sexta-feira, abril 14, 2017

Abrantes à vista?


A política externa das principais potências não costuma trazer grandes surpresas. O peso dos interesses, estratégicos ou outros, que define o rumo dos países na ordem internacional raramente é abalado de forma radical. Episódios de conjuntura podem determinar correções de percurso, mas o essencial permanece, numa lógica de “ciclos longos”.

A subida ao poder de Donald Trump indiciou, numa leitura imediata, uma possível rutura com o quadro tradicional da ação externa dos Estados Unidos. Um punhado de bravatas, que roçavam a irresponsabilidade, haviam sido adiantadas durante a campanha e, com naturalidade, os aliados dos EUA preocuparam-se. 

A América não é um país qualquer, é a maior potência mundial, sendo, desde há décadas, o principal “produtor de segurança” para quantos se revêm na ordem demo-liberal ocidental. Ao falar da Rússia e da NATO como começou por falar, Trump fez disparar o “alerta vermelho” nos aliados que tinham Washington como uma constante segura nesse domínio. Mas, por si próprios, pouco podiam fazer, restando-lhes esperar que o peso da realidade e os “checks-and-balances” da democracia americana funcionassem.

Trump construiu uma administração “business oriented”, ou seja, determinada nas suas opções pelos negócios e interesses económicos. Levou para a Casa Branca a agenda simplista de que os EUA vinham de décadas de ingenuidade no plano externo e que era importante corrigir essa “injustiça”, que impactava no orçamento de Washington e nas contas externas do país, deixando-o à mercê de outros. Desconfiado do mundo dos tratados multilaterais, Trump optou pelo confronto bilateral musculado – com o México, com a Alemanha (isto é, a Europa que conta), com a China, etc. Em poucas semanas, terá feito, contudo, um curso intensivo de realismo. 

Há um mundo de dificuldades na política que não se compadece com a ligeireza impressionista do voluntarismo arrogante. E há muitos interesses a ter em conta.

A Rússia terá sido, porventura, a maior lição. Por razões que só o tempo explicará, Trump alimentou a ilusão de que o país derrotado e humilhado pelos EUA, no termo da Guerra Fria, ia poder converter-se num dócil aliado, quiçá passível de ser subcontratado para tarefas de interesse comum, em áreas onde os americanos pretendessem “desengajar” militarmente no futuro. 

Em algumas semanas, os poderes fáticos - militares, económicos e outros – dentro dos EUA encarregaram-se de baralhar os cenários de reversão estratégica do nóvel presidente. E aí está Trump em rota de colisão com Moscovo, com a NATO a deixar de ser obsoleta para passar a indispensável. 

Nem tudo estará exatamente como dantes, mas, neste domínio, o quartel-general já estará a regressar a Abrantes.

9 comentários:

Anónimo disse...

Obsoleto é quando um homem quiser. E os Varoufakis, de poupa amarela, podem também brotar do lado de lá do Atlântico.

Isabel Seixas disse...

Quem sou eu, para sequer"ousar" comentar estes jogos de bastidores que não reduzem sequer as conflitualidades quanto mais promoverem a saúde mental, é nestas discussões que por ignorância me remeto à grandeza do anonimato e obviamente à cobardia por lucida impotência de amar Florence Nightingale que preteriu as ciências politicas para exercer as de Enfermagem e reduzir a taxa de mortalidade no hospital de 42% para 2%.

Agora estes jogos nem as desigualdades reduzem...Pffff

Olhe Sr. Embaixador pelo menos alimentam as discussões de sexo dos anjos, que dão emprego a muita gente.

Oh Louvado seja o 25 de Abril...

Se ainda ó menos reduzissem as listas de espera aos doentes do hospital de chaves.

Joaquim de Freitas disse...

Trump é o último Imperador dos tempos modernos. Imperialista, vem de Imperador, mas os EUA não precisavam de Trump para actualizar a palavra “imperialismo”.
Os EUA são por essência uma nação imperialista.

