo a que agora se chama um cromo. Projetava uma imagem caricatural do diplomata: sempre de fato com colete, de onde sobressaía a corrente de ouro do relógio de bolso. Como tique, tinha por hábito dar lustre nas calças ao brasão que trazia no anel. Falava de forma pausada, mimando o estilo que ele admirava em vetustas figuras da carreira, vindas de um tempo a cujos sinais exteriores ficara fiel. Velho conselheiro já sem hipóteses de promoção ou de chefia de missão, arrastava agora a sua consabida calaceirice por um posto onde fora colocado contra a vontade expressa do embaixador. Este pagava-lhe com uma atitude de permanente ironia e desprezo. Porque era um pouco tonto, o Melo parecia não perceber que era regularmente gozado pelo seu chefe.

Uma tarde, na embaixada, foi chamado ao gabinete do embaixador. Encontrou-o com um colega mais velho, que tinha vindo de Lisboa, em férias. Tratado o breve expediente, o embaixador perguntou-lhe:

- Ó Melo, você tem horas certas?

O conselheiro sacou, com orgulho, do seu velho e valioso relógio de bolso, preso pela ostensiva corrente de ouro. E esclareceu o embaixador. Este voltou à carga, dirigindo-se para o colega de Lisboa:

- Tu queres saber que o nosso Melo nunca muda a hora no relógio?!

Perante o espanto afivelado pelo embaixador visitante, o Melo, sorridente, voltou a tirar o relógio, explicando que, de há muito, decidira não proceder aos acertos horários, ao longo do ano, para evitar forçar o delicado mecanismo do velho relógio. E lá mostrou que, precisamente, tinha então a hora errada.

- É verdade que estes relógios ingleses são frágeis, comentou o chefe do posto.

O Melo reagiu. Não, o relógio era americano! Retirou-o, uma vez mais, do bolso do colete e mostrou a marca, a ambos os embaixadores. E preparava-se para sair quando o seu superior hierárquico, com alguma ironia, lhe lançou:

- Ó Melo, eu perceberia o seu cuidado, se o relógio fosse de ouro, mas assim...

O conselheiro, que herdara o precioso relógio de ouro da família, reagiu e, retirando-o de novo do bolso, mostrou o contraste, sobre o qual deu algumas explicações, que pouco pareceram interessar aos seus interlocutores. E foi saindo. Estava já prestes a fechar a porta, por fora, quando ouviu o seu chefe dizer para o embaixador visitante:

- Aquele relógio do Melo não é nada mau. O que é pena é que não tenha ainda ponteiro dos segundos. Mas percebe-se, é de outro tempo.

O Melo, contudo, ainda tinha ouvido o comentário. Reabriu a porta, pediu desculpa e mostrou, à evidência, que o seu embaixador estava errado: o seu relógio marcava os segundos. E saiu.

O conselheiro já não testemunhou a "barrigada de riso" que invadiu ambos os embaixadores. E, em especial, a frase do seu chefe:

- Eu não te dizia que o tipo sacava do relógio, pelo menos cinco vezes?!  Com jeito, ainda tinham sido algumas mais...

Esta história foi-me contada, há cerca de um quarto de século, por um embaixador. Já não conheci o "Melo", nem qualquer os outros protagonistas. Longos anos houve em que era possível a subsistência de algum autoritarismo nas relações hierárquicas, dentro das nossas missões diplomáticas. Eram outros tempos, embora eu ainda tenha encontrado alguns "Melos", pelos corredores das Necessidades.

Cohen

A minha experiência de concertos musicais ao vivo (fora os de música clássica, claro) não é muito positiva. Com raras exceções, e independentemente da qualidade cénica dos espetáculos, acabo, quase sempre, por sair um tanto desiludido dessas aventuras. Para o auditório, o som raramente é bom e há que aturar os patetas que, para mostrar que conhecem as músicas, as abafam com aplausos, aos primeiros acordes. Depois, há a chusma histérica que, logo que pode, arranca dos seus lugares e se "ajunta" no sopé do palco, repetindo alto os refrões e tapando a vista a quem fez o esforço de pagar o que achava que iam ser ótimos lugares. E, desculpem lá!, abomino o "pessoal dos isqueiros", na sua patética nostalgia.

Digo isto para notar que, deliberadamente, já me escusei a ir ver dois espetáculos de Leonard Cohen, apenas para ter a certeza de me não iria sentir desiludido com o trabalho desse magnífico artista canadiano, que ontem ganhou o prémio "príncipe das Astúrias" - derrotando, ao que dizem, António Lobo Antunes e Ian McEwan. Cohen é um magnífico compositor, escreve excelentes poemas e canta com um estilo único. Merecido prémio.

quarta-feira, junho 01, 2011

O casaco

Percebemos o truque quando, bem cedo numa segunda-feira, um de nós passou pelo gabinete dele. O casaco continuava no cabide, em frente à secretária. Tinha lá sido posto ao final da manhã de sexta-feira, para dar impressão, a quem o procurasse durante toda a tarde desse dia, que "estava já ali perto, já vinha...".

Era um especialista diplomático em fins-de-semana. Terá deixado escola? Pensei nisto ontem, ao abrir as portas de alguns gabinetes, nas Necessidades. Mas estavam lá todos...

As relações económicas entre a França e Portugal

A revista "Portugal Global", editada pela AICEP, publica no seu número de Junho de 2011, que hoje surge a público, um completo dossiê sobre as relações económicas bilaterais entre a França e Portugal. Pode consultar o pdf da revista aqui.

Neste número, publico um artigo intitulado "Diplomacia em tempo de crise", que pode ler na revista ou aqui

Tarde do dia de Consoada