quinta-feira, abril 20, 2017

Viver fora


Hoje, aqui em Bogotá, lembrei-me de que tenho dois amigos, ambos diplomatas, um português e outro brasileiro, que assentaram arraiais de vida aqui pela Colômbia. Sempre que por aqui venho, tenho os dias tão ocupados que nunca tive tempo para lhes dar um abraço.

Foi a propósito disto que dei comigo a pensar se acaso teria sido capaz, se a ocasião se tivesse proporcionado, de ter ficado a residir numa das várias cidades estrangeiras onde vivi. 

É claro que reconheço que tudo dependeria muito do enquadramento, em especial de ordem material, em que essa estabilização da vida se fizesse. Mas, por melhores que fossem essas condições, confesso não me estou a ver a passar o resto da minha vida numa cidade estrangeira, onde eu também forçosamente me sentiria sempre como tal. É que uma coisa é ser-se diplomata, com esse estatuto e a precariedade cómoda da estada, outra coisa é ser-se um cidadão estrangeiro comum, mesmo que ex-diplomata, a viver para sempre numa sociedade estrangeira.

O que é que eu faria hoje por Oslo, onde teria de ter uma fortuna para aí conseguir viver? Que conhecimentos por lá teria entretanto cultivado? E a falta de sol? Não estou a ver-me por ali.

Os meus amigos angolanos desculpar-me-ão se eu não elaborar sobre as razões por que não me apeteceria nunca viver na Luanda dos nossos dias, talvez as mesmas que levam a que a grande maioria deles viva hoje ... em Portugal. 

Londres é uma cidade ótima para se viver (bem)? Isso é uma evidência e sempre vi a capital britânica como o local estrangeiro onde me sentiria melhor (com ou sem Brexit). Porém, tenho a sensação de que, mesmo que tivesse uma casa em Hampstead (como o meu amigo Hélder de Macedo), ia sentir-me sempre algo isolado. E talvez infeliz.

Depois viria Nova Iorque, talvez a cidade do mundo onde me senti menos estrangeiro, porque ela própria é feita de gentes de várias origens, sob uma lógica comportamental muito simples. Mas acaso gostaria de viver por lá? Talvez em Downtown Manhattan ou no Upper West Side. Mas dar-me-ia bem, naquela babel individualista, sem a vida profissional intensa que por lá tive? Não me parece.

Viena? Nunca por nunca me senti confortável numa cidade onde não falo a língua, fechada sobre si mesma e, agora cada vez mais, sobre o mundo. 

Com uma casa agradável no Lago Sul, é muito fácil viver-se em Brasília (onde, com orgulho, sou um dos poucos estrangeiros com o título de cidadão honorário). Mas teria de me ter saído a lotaria (coisa complicada para quem nunca comprou um bilhete, nunca jogou no Totoloto ou no Euromilhões e não aposta na bolsa) para poder ter uma vida boa na capital brasileira, tão boa que permitisse viajar... para Portugal, como fazem regularmente os meus (muitos) amigos brasilienses. 

Resta Paris e, nesse caso, não tenho a menor dúvida: gosto de passar por lá, almoçar ou jantar com amigos, comprar livros, ver exposições ou espetáculos, "mais c'est tout!" Viver em Paris, para sempre, foi uma ideia que nunca se me colocou.

Não, não viveria nunca, em definitivo, no estrangeiro. Gosto da terra onde nasci, a única da qual posso dizer "cobras e lagartos", coisa que faz parte desta nossa maneira cruel de olharmos para nós próprios, sem termos o sentimento culposo de estar a trair a hospitalidade com que somos acolhidos. Portugal é a "questão que eu tenho comigo mesmo", como disse o O'Neill, mas é onde, sem a menor dúvida, me sinto bem. Ou, para ser mais preciso, onde me sinto melhor.

3 comentários:

Anónimo disse...

Eu também não viveria no estrangeiro, onde vivo, nem pago. Mas explicar isto à minha família... em Portugal acho que se pode ter uma qualidade de vida única mas com a televisão desligada. A manipulação das nossas agendas, das nossas emoções,dos nossos sentimentos pelas televisões é absolutamente insuportável. Não trocava Lisboa por nada.Roma sei não.

Luís Lavoura disse...

Diz que Londres é bom síio para se viver. Mas a minha parca experiência da Inglaterra diz-me que tem casas muito mal construídas e desconfortáveis, mal isoladas e com o chão do andar de cima a fazer barulho para o andar de baixo.

Nova Iorque é uma cidade que muitos amam e muitos outros detestam. Eu encontro-me ente estes últimos. Não ver uma árvore e ver tudo coberto de cimento, é horrível.

O Francisco deveria ter experiência da Alemanha (não digo de Berlim). Aí sim, vive-se bem. Um povo culto e cosmopolita, casas de grande qualidade, muita verdura mesmo no centro das cidades.

Constantino Ubaldino disse...

Trocar o melhor pelo duvidoso, não seria um bom negócio. Escolha acertada do Sr. Embaixador.

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