A Croácia decidiu ontem, por referendo, aderir à União Europeia. O
processo negocial estava já concluído, pelo que a entrada daquele que será o 28º membro vai ter lugar em meados de 2013. Fica assim provado que a União, apesar de todas
as suas crises, continua a ser uma referência atrativa de estabilidade
para os países do continente.
A Croácia declarou a sua
independência em Junho de 1991, no quadro de um complexo processo que levou à
divisão da antiga Jugoslávia. Terríveis atos de guerra e tensões étnicas abalaram então a
região balcânica, onde hoje, para além da Croácia, figuram, com estatuto
de Estados independentes, a Eslovénia, a Bósnia-Herzegovina, a (antiga
República jugoslava da) Macedónia, a Sérvia, Montenegro e o Kosovo.
Deve dizer-se que o
objetivo croata estava longe de fazer a unanimidade europeia. O regime
político do Estado dirigido por Franjo Tudjman era alvo de
fortes críticas em matéria de respeito pelos direitos humanos e pelas regras da Convenção de Genève, durante a guerra inter-jugoslava. Além disso, na
memória histórica coletiva, subsistia, em muitos países europeus, um forte ressentimento contra os
croatas, por virtude da ligação que o "Estado livre" dirigido pelos "oustachis" pró-nazis de Ante Pavelic havia tido com Hitler, durante a segunda guerra mundial.
A Alemanha, em especial o seu MNE Hans-Dietrich Genscher, foi manifestamente o país mais aberto ao
reconhecimento da independência croata por parte das instituições europeias, que só viria a ter lugar em 15 de janeiro de 1992 - precisamente num período em que Portugal detinha a presidência da União Europeia. Recordo a minha quase solidão, como diplomata que representava a presidência das Comunidades Europeias (só em fevereiro desse ano seria assinado o tratado de Maastricht, que criou a "União Europeia"), no cocktail oferecido pelos croatas em Londres, ao final desse dia. A independência da Croácia, se bem que aceite, estava longe de ser saudada com entusiasmo pela generalidade dos países europeus.
A
exemplo do que, com frequência, acontece com Estados em busca de reconhecimento, os croatas
haviam desenvolvido, a partir de 1991, um pouco por todo o mundo, uma diplomacia pública de
convicção, tentando fazer perceber as razões que
justificavam a sua autonomização como entidade independente, sucessora do anterior Estado federado existente dentro da Jugoslávia.
Nesse sentido, a nossa embaixada em Londres havia sido visitada, com alguma regularidade, por um médico croata, com nacionalidade inglesa, que informalmente representava os interesses de Zagreb em Londres. Chamava-se Drago Stambuk, era um poeta com vasta obra publicada e aparecia como regular portador, não apenas da argumentação das suas autoridades em favor do processo de independência, mas igualmente de razões contra as acusações de que o seu regime era alvo (e que infelizmente vieram a ser comprovadas) sobre as derivas autoritárias do governo Tudjman, nomeadamente o terrível tratamento dado aos sérvios residentes na zona croata da Krajina.
Sem nunca lhe esconder as dúvidas que na Europa comunitária se alimentavam sobre os métodos do regime de Franjo Tudjman (e que, a título pessoal, partilhava em pleno), mantive sempre com Drago Stambuck uma excelente relação pessoal, que se transformou mesmo em amizade.
Um dia, após o anúncio reconhecimento da independência do seu país pelo Reino Unido, Drago Stambuk telefonou-me: tinha sido encarregado de abrir a embaixada croata em Londres. Não podia ser embaixador, porque tinha nacionalidade britânica, mas teria a responsabilidade prática de preparar toda a estrutura de representação croata em Londres. Como não sabia como proceder, "por onde começar", pediu a minha ajuda. Recordo longas conversas, em minha casa e em "pubs", durante as quais "desenhámos" a estrutura da primeira embaixada croata do Reino Unido. Nesses contactos, dei-lhe conta das formas de proceder face às autoridades locais, de "quem era quem" no Foreign Office, do modo de feitura das "notas verbais" e da preparação de outra documentação que faz parte da liturgia diplomática bilateral. Creio mesmo ter-lhe oferecido um exemplar da "bíblia" anglo-saxónica da profissão diplomática, o "Satow's guide to diplomatic practice". Guardei sempre na memória essa minha contribuição para a montagem da primeira embaixada croata em Londres.
Com a minha saída do Reino Unido, perdi Drago Stambuk de vista. Lembro-me de ter falado dele com outros croatas que fui conhecendo, nomeadamente em visitas que fiz à Croácia. Vim a saber que prosseguira a carreira diplomática e que fora embaixador em vários países. Há meses, enviou-me um mail de Brasília, onde, desde agosto de 2011, é embaixador. Por pouco que nos não tínhamos cruzado de novo.