Ao ler, há dias, nas memórias de Pedro Feytor Pinto, mais um relato das manifestações contra a política colonial portuguesa que tiveram lugar aquando da visita de Marcelo Caetano a Londres, em 1973, não pude deixar de recordar uma curiosa situação de que fui testemunha privilegiada, precisamente 20 anos mais tarde, quando estava colocado na nossa embaixada naquela cidade.
A imprensa britânica tinha vindo a publicar artigos, crescentemente acusatórios, pelo facto de, alegadamente, laboratórios portugueses utilizarem cães como cobaias para experiências médicas. Várias cartas indignadas haviam sido recebidas na embaixada, às quais eu, como encarregado de negócios, na ausência do embaixador, pacientemente respondia, já nem me recordo bem em que termos.
A imprensa britânica tinha vindo a publicar artigos, crescentemente acusatórios, pelo facto de, alegadamente, laboratórios portugueses utilizarem cães como cobaias para experiências médicas. Várias cartas indignadas haviam sido recebidas na embaixada, às quais eu, como encarregado de negócios, na ausência do embaixador, pacientemente respondia, já nem me recordo bem em que termos.
Uma associação britânica dedicada à proteção dos animais pretendeu ser recebida, para entregar um protesto formal, dirigido ao nosso governo de então. Na data e hora combinadas, quando aguardava o grupo, entrou-me um contínuo com um ar desaustinado pelo gabinete, pedindo para eu ir, com urgência, à varanda. Lá fora, ocupando o canto de Belgrave Square, onde se situam os edifícios da residência e da chancelaria da embaixada, que vejo eu? Largas dezenas de cães, pela trela dos donos, bloqueando uma área importante, numa imensa manifestação, entrecortada por latidos em anárquico coro.
As surpresas não tinham terminado. Quando a delegação do grupo protetor dos animais acedeu, instantes depois, ao meu gabinete, dois dos seus integrantes pegavam pelas pontas de um grande "osso", feito em esferovite, ao qual vinha anexo um grande envelope, que vim a verificar tratar-se da carta de protesto. Colocado o imenso "osso" no chão, no centro da sala, ouvi os argumentos da delegação, transmitindo-lhe as justificações que entretanto recebera de Lisboa, as quais, decididamente, não acalmaram a sua indignação.
Acabada a audiência, que decorreu em tom cordato e civilizado, saíram, deixando o "osso" no meu gabinete que, nesse dia, se tornou num centro de romagem de todo o nosso risonho pessoal. Recordo que alguém ainda lançou, irónico: "O senhor doutor quer que se faça uma mala diplomática especial, para Lisboa, para mandar o "osso"? Podia seguir em anexo ao ofício que vai remeter o protesto...". Não mandei, claro, mas perdi uma boa oportunidade para o caso ficar nos anais do MNE. E, de caminho, para eu receber uma reprimenda do secretário-geral pela dispendiosa graça...
Acabada a audiência, que decorreu em tom cordato e civilizado, saíram, deixando o "osso" no meu gabinete que, nesse dia, se tornou num centro de romagem de todo o nosso risonho pessoal. Recordo que alguém ainda lançou, irónico: "O senhor doutor quer que se faça uma mala diplomática especial, para Lisboa, para mandar o "osso"? Podia seguir em anexo ao ofício que vai remeter o protesto...". Não mandei, claro, mas perdi uma boa oportunidade para o caso ficar nos anais do MNE. E, de caminho, para eu receber uma reprimenda do secretário-geral pela dispendiosa graça...
14 comentários:
Seriam esses os "ossos do ofício" ?
Essa Senhor Embaixador deve ter sido, de facto, o que se costuma designar por ruidosa mainifestação de protesto.
EGR
ao ler as memórias de mário soares não consta a jovem da juventude centrista que o questionou sobre um dito pedaço de pano que alegadamente alguém pisou
é o problema das man infestações
geralmente são pouco manifestas
Recorrendo a uma pouco diplomática sinceridade, diga-nos uma coisa: nas suas funções, nunca lhe ocorrem maus pensamentos? ;)
A Maggie vai gostar deste post ; )
Caro Pling a lot: a difamante que mencionou teve o adequado tratamento judicial.
Caro Catinga: claro que sim! E às vezes levei-os à prática, como todo o ser humano.
E sendo de esferovite, seria indigesto, mas não se pode dizer que fosse um osso duro de roer...
