sábado, abril 15, 2017

O governo das mulheres...


Foi o meu amigo Elísio Neves - figura a quem Vila Real deve imenso, pelo seu culto de memória das coisas da cidade "e do seu termo", como antes se dizia - quem ontem me ofereceu um pequeno livro que recolhe crónicas de Manuel Cardona. 

Trata-se de uma personalidade referencial do ensino secundário em Vila Real, naquele tempo em que os professores tinham "um nome" e o acesso ao liceu, onde era uma figura marcante de pedagogo, era um bem escasso e para muito poucos. Não cheguei a tê-lo como professor, mas recordo-me bem de o ver assomar à varanda da sua casa, frente ao Barracão, quando, todos os 1° de dezembro, fazíamos a ronda de saudação aos antigos professores.

O motivo da sua "chamada" a este blogue é simples. A Câmara Municipal de Vila Real e o Grémio Literário Vila-Realense editaram recentemente, organizada por Elísio Neves, uma recolha de Crónicas de Manuel Cardona, cuja obra de poeta, cronista e homem de teatro já fora tratada por António Manuel Pires Cabral numa iniciativa anterior do Grémio.

Ao ler no pequeno volume uma carta dirigida à futura mulher, escrita durante período convulso da primeira e grande revolta contra a ditadura militar, o 3 a 7 de fevereiro de 1927, deparei com este delicioso texto, em que se combinam a ironia e uma afetividade elegante, numa espécie de exorcismo lírico do ambiente de forte tensão que então se vivia. Apreciem:

"Os homens não se entendem. Os governos masculinos, mesmo fardados - e estava nestes o último reduto da nossa fé -, arrostam também os seus perigos e vivem horas de intranquilidade e de sobressalto. O que resta, então? Bem o sabes -, e eis a razão do envio destas linhas.

Um governo de mulheres, de mulheres bonitas -, é bom de ver... Nada de violências inúteis, nem de canhões: - vocês próprias terão o cuidado de fazer a seleção...

E só então a paz, a tranquila e santa paz harmoniosa, voltará aos nossos lares! À continência sucede o madrigal; às grades das prisões, a cadeia enternecida de uns braços de mulher... E a já velha frase: - "isto é descer, Marquesa?"  -, será substituída por esta outra, mais deliciosa: "isto é subir, rapazes!"

3 comentários:

dor em baixa disse...

Quando era jovem só esperava que as mulheres subissem à chefia dos governos e à direção das empresas. Nunca lá estiveram, não têm os vícios do mando, têm outra sensibilidade, quando lá chegarem farão diferente, farão melhor por certo, pensava cheio de esperança.
Quando vi Golda Meir e a Sr.ª Ghandi comecei a duvidar e quando chegou a Sr.ª Thatcher mudei de opinião. Não me acode nenhum exemplo empresarial, mas como não há um caso notável diferenciado, deve ter sido o mesmo.
Receberam os cargos de poder estabelecidos pelos homens e funcionaram como os homens. Se houve alguma diferença foi para pior, no género mais homem que os homens. Vê-se hoje que são mulheres-homens.

Helena Sacadura Cabral disse...

Dor em baixa
Por alguma razão isso terá acontecido.
E por alguma razão também, algumas mulheres que ascenderam à chefia política -acentuo política - se masculinizaram até na forma como se vestiam. A análise social deste facto não andará longe da verdade, se considerarmos que o tiveram de fazer para... serem iguais aos homens! Foi, certamente, o nosso maior erro! A igualdade que pretendemos, ainda hoje, é outra. a da igualdade de oportunidades.
Mas essa mascara-se com maternidades e horários duplos. Falta, de facto, fazer o essencial. Lá chegaremos. E talvez nessa altura se olhe para Golda Meir, Indira Ghandi ou Margareth Tatcher, com olhos diferentes e as critiquemos, sim, não por terem sido mulheres na politica, mas por certas políticas, independentemente do género de quem as praticou, não terem sido as mais adequadas.

Anónimo disse...

Dois comentários datados e sexistas, os do anonimo de 15 de abril de 2017 às 02:51 e de Helena Sacadura Cabral.

Homens e mulheres são iguais no exercício do poder. Ponto. Se forem decentes, terão a sensibilidade e falta de vícios que os recomende. Ou que as recomende. Se não, não. Tão maus ou tão bons uns como outros.


O resto é paternalismo (ou maternalismo) sexista em relação às mulheres, vem é escondido atrás de uma auto-ilusória crença de que se estão a fazer afirmações muito progressistas por se dizer que as mulheres são melhores do que os homens. Quando não são. Dentro das diferenças, grande parte culturais, são iguaizinhas na sua humanidade de defeitos e qualidades.

E devem estar nos lugares por serem metade da humanidade, não por qualquer alegada superioridade, que não existe. Uma superioridade que ontem foi inferioridade, e que também nunca existiu, tirando nos direitos, papéis e acessos.

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