Quando Hillary Clinton destruiu o Estado Líbio, proclamou: “Veni, vidi, vici”, como César. Mas é que eles crêem realmente que são os imperadores do Mundo. Trump, é aquilo que só poderia ser: um Imperialista. Mas o que é grave, é que é louco (ah a recepção ao presidente Chinês ontem, com o bolo de chocolate, que tomou proporções gigantescas…), e é o homem mais poderoso do Mundo.

Há duzentos anos não existiam os países hoje conhecidos como Itália e Alemanha, o Japão estava trancado numa letargia feudal, a África Negra era conhecida apenas como fornecedora de escravos, os EUA eram um país inexpressivo e sem importância, a França ressurgia da Revolução apagada pela Restauração Bourbon com Luís XVIII reinando em Versalhes ainda como monarca absolutista.

Allez ! Donald Trump é um ponto fora da curva da normalidade, como foram Napoleão, um italiano puro que depois foi Imperador da França e Hitler, um vagabundo austríaco que dormia nos bancos de jardim de Viena e chegou ao poder no maior país da Europa ocidental.

Trump é também um ponto fora da curva, não faz parte do establishment politico, não tem cultura, refinamento, experiência ou inteligência política, vai causar muita confusão antes de ser derrubado por assalto à Constituição que ele parece desconhecer e faz questão de não respeitar.

Os Estados Unidos sobreviveram em 241 anos de existência atravessando a Guerra Civil, duas guerras mundiais, guerras regionais perigosas como a hispano americana, a da Coreia, a do Vietname, a segunda guerra do Iraque. Presidentes medíocres como Harding, Coolidge, Cárter ,a crise dos assassinatos de Lincoln e de Kennedy.

Os EUA têm uma estrutura institucional sólida que agora será posta à prova com a Presidência Trump, um extraordinário erro de escolha da sociedade e do sistema político americano, que todavia não é imune a erros e, quando erra, o erro é monumental, afectando o País e o mundo onde os EUA mandam.

Trump é o tumor que supurou. As causas que o elegeram continuam latentes e serão de difícil solução. Trump existe por uma razão concreta. A globalização trouxe benefícios a uma camada social dos EUA e imensos prejuízos a outra camada. E é assim que se pensa em França neste momento e que vai resultar no fim dos dois partidos de governo, o fim da esquerda e da direita.

A globalização beneficiou essencialmente o mercado financeiro e as grandes corporações multinacionais e prejudicou o resto, as empresas médias e pequenas, os empregados destas que são milhões, prejudicou os não muito brilhantes que são a imensa maioria das populações de qualquer País, o mundo não é habitado por génios ou estrelas profissionais.

A globalização de capitais e de mercadorias não se transformou em globalização de prosperidade, em melhoria do nível de vida de bilhões de despoluídos, trouxe benefícios desiguais para ilhas de actividades modernas, mas arruinou número maior pelo mundo.

Trump é uma espécie de insecticida que vai levar o pânico ao formigueiro até ser parado , em Dallas ou algures, ou esgotar a sua energia, um acidente histórico como tantos que a História registou.

Anónimo disse...

Está produzir-se aquilo que os marxistas tanto gostavam de dizer: É o corte epistemológico.
Onde tudo isto vai parar....... também nos podemos recordar do pensamento marxista do antigamente: Estamos a viver um momento muito rápido na História, por isso vamos "wait and see".

Mas que tudo virá a ser muito diferente, disso não duvido. E não procuremos culpados pois é melhor adaptarmo-nos às realidades do que choramingar ou cantar: "Oh tempo....... volta pra trás".
É interssante como uma enorme percentagem dos "viewers" deste blog sendo de formação marxista-leninistajá não se lembram dos tempos das revoluções e intrigas. Enfim..... é a vida

Joaquim de Freitas disse...

O anónimo das 14 :03 parece surpreendido ! Quando escreve: - Mas que tudo virá a ser muito diferente, disso não duvido “ Mas esperava o quê, caro “viewer" deste blog ?