Um abraço
Em Julho de 1973, a seráfica policia de sua majestade correu com os manifestantes de Belgrave Square num ápice!
20 anos depois mostrou-se mais "humanitária".
Francisco Seixas da Costa disse...
Caro Pling a lot: a difamante que mencionou teve o adequado tratamento judicial.
pois esse é o problema
manifesta-se quem pode
não se manifesta quem quer
pelo menos impunemente....
Caro Miserere Dominus Meo (Box): Não deixo coisas sérias pelo meio. Falemos claro, então:
Uma senhora repetiu um dia, em público, uma miserável insinuação que visava uma personalidade portuguesa muito respeitável, que corria cobardemente em alguns sórdidos meios, sem a menor prova nem verosimilhança. Perante a repetição pública dessa insinuação, esse político recorreu, com toda a legitimidade, aos tribunais e viu provada, a 100%, a sua razão.
Não admito, neste blogue, que se brinque com a dignidade das pessoas, nem isto tem nada a ver com manifestações. Assunto encerrado.
Francisco Seixas da Costa disse...
Caro Miserere Dominus Meo (Box): Não deixo coisas sérias pelo meio. Falemos claro, então:
Uma senhora (rapariga de 18 anos usava óculos e era da JCentrista creio) repetiu um dia, em público, disse que o avô lhe tinha contado e na sala dita magna
(ouvia-se muito bem apesar de eu ser semi-surdo de nascença dá azar ouvir de mais)
uma miserável insinuação que visava uma personalidade portuguesa muito respeitável, é a opinião de Mariano Feio Henrique de Barros todos os Sampaistas e de muitos outras respeitáveis pessoas vivas e mortas...
Perante a questão parva e pública dessa insinuação, esse político disse com um estertor na voz que ainda bem que alguém me fez essa pergunta para eu a processar
porque isto ouvi, agora pessoas que com toda a legitimidade,levavam casos destes aos tribunais e viam provada, a 100%, a sua razão....ou além de qualquer dúvida a sua razão...geralmente ficavam anos à espera
tal como o general Garcia dos Santos
Não admite, neste blogue, é pró - rogativa suya... nem isto tem nada a ver com manifestações.
Devia ver a manifestação de pessoal socialista e comunista que achou aquilo excessivo...mas os pessoal de apoio rumorejou e calaram-se...
tem a ver com a falta de senso
que existe na vida pública
Assunto encerrado....ok...mim não pretende nenhum lugarejo no corpo diplomático...de resto em mais de 20 anos na estranja nunca entrei numa embaixada portuguesa
tamém é verdade que muitos países nem cônsul tinha...bons tempos
mas a cada qual a sua fé e os seus homens de bons costumes
estranhamente hoje era só socialista laico e republicano
nunca o tinha ouvido dizer a frase sem sem maçon...
geralmente era sou maçon republicano e laico....era cá uma cassete
mas havia salgadinhos e os tempos eram maus ...assis a modos que se comia de graça nos bufetes..
tinhamos era de andar com as bandejas a servir...e era cada conversa que se houbia
felizmente sou surdo
e está lá a gravação porque foi televisionado (pela RTP também não havia outra) a sessão na aula magna de lançamento para as presidências futuras
até apanharam um gajo que se estava a levantar (era apoiante do Salgado Zenha ou da Lurdes Pintassilgo)para protestar mas as câmaras fixavam essas aves raras
e era um ver se te havias a ver o pessoal a sentar-se
a minha memória é muito mauzota
nem chega aos calcanhares dessa sumidade nacional
ele até se lembra de um barbeiro só de pretos com rádio em são tomé...
e de uma multidão a ser reprimida pela PIDE quando foi deportado para S.tomé uma ilha que lhe fazia mal à saude em 1969...
mas em 1981 1985 1986 até há uma fotografia do tal e qual com uma indonésia que foi cumprimentar o senhor presidente
nesses tempos o senhor ministro secretário-geral ou 1ºcidadão dava-se melhor com as ilhas tropicais
resumindo: olhando para o esgar congestionado quando disse suavemente essas palavras
perdi toda a confiança nos amanhãs que cantam
anos 80..bons anos
felizmente as coisas evoluiram favoravelmente
isto de ser pessimista é doença
felizmente não tirei o cartão de nenhum partido
tinha sido uma despesa em cotas em atraso
que inté aprofundava o déficit
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