O presidente da República convidou-nos a reinventar o país do futuro. Sendo o futuro o lugar onde vamos passar o resto dos nossos dias, convém começar já esse esforço.
A cruel dualidade que o presidente sublinhou em 2017 foi a prova de que não devemos dar nada por adquirido. Somos um país frágil, marcado por um grave desordenamento sócio-territorial, com uma sociedade civil escassamente autonomizada e um tecido público com uma flagrante impotência para proteger, com eficácia, os interesses de muitos dos cidadãos.
O fantástico salto que Portugal deu nas últimas décadas, na partilha das vantagens do processo europeu, teve efeitos muito assimétricos no seu tecido social e humano. Há um Portugal perdedor, em termos relativos, no banho de riqueza que mudou a paisagem e confortou os bolsos de muitos portugueses. Mais grave do que isso, não parece existir uma estratégia coletiva para reverter essa tendência desigualizadora. Vivemos com um Estado marcado por um tropismo centralista, que prolonga uma tutela paternalista de Lisboa que, desde há séculos, teima em não ceder.
A tragédia dos fogos revelou que Pedrógão não foi um acidente. A repetição, semanas mais tarde, de ocorrências com gravidade similar foi a prova provada de que estamos perante uma endemia estrutural, que pode facilmente emergir noutro contexto – num sismo, numa epidemia, num novo Entre-os-Rios do nosso desespero.
Foi também a constatação de que o país das decisões fala sempre de fora para dentro do Portugal mais interior, cuja única voz parece ser sempre a da lamentação. Começa a ser insuportável continuar a viver nesta dualidade, que não só é profundamente injusta como induz ineficácia no desejável processo de coesão nacional.
Há que encontrar rapidamente um modo de trazer para a esfera da reflexão e da decisão setores que delas estiveram, desde sempre, distantes. Nesse contexto, reinventar o futuro implica, em particular, mobilizar ideias e vertentes de ação que associem os mais jovens a um processo de “devolução” de poderes. As universidades e o mundo empresarial moderno são aliados essenciais para esse esforço.
O presidente tem razão. Mas precisamente porque ganhou autoridade como catalizador da resposta institucional ao sofrimento, tem agora de a utilizar e, aproveitando o novo ciclo do principal partido da oposição, somado a alguma instabilidade que ainda atravessa o governo, deve “chamar os bois pelos nomes” e forçar consensos de regime, ajudado pela imensa e entusiasmada plateia que ganhou pelo país. Deixar Belém com um Portugal mais solidário, mais organizado, com uma estratégia de futuro consensualizada para uma década – esse seria um belo presente de Anos Novos que gostaríamos de ter.