Trump só é surpresa para quem acha que o mundo é um processo organizado e que a História tem uma lógica evolutiva estabelecida. Nenhuma dessas realidades é presente, o mundo é um caos e a História é anárquica sempre. Trumps surgiram em muitos países, governantes do acaso eleitos por um jogo aleatório como uma roleta russa.

Os talentos para alguém ser eleito não tem relação com a capacidade para governar, capacidade intelectual e emocional. Normalmente administrar entes públicos é muito diferente do que administrar negócios privados e é raro o empresário sem experiência em política que dá certo na política, uma arte bem específica e que não se confunde com gerir uma empresa.

Anónimo disse...

@ Joaquim de Freitas
Não estou nada surpreendido de que tudo virá a ser diferente.
Estou sim surpreendido que tantos marxistas-leninistas ainda não se tenham adaptado aos tempos de mudança em produção. É complicado ver revoluçionários a ficarem conservadores ou mesmo burgueses.
Porque nunca fui nem marxista-leninista nem revolucionário duro interviniente, espanto-me com a desadaptação que observo.
Desculpem-me as minhas observações mas não resisto em fazê-las.

Anónimo disse...

@ anonimo 14 de abril de 2017 às 14:03
"não se lembram dos tempos das revoluções "
refere-se as revoluções coloridas??

Claro que o mundo esta a mudar. So nao ve isso quem é tolo. A europa que era um sonho e se tornou num pesadelo a afundar-se desde 2008, já lá vão quase 10 anos, os eua (maior potencia mundial) com a divida maior que nunca e a aumentar para nao falar de outros problemas bem graves que teem.

@joaquim de Freitas
"Trump é o tumor que supurou. As causas que o elegeram continuam latentes e serão de difícil solução"

E eu a pensar que as causas que o elegeram foram os serviços Russos (estava a ser ironico meu caro).

Quem ja leu a "queda e fim dos imperios" e "o novo relatorio da cia como sera o mundo em 2025" nota que o que estamos a passar e um momento de viragem em que imperio dos eua esta em declinio e como mostra a historia estes processos sao sempre agressivos e imprevisiveis

Anónimo disse...

@Ao anónimo das 15:51.
Não sei por onde andou nos anos do PREC por isso não sei se entende esse tempo como momento revolucionário colorido? Se o viveu de uma forma exaltada então foi para si uma revolução de cravos vermelhos e está muito no seu direito de assim pensar.
Não me peça ou obrigue a pensar da mesma maneira e também nunca perceberá onde a crise em Portugal tomou forma.
Espero que os os frequentadores deste blog não metam uma "cunha" para eu ir passar umas férias para a Sbéria num campo de reeducação.

José Alberto disse...

Abrantes à vista? O que está à vista é o curso natural da história onde sempre houve loucos a governar, tal como governantes sensatos e ponderados a exercer funções de estado e em lugares de grande impacte no futuro das nações e do mundo. Do pouco que sei sobre a história das civilizações, diria que nenhuma ficou de pé para contar como foi. As várias civilizações e imperialismos que dominaram o mundo, acabaram por desaparecer. O inexorável percurso da história não irá abrir excepções para Trump, Putin, ou ouros loucos quaisquer. A questão que, neste momente assume especial significado é que somos nós que estamos a viver este momente presente de grande instabilidade, insegurança e imprevisibilidade. Quanto ao resto não adianta falar do passado ou fazer comparações com outras revoluções pois desta vez, a evolução será certamente diferente de tudo o que já aconteceu. Claro que é legítimo e até louvável debater cenários sobre o imprevisível que, mais cedo ou mais tarde, se tornarão em realidade. No entanto recuso a palavra SURPREENDER, pois só ficará surpreendido com o futuro quem não percebeu o presente, nem considerou a imprevisibilidade do futuro e da natural evolução dA história. O CLUBE DE LISBOA, aparece assim no tempo certo. Parabéns aos seu fundadores.

Poder é isto...

Na 4ª feira, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal que desde há quatro anos faço no Jornal Económico com o jornalista António F...